terça-feira, 26 de maio de 2015

Movimentos sociais foram fundamentais para derrota da direita na Espanha

Rosa Cañadell Pascual também destaca participação das mulheres na campanha eleitoral: além de Barcelona, Madri também poderá eleger uma prefeita
A nova prefeita de Barcelona, eleita neste domingo (24/05), não somente é uma mulher de esquerda, como uma liderança política vinculada aos movimentos sociais. Ada Colau ganhou projeção nacional ao participar das PAH (Plataforma dos Afetados por Hipotecas), organizado por pessoas que são despejadas de suas casas por não pagar hipotecas, e vem de um novo tipo de formação política, como destaca a articulista, ativista, professora e psicóloga Rosa Cañadell Pascual, membro do comitê de apoio ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Barcelona. Para ela, a participação dos movimentos sociais foi “fundamental para a mudança do cenário político destas eleições e para a derrota da direita”.
Em entrevista concedida a Opera Mundi por email, Pascual ressalta que as mulheres tiveram um papel definitivo nas eleições e destaca o fato de que a capital, Madri, também poderá ser governada por uma mulher de esquerda, Manuela Carmena, a depender da coalizão a ser formada na cidade.
Apesar das expectativas em torno do crescimento do partido Podemos no país e das possibilidades de que o movimento possa chegar pelo menos como segundo colocado nas eleições gerais, a professora e ex-porta-voz do sindicato dos professores USTEC, o maior da Catalunha, observa que as lideranças da legenda, na esperança de angariar mais votos, voltaram-se para o centro, dando um passo atrás em suas propostas. Tal processo fez com que os principais nomes como Pablo Iglesias, Íñigo Errejón e Juan Carlos Monedero passassem a “renegar” os laços com a Venezuela e o processo encabeçado no país pelo ex-presidente Hugo Chávez.
Leia abaixo, divida por tópicos, a entrevista com Rosa Cañadell Pascual:
Ada Colau
Existem três aspectos significativos a ressaltar na vitória de Ada Colau.
Primeiro porque é a primeira vez que uma mulher alcança a Prefeitura da cidade de Barcelona, o que, em si, é importante.
Segundo porque esta mulher é de esquerda. Concretamente, tornou-se conhecida por liderar um dos movimentos sociais mais importantes nos últimos tempos: o PAH (Plataforma das Pessoas Afetadas por Hipotecas), um movimento social que organizou as pessoas que são expulsas de suas casas por não poder pagar a hipoteca. Assim, é uma mulher que vem diretamente do ativismo social.
E em terceiro lugar porque a candidatura encabeçada por ela “Barcelona en comú” (Barcelona em comunidade) não é um partido político existente, mas uma candidatura construída a partir de vários partidos (Iniciativa para a Catalunha, Esquerda Unida e Alternativa, Podemos, Ganhemos Barcelona, Procés constituent [Processo Constituinte]) juntamente com lideranças sociais, dos bairros e de distintos setores. É, portanto, uma nova formação política, de confluência com uma participação ativa dos movimentos sociais. O que aqui se chama agora ‘uma nova forma de fazer política’ e que também reivindica a formação do Podemos.
Papel das mulheres
Nas candidaturas que provêm de confluências e que estão vinculadas aos movimentos sociais em geral, a presença de mulheres é maior do que o que ocorre nos partidos tradicionais. Assim, nestas eleições, houve muitas candidaturas femininas.
Em Barcelona ​​e em toda Catalunha, outra força de esquerda, anticapitalista e pró-independência, a CUP (Candidaturas de Unidade Popular) também se alinhou com os movimentos sociais e triplicou o número de representantes que entrarão nos municípios, passando de 101 a 372. Em Barcelona, esta candidatura [da CUP] também foi encabeçada por uma mulher, também nova na política, e que também entrou na prefeitura de Barcelona.
Já em Madri — onde já uma havia uma mulher como prefeita, mas de direita, do PP, [Manuela] Carmena, advogada —, com uma formação nova: ‘Agora Madri’ —aliança com o Podemos e movimentos sociais — embora não tenha ganhado a maioria, tem o apoio do PSOE e pode governar a capital. O que é um grande sucesso, pois é a primeira vez Madrid terá uma mulher de esquerda e da política não profissional.
