BERNARD-HENRI LÉVY
Eu amo o Brasil, senhor presidente, e ficaria consternado de ver "nosso" Lula macular a tradição de acolher os refugiados
PREZADO presidente Lula, Sei bem que o debate sobre o caso Cesare Battisti, antigo militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, acusado de atos de terrorismo na Itália dos anos 70, tem despertado paixões no seu país.
Também sei que o jogo das instituições brasileiras, o esgotamento dos procedimentos previstos na sua democracia e a decisão apertada a favor da extradição, tomada pelo Supremo Tribunal Federal após longo julgamento, fazem com que agora caiba ao senhor, e ao senhor apenas, o poder de decidir se esse antigo militante, que se tornou um escritor de sucesso, deve ou não ser entregue à Itália.
Senhor presidente, inicialmente gostaria de lhe dizer que ninguém mais do que eu tem horror ao terrorismo. E desejo deixar claro que a luta contra esse terrorismo, a luta contra o direito que alguns se atribuem, nas democracias, de fazerem a lei eles próprios e de recorrerem às armas para fazer com que suas vozes sejam ouvidas é uma das constantes, senão a constante, de toda a minha vida de homem e de intelectual.
No entanto, se me dirijo a Vossa Excelência, é exatamente porque não está provado que Cesare seja esse terrorista que uma parte da imprensa italiana descreve e que, se tivesse cometido tais crimes, não mereceria nenhuma indulgência.
Ele foi condenado como tal, eu bem o sei, por um tribunal legalmente instituído, num país cujo caráter democrático não imagino, em nenhum momento, colocar em dúvida. Mas até as melhores democracias (a França sabe disso, pois, durante a guerra da Argélia, tomou liberdades com a liberdade, e os EUA de Bush, após o 11 de Setembro...) podem incorrer em erros e cometer injustiças.
O processo de Cesare Battisti, esse processo que o reconheceu culpado há 21 anos pelas mortes de Santoro e Campagna, levanta, nessa circunstância, ao menos três questões às quais um homem imbuído de justiça e de direito não pode ficar insensível.
A primeira diz respeito ao testemunho e às provas produzidas pela acusação e a partir do que Battisti foi condenado: trata-se, essencialmente, do testemunho de um arrependido, quer dizer, de um verdadeiro criminoso que trocou, à época, sua própria condenação pela denúncia premiada de alguns de seus camaradas.
Battisti havia fugido para o México e, depois, para a França quando o arrependido Pietro Mutti imputou-lhe a totalidades dos crimes da organização em que militavam. Todos os observadores que tiveram conhecimento do caso não acreditam ser possível nem verossímil que um jovem de 20 anos tenha cometido tais crimes.
A segunda questão diz respeito a um principio da Justiça italiana e ao fato de que, diferentemente do que se passa em vosso país ou no meu, os condenados à revelia não têm, mesmo se forem capturados, se se entregarem ou se forem extraditados, direito a um novo processo no qual possam se defender.
Assim, se Vossa Excelência decidir recusar a Battisti o status de refugiado e deixar, então, que ocorra o procedimento de extradição, ele irá, logo que voltar à Itália, direto para a prisão (perpétua, já que tal é a pena a que foi condenado, sem apelação, no processo à sua revelia) e será o único condenado à prisão perpétua que jamais terá tido a possibilidade de se encontrar com seus juízes para confrontá-los e responder, pessoalmente, cara a cara, a respeito dos crimes que lhe são imputados.
E acrescento, finalmente, esse detalhe sobre o qual o mínimo que se pode dizer é que não é apenas um detalhe: Battisti nega os crimes que lhe são imputados. Numerosos são os seus colegas escritores e numerosos são os juristas que, após o exame do processo, acreditam ser plausível sua inocência. De sorte que corremos o risco de ver terminar seus dias na prisão um homem cujo único crime seria, nesse caso, ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária.
Eu amo o Brasil, sr. presidente. Amo o exemplo que ele dá ao mundo de uma política fiel aos ideais progressistas e, ao mesmo tempo, aos princípios de equilíbrio e sabedoria. Eu ficaria consternado -somos muitos que ficaríamos consternados- de ver "nosso" Lula macular a tradição de acolher os refugiados, que é um dos orgulhos de seu país.
Extraditar Battisti criaria um perigoso precedente. Não extraditá-lo mostraria ao mundo, que tem os olhos voltados para o Brasil e para Vossa Excelência, que existem princípios que nem a razão de Estado nem a lógica dos monstros sem emoção podem suplantar. Eu peço a Vossa Excelência que aceite, senhor presidente, a expressão de minha simpatia, de minha admiração e de minha esperança. Atenciosamente,
BERNARD-HENRI LÉVY, escritor e filósofo francês, é fundador da revista "La Règle du Jeu" e colunista da revista "Le Point" e de diversos jornais em diferentes países.
TENDÊNCIAS/DEBATES
FSP
Eu amo o Brasil, senhor presidente, e ficaria consternado de ver "nosso" Lula macular a tradição de acolher os refugiados
PREZADO presidente Lula, Sei bem que o debate sobre o caso Cesare Battisti, antigo militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, acusado de atos de terrorismo na Itália dos anos 70, tem despertado paixões no seu país.
