“Grupo de Dilma planejou o sequestro de Delfim Netto”, é o título. Ou seja, ela era criminosa, certo? Não importa dizer em seguida que a atual ministra-chefe da Casa Civil diz não saber na época desses planos. O texto todo se contrói de forma a transformar Dilma Rousseff em uma verdadeira criminosa, mentirosa, agressiva, ambiciosa. O início da matéria é muito significativo. O primeiro parágrafo trata Dilma por Luiza, para depois explicar que esse era um codinome da guerrilheira. Mostra Luiza como uma ex-estudante que prefere montar um fuzil a estudar, que abandonara a faculdade e se dedica a uma luta sangrenta, e dá a entender - não afirma explicitamente, até porque nem poderia, mas deixa claro - que a menina de 22 anos sabia dos planos de sequestro. Sequestro, aliás, “de Delfim Netto, símbolo do milagre econômico e civil mais poderoso do governo federal”. Não bastasse criticar Dilma tão enfaticamente, a Folha louva Delfim Netto e a ditadura militar, como já vem se tornando hábito do jornal, vide o episódio “Ditabranda”.
O segundo parágrafo explica que Luiza na verdade é Dilma. E lista uma série de nomes usados pela ex-guerrilheira, em uma construção textual que induz o leitor a enxergar a personagem como uma mentirosa, aquela que usa diversos nomes para esconder seu rosto. Mais adiante, cita um aliado de Dilma à época, que afirma que a ministra sabia do sequestro e, mais uma vez, a construção textual leva a crer que a contestação de Dilma à informação é mentirosa. A repercussão da matéria é ainda mais espantosa. A fonte de Fernanda Odilla, Antonio Roberto Espinosa, aliado de Dilma, afirma que foi entrevistado apenas por telefone e que as afirmações presentes na matéria decorrem de distorções dessa entrevista. Solicitou a publicação de uma carta no jornal - o que ainda não foi feito - esclarecendo o caso e desfazendo a mentira da Folha de S.Paulo. Um trecho de sua carta diz: “Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra)”. Em seguida, esclareceu cada ponto da matéria mentirosa. Vale a pena a leitura, não discorro sobre todos os itens por falta de espaço. Está AQUI.
No intertítulo da matéria fraudulenta, mais insinuações negativas a respeito da possível sucessora de Lula. A repórter Fernanda Odilla - se é que se pode chamar de repórter quem escreve um texto desses, absolutamente mentiroso - relata o esbanjamento de Dilma ao cortar o cabelo em um salão chique - “que servia champanhe aos clientes” - com o dinheiro do “assalto ao cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros”. Olha como eles são ladrões e hipócritas, faltava ela dizer. Os planos do sequestro em si ficaram para o fim do texto. Claro, o suposto fato desenterrado agora é só um pretexto para desconstruir a imagem de Dilma. Começou - há algum tempo já, mas agora de forma mais agressiva - a campanha da Folha pela candidatura de Serra, para levar o PSDB ao Planalto em 2010. A mesma Fernanda Odilla entrevista Dilma Rousseff na página seguinte. Ela não consegue, mas tenta o tempo inteiro desmoralizar a ministra, levá-la a admitir que a guerrilha era uma opção baixa, a assumir como um crime a sua luta contra a ditadura. Fica claro, por exemplo, na pergunta “A sra. faz algum mea-culpa pela opção pela guerrilha?”, como se Dilma devesse se envergonhar de sua resistência ao regime ditatorial. Mas Fernanda leva um cascudo da ministra por causa da atitude de seu jornal, essa posição antidemocrática e bastante direitista de dias atrás: “Por isso, minha filha, esse seu jornal não pode chamar a ditadura de ditabranda, viu? Não pode, não”. E ainda assim, a repórter continua usando de meios mesquinhos para levar Dilma a alguma contradição, citando ex-namorados, tentando fazer a ministra entregar alguém, confessar alguma atitude baixa.
Por tudo isso, peço desculpa por um post tão grande. Mas havia coisas que eu não podia simplesmente deixar passar. É preciso mostrar onde está o mau jornalismo. E mau jornalismo é fazer campanha muito antes dela ser deflagrada, e se dizendo imparcial, dizendo não ter lado. Usar as palavras de forma a induzir ao que não está dito, ao que não é verdadeiro, é péssimo jornalismo. Colocar na manchete uma afirmação não-comprovada, sem dizer que é só uma citação, é jornalismo dos mais medíocres. Distorcer uma entrevista para conseguir um fato possivelmente inexistente é um péssimo exemplo de jornalismo. E tudo isso em um jornal que se diz “a serviço do Brasil”. Quero deixar claro aqui que a Folha está nitidamente em campanha pelo PSDB, pela candidatura de José Serra em 2010. E essa matéria é um exemplo explícito, gritante. Espinosa, a tal fonte de Fernanda Odilla, resume na carta já citada o que a repórter fez: “praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos”. Mais uma vez, sinto vergonha pelo que chamam de jornalismo no Brasil. * Registro que o Jornalismo B lamenta a morte do jornalista e um dos líderes da resistência à ditadura militar Márcio Moreira Alves.
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