Movimentos sociais
Os movimentos sociais têm sido fundamentais para a mudança do cenário político destas eleições e para a derrota da direita. O PP sofreu uma grande derrota em toda a Espanha, perdeu 2,5 milhões de votos desde 2011. Apesar de continuar sendo o partido mais votado, perdeu a capacidade de governar na maioria das comunidades autônomas e nas grandes cidades, como Madri e Valência.
O PSOE também caiu cerca de 700 mil votos. E os novos partidos foram decisivos em muitos lugares. Eles podem ser divididos em dois: um novo partido de direita, o Cidadãos, e todas as formações de confluência entre Podemos e os movimentos sociais.
A incógnita agora é saber como vai funcionar a relação entre essas novas formações políticas: Podemos, Ganhemos, etc. e os movimentos sociais. Isto é, se eles vão continuar se apoiando mutuamente ou se o desgaste de governar e ter que fazer concessões irá causar mal-entendidos. Há também o perigo da desmobilização, já que muitos líderes de movimentos sociais estarão nas instituições e isso pode acabar desmembrando os movimentos. Em qualquer caso, é preciso esperar.
Eleições gerais
O Podemos começou com muita força nas eleições europeias e por um bom tempo não parou de subir nas pesquisas. Mas, por um lado, começou a rebaixar suas propostas para tentar conquistar o voto do ‘centro’ e isso lhe tirou apoios. Por outro lado, apareceu um oponente à direita, o Cidadãos, que também se baseia em uma liderança jovem, que se apresenta contra a corrupção e os velhos políticos e que obteve resultados formidáveis.
Na verdade, nestas eleições municipais, o Podemos não se apresentou sozinho, mas em plataformas com outros partidos ou movimentos, portanto, os resultados não são extrapoláveis. De toda forma, tem boas perspectivas, não tanto de obter maioria, mas para ser decisivo nas próximas eleições gerais e buscar tirar o PP do governo espanhol.
Dentro desse cenário há, no entanto, um fato que para mim é muito negativo que é o fracasso da Esquerda Unida, partido que, desde a transição, foi o partido tradicional da esquerda comunista. A Esquerda Unida vem tendo problemas internos, não soube responder à agitação social gerada pela crise, e o Podemos ocupou esse lugar. Nas eleições municipais e autonômicas, quase desapareceu do mapa. Esperamos que ele se recupere.
Syriza
O Syriza e tudo o que está acontecendo na Grécia têm um impacto na Espanha, já que a situação é semelhante, embora menos terrível do que na Grécia. A austeridade, os excessos da crise, o aumento da pobreza, o desemprego galopante, os jovens que têm de emigrar, os despejos, os baixos salários... o pagamento da dívida (impagável!), tudo isto, juntamente com a corrupção dos políticos dos partidos tradicionais, são as causas da mudança nesse cenário político. E o Syriza é um modelo de esperança.
Hugo Chávez e Venezuela
O Podemos rebaixou suas propostas e, cada vez mais, isso está afastando-o da Venezuela e de suas experiências. Na verdade, ultimamente, está ‘renegando’ seus laços com a Venezuela, nesta virada para o centro que impuseram na organização.
Os dirigentes Pablo Iglesias, Errejón e Monedero foram muito atacados por sua ligação com a Venezuela e têm feito de tudo para ‘apagar’ esse passado.
Futuro
Uma parte da cidadania, que está sofrendo os efeitos da crise, vê no Podemosuma salvação, tanto por suas propostas sociais, quanto pelas promessas de atacar a corrupção. Sua relação com o 15M e com movimentos sociais mobilizou uma grande proporção de jovens, que têm uma participação ativa e grande.
Também é evidente que o surgimento do Podemos e das novas formações de confluência, e também do Cidadãos, definitivamente mudou o mapa político da Espanha, o que implica o desaparecimento do bipartidarismo entre o PSOE e o PP, que terão que dividir espaço com essas novas formações políticas.
É, portanto, um momento de ruptura da velha política e estamos esperançosos que essa nova política nos traga uma mudança real social e econômica, com menos corrupção, menos pobreza e mais justiça social. Esperamos que não desapontem. Igualmente, os movimentos sociais continuarão lutando na rua!
Por Vanessa Martina Silva | São Paulo - Opera Mundi.
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