Vale tudo numa crise como a atual; o país precisa de pacotes que ampliem consumo, produção e empregos
O MUNDO mudou nos últimos seis meses. Quedas da inflação agora são olhadas com preocupação, inclusive no Brasil. O IPCA-15 de março, por exemplo, foi de apenas 0,11%, em comparação a 0,63% no mês passado, e isso trouxe temores sobre queda de demanda e mais desaquecimento da economia. Lá fora, a ligeira alta do petróleo, que passou a marca dos US$ 50 o barril, é saudada com alegria, por indicar uma possível reativação do consumo mundial. Inflação, gastos públicos e consumismo, que antes representavam ameaças, são hoje quase virtudes. Na Ásia, governos já fazem lembrar a metáfora de Ben Bernanke, que prometeu jogar dinheiro de helicóptero sobre Wall Street se isso fosse necessário para estimular a economia. Taiwan entrega a cada um dos seus 23 milhões de habitantes quantia equivalente a US$ 106, desde que o dinheiro seja gasto em compras. Assis Moreira, no "Valor", conta que a Tailândia começou a distribuir US$ 60 para quem ganha menos de US$ 500 por mês e US$ 15 mensais para quem tem mais de 60 anos. A Coreia do Sul também estuda a ideia de dar um cupom aos consumidores, e o governo de Hong Kong sofre pressões para copiar a iniciativa dos vizinhos asiáticos. Nesse cenário, não faz sentido censurar o pacote habitacional lançado na semana passada pelo governo brasileiro, que prevê gastos de R$ 34 bilhões para a construção de 1 milhão de casas populares -no caso das pessoas com renda inferior a três salários mínimos mensais, as casas serão praticamente doadas, porque as prestações de R$ 50 só cobrirão 10% do custo da obra. A maior crítica que se pode fazer ao pacote habitacional é que ele veio tarde. Apesar disso, é bem-vindo, pela simples razão de que sempre foi necessário e, na atual crise, tornou-se essencial. Nem é preciso consultar estatísticas para saber da desastrosa situação habitacional brasileira -a proliferação de favelas nas cidades é um retrato vergonhoso dessa realidade, com a qual, tristemente, já estamos acostumados. O déficit habitacional brasileiro atinge quase 8 milhões de residências. Na região Sudeste, a mais rica do país, faltam 3 milhões de moradias. Diante do tamanho do problema, é difícil imaginar por que o poder público se mantém, há décadas, tão omisso nessa matéria. As últimas experiências relevantes de planos habitacionais para a baixa renda datam dos anos 70. Iniciativas posteriores, sempre tímidas, fracassaram. Não há razão, na situação atual, para colocar em primeiro lugar preocupações com possíveis reduções de superávits orçamentários. Vale tudo numa crise da extensão da atual. Além do pacote habitacional, o país precisa de pacote-geladeira, pacote-fogão, pacote-material de construção e muitos outros que, a exemplo do pacote automóvel, prorrogado ontem, ampliem consumo, produção e empregos. Nas estimativas pessimistas, só a construção de 1 milhão de casas pode criar 530 mil empregos e aumentar o PIB em 0,7%. Nas otimistas, haveria geração de 1,5 milhão de postos de trabalho e o PIB cresceria 2%. As ressalvas justificáveis, neste momento, referem-se ao uso político do programa habitacional, porque a distribuição das casas tende a seguir esquemas eleitoreiros. A fiscalização rigorosa de sua aplicação deve ser entregue a entidades independentes, para que possíveis aproveitadores sejam punidos. Mesmo assim, vale a pena correr o risco. Os brasileiros precisam de casas, geladeiras, fogões e empregos. Programas como esses podem prover as duas coisas ao mesmo tempo.
BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). bvictoria@psi.com.br
O MUNDO mudou nos últimos seis meses. Quedas da inflação agora são olhadas com preocupação, inclusive no Brasil. O IPCA-15 de março, por exemplo, foi de apenas 0,11%, em comparação a 0,63% no mês passado, e isso trouxe temores sobre queda de demanda e mais desaquecimento da economia. Lá fora, a ligeira alta do petróleo, que passou a marca dos US$ 50 o barril, é saudada com alegria, por indicar uma possível reativação do consumo mundial. Inflação, gastos públicos e consumismo, que antes representavam ameaças, são hoje quase virtudes. Na Ásia, governos já fazem lembrar a metáfora de Ben Bernanke, que prometeu jogar dinheiro de helicóptero sobre Wall Street se isso fosse necessário para estimular a economia. Taiwan entrega a cada um dos seus 23 milhões de habitantes quantia equivalente a US$ 106, desde que o dinheiro seja gasto em compras. Assis Moreira, no "Valor", conta que a Tailândia começou a distribuir US$ 60 para quem ganha menos de US$ 500 por mês e US$ 15 mensais para quem tem mais de 60 anos. A Coreia do Sul também estuda a ideia de dar um cupom aos consumidores, e o governo de Hong Kong sofre pressões para copiar a iniciativa dos vizinhos asiáticos. Nesse cenário, não faz sentido censurar o pacote habitacional lançado na semana passada pelo governo brasileiro, que prevê gastos de R$ 34 bilhões para a construção de 1 milhão de casas populares -no caso das pessoas com renda inferior a três salários mínimos mensais, as casas serão praticamente doadas, porque as prestações de R$ 50 só cobrirão 10% do custo da obra. A maior crítica que se pode fazer ao pacote habitacional é que ele veio tarde. Apesar disso, é bem-vindo, pela simples razão de que sempre foi necessário e, na atual crise, tornou-se essencial. Nem é preciso consultar estatísticas para saber da desastrosa situação habitacional brasileira -a proliferação de favelas nas cidades é um retrato vergonhoso dessa realidade, com a qual, tristemente, já estamos acostumados. O déficit habitacional brasileiro atinge quase 8 milhões de residências. Na região Sudeste, a mais rica do país, faltam 3 milhões de moradias. Diante do tamanho do problema, é difícil imaginar por que o poder público se mantém, há décadas, tão omisso nessa matéria. As últimas experiências relevantes de planos habitacionais para a baixa renda datam dos anos 70. Iniciativas posteriores, sempre tímidas, fracassaram. Não há razão, na situação atual, para colocar em primeiro lugar preocupações com possíveis reduções de superávits orçamentários. Vale tudo numa crise da extensão da atual. Além do pacote habitacional, o país precisa de pacote-geladeira, pacote-fogão, pacote-material de construção e muitos outros que, a exemplo do pacote automóvel, prorrogado ontem, ampliem consumo, produção e empregos. Nas estimativas pessimistas, só a construção de 1 milhão de casas pode criar 530 mil empregos e aumentar o PIB em 0,7%. Nas otimistas, haveria geração de 1,5 milhão de postos de trabalho e o PIB cresceria 2%. As ressalvas justificáveis, neste momento, referem-se ao uso político do programa habitacional, porque a distribuição das casas tende a seguir esquemas eleitoreiros. A fiscalização rigorosa de sua aplicação deve ser entregue a entidades independentes, para que possíveis aproveitadores sejam punidos. Mesmo assim, vale a pena correr o risco. Os brasileiros precisam de casas, geladeiras, fogões e empregos. Programas como esses podem prover as duas coisas ao mesmo tempo.
BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). bvictoria@psi.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário