sábado, 9 de maio de 2009

Entrevista // Dilma Rousseff

Diário de Pernambuco:
"De mãe se espera firmeza e ternura" - Jovem e idealista, ela venceu a tortura. Madura, combate um câncer. Entre um extremo e outro, Dilma Rousseff carrega um arrependimento: queria ter tido mais filhos. "Uns dois", diz a dama de ferro, mostrando-se uma mulher afável, bem-humorada, em nada parecida com a imagem de executiva implacável. A chefe da poderosa Casa Civil da Presidência da República é a terna mãe de Paula, uma advogada recém-casada de 32 anos. Mas como sempre faz desde que os carcereiros golpearam-lhe o corpo e o espírito, ela trata de resolver os problemas mais urgentes com que a vida a desafia. Assim, Dilma se vê obrigada a, ao mesmo tempo, coordenar o governo, percorrer o país preparando-se para concorrer à Presidência da República e combater uma doença fatal, descoberta por acaso. "Acho que o Brasil já está pronto para eleger uma mulher", anima-se, mostrando a mesma voz firme e confiante com que avisa a quem lhe pergunta: "Eutenho certeza que vou (vencer)".
A senhora sente falta de trabalhar no fim de semana? Não, também não sou masoquista. O dia que puder descansar no fim de semana eu gosto muito.
Mas pensa em política no fim de semana? Penso. Sabe o que é, não penso uma coisa só. Eu passo o dia inteiro tratando de problema. Ou é problema ou é uma coisa que está em construção. Você fica com isso na cabeça. Às vezes, você fica pensando, está distraída e até descobre soluções. O Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, eu pensei muito nele nos últimos dois meses e meio.
O programa está bem azeitado para deslanchar? Ele vai deslanchar. Ele está além das expectativas. Porque ele é sustentável. Para dar certo, a gente tinha de resolver um problema: a renda da população que mais precisa de casa não dá para pagar o custo de uma casa. Portanto, alguém paga. Quem paga somos nós, o governo. Se a renda não dá para pagar e nós vamos pagar, não pode ter entrada. Se eu botar entrada, vou onerar ainda mais. Depois, mesmo aqueles que ganham três, quatro, cinco, seis (salários mínimos), não têm como dar entrada. E se você exigir que ele pague, além da primeira prestação, o aluguel, ele também não consegue. Então, só pode pagar quando entrar na casa. A gente não tirou isso da cabeça da gente. A gente tirou isso de discussão com empresários. E discussão com o pessoal das centrais, dos movimentos sociais, governadores, prefeitos. Aí, você vai descobrindo os caminhos.

A senhora fica incomodada com o fato de a oposição tachar o programa de eleitoreiro? Incomodada eu não fico. Fico é achando muito sem explicação. Acho que tem um lado nisso tudo que é o fato de a oposição não ter projeto alternativo. Acho até que é uma tentativa de carimbar, de inviabilizar que aquilo dê certo. Agora, é inócuo. Nós já temos experiência nisso. Vivemos isso no Bolsa Família, no Territórios da Cidadania, no PAC, na Educação.
O mesmo raciocínio vale para a discussão sobre a mudança na rentabilidade da poupança? Já estão fazendo isso de novo. Vamos contornando, superando, e não vamos esmorecer por causa disso. Achamos que é da regra do jogo que a oposição faça críticas. Não achamos que é da regra do jogo que a crítica dela seja genérica e não sustentável. Agora, isso não é problema nosso, é deles. Eles que expliquem para a população porque são contra.
Esta imagem de que a senhora é uma pessoa durona, que dá bronca nos ministros, no presidente, corresponde aos fatos? No presidente, não (risos). Eu faço o seguinte: eu não exijo de ninguém o que eu não dou. Eu acho que tenho de cumprir, como qualquer pessoa, certas coisas, tenho de responder por elas. Numa equipe, cada um tem de fazer o seu papel. Se me cabe fazer a coordenação, eu cobro prazo, realização e também presto contas. Se o prazo é meu e não cumpri, também tenho de dar satisfação. Acho que sem isso é muito difícil administrar. Isso é princípio elementar de trabalho em grupo. Mas eu gosto muito dos ministros que trabalham comigo diariamente, que são os ministros do PAC. Considero que sou amiga de todos. De alguns, extremamente amiga,(amizade) construída nesse processo.
Com o decorrer do governo, a senhora ficou mais flexível ou se manteve rigorosa? É óbvio que, quando você está no início de um projeto, o nível de exigência é muito maior. Quando está do meio para o fim, a flexibilidade é muito maior. Algumas coisas já foram conquistadas, todo mundo sabe quem é quem, as pessoas já mostraram que são uma equipe e têm um entrosamento muito maior. Do início do PAC para hoje, mudamos todos nós. Vou lhe dizer: 1.000%. Nós todos aprendemos. Então, a gente ri muito também, porque se você não tiver um certo senso de humor fica muito difícil o dia a dia.