Também sei que o jogo das instituições brasileiras, o esgotamento dos procedimentos previstos na sua democracia e a decisão apertada a favor da extradição, tomada pelo Supremo Tribunal Federal após longo julgamento, fazem com que agora caiba ao senhor, e ao senhor apenas, o poder de decidir se esse antigo militante, que se tornou um escritor de sucesso, deve ou não ser entregue à Itália.
Senhor presidente, inicialmente gostaria de lhe dizer que ninguém mais do que eu tem horror ao terrorismo. E desejo deixar claro que a luta contra esse terrorismo, a luta contra o direito que alguns se atribuem, nas democracias, de fazerem a lei eles próprios e de recorrerem às armas para fazer com que suas vozes sejam ouvidas é uma das constantes, senão a constante, de toda a minha vida de homem e de intelectual.
No entanto, se me dirijo a Vossa Excelência, é exatamente porque não está provado que Cesare seja esse terrorista que uma parte da imprensa italiana descreve e que, se tivesse cometido tais crimes, não mereceria nenhuma indulgência.
Ele foi condenado como tal, eu bem o sei, por um tribunal legalmente instituído, num país cujo caráter democrático não imagino, em nenhum momento, colocar em dúvida. Mas até as melhores democracias (a França sabe disso, pois, durante a guerra da Argélia, tomou liberdades com a liberdade, e os EUA de Bush, após o 11 de Setembro...) podem incorrer em erros e cometer injustiças.
O processo de Cesare Battisti, esse processo que o reconheceu culpado há 21 anos pelas mortes de Santoro e Campagna, levanta, nessa circunstância, ao menos três questões às quais um homem imbuído de justiça e de direito não pode ficar insensível.
A primeira diz respeito ao testemunho e às provas produzidas pela acusação e a partir do que Battisti foi condenado: trata-se, essencialmente, do testemunho de um arrependido, quer dizer, de um verdadeiro criminoso que trocou, à época, sua própria condenação pela denúncia premiada de alguns de seus camaradas.
Battisti havia fugido para o México e, depois, para a França quando o arrependido Pietro Mutti imputou-lhe a totalidades dos crimes da organização em que militavam. Todos os observadores que tiveram conhecimento do caso não acreditam ser possível nem verossímil que um jovem de 20 anos tenha cometido tais crimes.
A segunda questão diz respeito a um principio da Justiça italiana e ao fato de que, diferentemente do que se passa em vosso país ou no meu, os condenados à revelia não têm, mesmo se forem capturados, se se entregarem ou se forem extraditados, direito a um novo processo no qual possam se defender.
Assim, se Vossa Excelência decidir recusar a Battisti o status de refugiado e deixar, então, que ocorra o procedimento de extradição, ele irá, logo que voltar à Itália, direto para a prisão (perpétua, já que tal é a pena a que foi condenado, sem apelação, no processo à sua revelia) e será o único condenado à prisão perpétua que jamais terá tido a possibilidade de se encontrar com seus juízes para confrontá-los e responder, pessoalmente, cara a cara, a respeito dos crimes que lhe são imputados.
E acrescento, finalmente, esse detalhe sobre o qual o mínimo que se pode dizer é que não é apenas um detalhe: Battisti nega os crimes que lhe são imputados. Numerosos são os seus colegas escritores e numerosos são os juristas que, após o exame do processo, acreditam ser plausível sua inocência. De sorte que corremos o risco de ver terminar seus dias na prisão um homem cujo único crime seria, nesse caso, ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária.
Eu amo o Brasil, sr. presidente. Amo o exemplo que ele dá ao mundo de uma política fiel aos ideais progressistas e, ao mesmo tempo, aos princípios de equilíbrio e sabedoria. Eu ficaria consternado -somos muitos que ficaríamos consternados- de ver "nosso" Lula macular a tradição de acolher os refugiados, que é um dos orgulhos de seu país.
Extraditar Battisti criaria um perigoso precedente. Não extraditá-lo mostraria ao mundo, que tem os olhos voltados para o Brasil e para Vossa Excelência, que existem princípios que nem a razão de Estado nem a lógica dos monstros sem emoção podem suplantar. Eu peço a Vossa Excelência que aceite, senhor presidente, a expressão de minha simpatia, de minha admiração e de minha esperança. Atenciosamente,
BERNARD-HENRI LÉVY, escritor e filósofo francês, é fundador da revista "La Règle du Jeu" e colunista da revista "Le Point" e de diversos jornais em diferentes países.
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FSP
Um comentário:
Concordo com Bernard. Independente de ser culpado ou não, ou existir culpa Parcial, um cidadão deve ter o direito de ficar à frente de um juiz e lhe expor sua defesa. Se isso não for possível, que corra a justiça aqui dentro, aceitando o pedido de "asilo", mantendo-o como refugiado.
Justiça seja feita.
Matheus Bastos Galvão
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