Alberto Perdigão – jornalista, mestre em políticas públicas e sociedade
Volto ao tema da digitalização das cidades brasileiras, uma semana depois do artigo publicado neste mesmo espaço em que propus uma reflexão, baseada na divulgação de um novo índice, uma espécie de IDH-digital, oferecido pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações-CPqD.
A tese apresentada é a de que, por falta de uma política pública de banda larga universal, gratuita, por parte da União e Estados para os municípios, onde mora o cidadão, a implementação desta infraestrutura tem repetido e confirmado o modelo de desigualdade regional e de exclusão social vigente no país. O avanço das cidades mais ricas das regiões Sul e Sudeste, predominantemente, deixa as prefeituras pobres ainda longe da digitalização das gestões e o brasileiro pobre mais longe do acesso à internet.
A abordagem, desta vez, é motivada pelo e-mail que recebi do coordenador de tecnologia da informação de uma grande capital. Mesmo sem discordar da criação do índice, ele questiona os resultados e o ranking. Afirma, por exemplo, em relação à pontuação, que “projetos em implantação receberam nota menor e teve muita maquiagem”, por parte dos concorrentes. Sobre a cidade vencedora, Belo Horizonte, avaliou que “no papel, o projeto da campeã BH é lindo, mas estive lá ontem, é muito diferente da propaganda”.
Não tenho como analisar os méritos de Belo Horizonte no quesito digitalização, mas posso afirmar com certo grau de segurança que, a capital mineira, Curitiba e Porto Alegre, as três primeiras do ranking, dependem menos de uma política federal de digitalização da cidadania para instalar suas infraestruturas e instituir os seus acessos. Pelo menos em relação a capitais de território e população semelhantes, como Fortaleza, Recife e Salvador, que enfrentam dificuldade para oferecer serviços públicos on line.
É seguro também pensar que esta dificuldade se multiplica na proporção inversa da riqueza dos municípios. Neste campeonato injusto, capitais que estão na zona de rebaixamento do isolamento geográfico e da exclusão digital, como Boa Vista e Macapá, certamente terão de esperar as definições do Ministério das Comunicações e ainda torcer para que o Plano Nacional de Banda Larga se apresente como realmente nacional em sua cobertura e que seja uma política efetivamente pública, não para negócios privados.
O professor do programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcos Dantas, afirma que a vacilação do governo em relação ao regime público do PNBL é um problema estrutural de governo. “Minha expectativa é que do jeito que está formulado teremos dois tipos de atendimento a banda larga. Os que podem pagar vão ter acesso as melhores condições. E quem só pode pagar R$ 35,00 vai acessar um sistema de má qualidade. O que é muito típico de nossa sociedade” (em www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=7937).
Dantas lembra que estamos diante da mesma situação excludente que encontramos na educação. “Os pais que podem pagar escola, acreditando que dará melhor formação aos filhos, pagam! Só vai para a pública quem não tem condições e sabemos que a escola pública no Brasil é de péssima qualidade”, afirma (idem). Eu acrescentaria a saúde pública, o transporte público, a moradia construída com dinheiro público etc, que não asseguram a igualdade nem a igualdade de oportunidades, pilares da democracia.
Ora, estão faltando banda larga e telecentros onde não se pode comprar um computador pessoal, onde a conexão à internet é cara e muito ruim. Cidadãos não têm acesso a informações disponíveis na rede, sejam as do jornal do dia ou do curso profissionalizante à distância. Não podem gerar as informações que problematizam os dramas cotidianos, não se conectam em busca de soluções compartilhadas nem replicam tecnologias sociais que podem ser reaplicadas em outros territórios. Enfim, não existem no ciberespaço.
Faltam banda larga e serviços eletrônicos onde não se pode chegar facilmente ao balcão de uma repartição ou onde um servidor não encontra o usuário que demanda os mais diversos serviços públicos. É lá que espoliados de direitos não dialogam com magistrados ou membros do ministério público. Que eleitores não acompanham e não controlam os ocupantes de um poder outorgado, não lhes expressam seus desejos e opiniões, num Estado é solitário e de cidadania muda. São cidadãos que não existem na ciberdemocracia.
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