Reportagem do Correio Braziliense joga luzes sobre um dos personagens essenciais do Brasil pré-AI-5 — Geraldo Vandré. O repórter Leandro Colon conta que no dia 14 de dezembro de 1968 seria realizado um show de Vandré no Iate Clube de Brasília. Na véspera, às 11 da noite, o regime anunciou a entrada em vigor do AI-5, a ditadura dentro da ditadura. Claro que a apresentação foi cancelada. Vandré nunca mais faria um show no país e sua carreira seria encerrada nos anos seguintes. Leandro Colon reconstitui os últimos momentos da carreira de Vandré, compositor com momentos de gênio, capaz de incorporar a grandeza de Guimarães Rosa em “Disparada” e produzir uma obra de elevadíssimo protesto político, “Para Não Dizer que Não falei das Flores.” O repórter entrevistou integrantes do Quarteto Livre, que acompanhava Vandré pelo país. Informados do que acontecera, os músicos decidiram retornar a São Paulo, de automóvel, um Opala branco. Pelo temor — inteiramente justificado — de ser reconhecido pela polícia e enfrentar dissabores que ninguém poderia evitar nem sabia como poderiam terminar, Vandré assumiu o volante do automóvel e fez o trajeto por estradas secundárias e pequenas cidades. Não descia do carro nem quando parava em posto de gasolina. Um dos músicos diz que ainda em Goiás Vandré chegou a falar em começar uma guerra de guerrilhas. O repórter fez uma entrevista por telefone com Vandré e colheu um depoimento estranho e sofrido, de quem mantém outro tipo de contato com aquilo que eu e você entendemos como realidade. Entre outras coisas, Vandré declara a Leandro Colon que a coisa fundamental de sua vida “é ficar longe da realidade onde você está.” Também diz que não fazia música de protesto, mas “cronica da realidade.” Num esforço para transformar Vandré numa não-pessoa, recurso típico das ditaduras mais cruéis, o regime do AI-5 incluiu seu nome na lista de cidadãos que não poderiam ser mencionados pela imprensa. Suas músicas mais importantes foram proibidas e sua carreira foi inviabilizada. Mas ele permanece na memória do país. É difícil não ficar emocionado quando se lembra que o regime conseguiu tirar Vandré da música e afastá-lo de seu público mas não foi capaz de tirá-lo da História. Ele conseguiu uma vitória definitiva, típica daqueles poetas que têm a capacidade única de interpretar sonhos e momentos de um povo inteiro. “Para não dizer que não falei das flores” atravessou quatro décadas para tornar-se o hino oficial da democracia brasileira. Fala de resistência, de união, de solidariedade. É a música que os brasileiros cantam quando se sentem fortes e felizes. Também é expressão de uma vontade de luta e de vitória. Não lembro de atos públicos nem de passeatas onde seus versos não tenham sido lembrados por uma multidão em busca de energia e comunhão. “Disparada” é uma obra-prima. Este Geraldo Vandré ajudou um país a encontrar-se com sua propria realidade — embora ele próprio estivesse cada vez mais afastado dela. Paulo Moreira Leite.
Clique para assistir: Geraldo Vandré - Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
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