Dizem que o Paulo Bernardo é ótimo nessas horas? Ah, o Paulo Bernardo é uma obra-prima. Mas não é só ele. O Alfredo (Nascimento) e o Geddel (Vieira Lima) são muito engraçados. Cada um tem a sua característica.
A senhora se sente mesmo a "mãe do PAC"? O presidente Lula tem uma imensa capacidade de traduzir em explicações simples certas realidades. Como é que você explica o que é uma coordenadora? É muito mais econômico, sintético, rápido, dizer ela é a mãe do PAC. E de uma mãe ele espera firmeza e ternura, porque é isso que mãe dá. Temos o seguinte hábito: a gente dentro do PAC cobra muito, mas quando um tem uma dificuldade corre todo mundo para ajudar. Nós somos assim um despachante de luxo.
O PAC está engatinhando? É engraçado porque eles se irritam muito com o PAC. Quando falam que o PAC não está andando, é o seguinte: as empresas privadas, os estados, os municípios e a União não estão investindo no prazo adequado. Você veja que é um esforço enorme de investimento. O Brasil parou de investir. Nas outras crises, o Fundo Monetário Internacional (FMI) simplesmente mandava suspender a obra e ponto. Por isso que tinha tanta obra paralisada. Agora, diante da crise, nós aceleramos o PAC. Tem problemas? É óbvio que tem. Nós passamos quase 25 anos sem investir. Diziam: "não vão fazer (as hidroelétricas) Jirau e Santo Antônio, nunca vão tirar a licença ambiental". Tiramos. Diziam que as concessões rodoviárias eram um chavismo. Não sei se vocês lembram da época em que fomos acusados de chavistas porque queríamos que as tarifas dos pedágios fossem adequadas à nova realidade do país, que é risco-Brasil menor, estabilidade macroeconômica maior. As concessões saíram.

O Brasil está preparado para eleger uma mãe, uma mulher, presidente da República? O Brasil está preparado para eleger uma mulher, para eleger negro, para eleger, como já elegeu, um metalúrgico. Nós somos um dos países que têm hoje maior tolerância. Não que não haja um longo caminho a ser trilhado no que se refere a direitos iguais das mulheres, dos negros, do tratamento dos índios. A América Latina está demonstrando isso. O Chile, a Argentina, você está vendo isso com o Evo Morales (Bolívia). A eleição do Barack Obama traz um sinal também muito forte nesse sentido.
A senhora já sentiu em algum momento da sua trajetória algum tipo de preconceito? Eu acho que tem sim, mas o preconceito no Brasil é uma coisa engraçada. Por exemplo, você estava falando dessa mulher dura, mandona. Você já viu algum homem ser chamado de mandão e durão. Eu fico sempre intrigada porque que os homens são sempre meigos, bonzinhos. Outro dia, o Paulo Bernardo ria muito porque ele falou que é o meigo-mor. Estou cercada de homens meigos. Eu sempre falo isso. Outra coisa que achei interessante foi a investigação da minha vida amorosa. Cheguei à conclusão de que sou a única pessoa que tem vida amorosa no país.
E como é administrar isso? Eu não administrei, porque eu não tinha. E se tivesse iria tomar todas as providências porque uma vida amorosa é uma vida privada, não é uma vida pública. Não tem justificativa para que certas coisas sejam transformadas em públicas. Aí, é espetacularização. Outra dia, eu disse que eu não ia admitir transformar em espetáculo o meu tratamento. Porque uma coisa é eu comunicar a minha doença, outra coisa é o fato de que alguém queira compartilhar uma luta que é só minha. Infelizmente, gostaria que eu pudesse compartilhar com todo mundo, me ajudando, mas não vai ser assim. Essa é uma luta absolutamente privada.

A senhora acha que a classe política contribuiu para a espetaculização ao especular sobre os impactos da doença? Quais especulações? Eu não acho que foram os políticos. Espetacularização de mídia que eu falei. Eu não vi ninguém de oposição fazendo isso. Nem de situação.
Qual a reação das pessoas ao anúncio da doença? De muita solidariedade. A solidariedade é uma das coisas mais bonitas do país. E as pessoas do povo são extremamente delicadas de sentimento. Elas te dão medalha, um porção de medalhinhas de Nossa Senhora, e falam que vão rezar por ti. Elas se aproximam e falam o seguinte: "olha, eu tenho um amigo que teve a doença, superou e está muito bem, muito bem". Outra diz o seguinte: "olha, eu tive e estou aqui, faz mais de três anos, quatro anos, cinco anos". Aí, vão lhe contando. Ou é a medalhinha para lhe dar força, para torcer por ti, ou é dar exemplo para dizer que tudo vai dar certo. Para mim, foi surpreendente essa reação. Mandam receita, mandam livro, mandam medalinha, estatuazinha, de Nossa Senhora.
Como a senhora reagiu ao receber a confirmação do câncer? O presidente me deu muito conforto. A relação é uma relação de proteção e tal. Ao contar para a minha mãe e a minha filha é que foi difícil. Estava lendo um livro outro dia e ele dizia isso mesmo: a pior coisa é você contar para os seus, chegar para sua filha, sua mãe, sentar e contar.
E a reação delas? É uma reação de sofrimento, mas muito contida. Elas acham que, se elas sofrerem muito, vão me afetar. É essa relação complexa, a gente protege e ao mesmo tempo é protegido.

A senhora vai vencer esse inimigo? Olha, eu tenho absoluta certeza que vou. Sabe aquela convicção? Essa (vitória) é minha.
A senhora acha que terá condições de seguir a agenda normalmente? O meu projeto é não parar de trabalhar. Obviamente, em alguns momentos vai dar uma reduzida.
Nos momentos da quimioterapia? Da quimio, mas mesmo assim é possível você fazer isso articulando o fim de semana. Não énecessário parar de trabalhar.
Essa força a senhora busca onde? As medalhinhas ajudam ou é uma coisa interior mesmo? Ajudam. Eu sou brasileira, ajuda sim. As medalhinhas, tudo ajuda. As rezas, torcer, as histórias ajudam, a solidariedade ajuda.
E o PT, como reagiu? Muito bem, muito solidário, muito amigo, as pessoas ligando preocupadas com a saúde. Acho que o Brasil mostrou um outro patamar nesse caso. Não vejo crítica nenhuma, tive o cuidado de falar da espetacularização da doença porque não pretendo fazer. Acho que isso é uma coisa solitária minha. Essa luta não tem com quem compartilhar, eu tenho que ter tranquilidade.
O PT soltou uma nota amanhã (ocorreu neste sábado) reafirmandoa candidatura da senhora à Presidência. Você conhece a história do nem amarrado (comento essa possibilidade? Você já ouviu falar em nem amarrada?
A tortura foi o pior momento da sua vida? Não tem nada igual à tortura, é a barbárie. Tudo é possível. Por isso, é a coisa mais difícil de enfrentar. O negócio da tortura é tirar a dignidade. Não tem nada mais grave do que desonrar a pessoa e deixar ela viva.
Do que a senhora se arrepende de não ter feito? Ter mais filhos. Mais uns dois.

Um comentário:

Unknown disse...

E a companheira continua na luta...
Dilma,tudo de bom pra você!