O Brasil completou agora em 30 de abril um ano como país classificado na categoria de grau de investimento pela agência Standard & Poor's (S&P), o que significa que comprar papéis da dívida nacional deixou de ser considerado uma atividade meramente especulativa e passou a ser entendido como um investimento. No começo do mês, esse status foi mantido pela agência avaliadora.Segundo Sebastián Briozzo, diretor da S&P na área de Rating Soberano, e responsável pela avaliação do Brasil, a adoção de "políticas mais prudentes" ajuda o país a "atravessar a crise de maneira bastante boa".Embora, depois da crise global, agências de avaliação de risco sejam vistas com ceticismo por não terem previsto a quebradeira geral, o certificado ainda pode ter valor. A S&P admite problemas na avaliação do "subprime" (crédito duvidoso nos EUA, que detonou a crise), mas diz que as notas de risco em geral são boas e úteis.Leia abaixo trechos de entrevista com Sebastián Briozzo.
Briozzo durante evento na S&P: investidores estão olhando mais para o Brasil
UOL - A S&P reafirmou neste ano o grau de investimento do Brasil. A credibilidade dos papéis nacionais não foi afetada pela crise?
Sebastián Briozzo - Nossa avaliação sobre a qualidade creditícia do Brasil se manteve no mesmo nível. Nesse contexto internacional de crise de grandes dimensões, é uma notícia bastante boa para o Brasil. Só para comparar, de setembro de 2008 até agora, tivemos queda no rating de 20 países, e outros países tiveram mudança de perspectiva para "negativa".
UOL - Se a nota não mudou, é porque o Brasil não foi afetado ou porque medidas do governo teriam contrabalançado o peso da crise?
Briozzo - É difícil falar, nesse mundo em que a gente vive hoje, que algum país não tenha sido afetado. O Brasil também foi afetado. Mas o Brasil se desenvolveu e tem maiores ferramentas hoje para lidar com uma crise internacional. Nós pensamos, também, que o compromisso com políticas pragmáticas no âmbito macroeconômico continua. É por isso que o Brasil subiu para grau de investimento no ano passado e continua sendo agora. A combinação das ferramentas macroeconômicas com o fato de que o Brasil tem se envolvido com políticas mais prudentes vai ajudar o país a atravessar a crise de maneira bastante boa.
UOL - O governo reduziu a meta de superávit primário. Isso afeta a credibilidade dos papéis nacionais?
Briozzo - Nós trabalhamos com um cenário de que o superávit primário pode ser ainda um pouco menor do que o governo pensa para este ano. O governo ainda tem espaço de manobra. O importante, para nós, é a perspectiva para a política fiscal num período mais longo. Ao mesmo tempo em que o governo reduziu a meta para 2009, subiu a de 2010 e 2011. Este é um ano muito difícil, a atividade econômica está caindo no mundo todo. Se for só no curto prazo esse menor superávit primário, não será um problema.
UOL - Os mais pessimistas esperam para o PIB do Brasil um recuo maior que 4%. Se isso ocorrer mesmo, o país pode perder o grau de investimento?
Briozzo - É difícil falar sobre situações hipotéticas. Nós estimamos uma queda de 1% no PIB. Se o choque externo for mais forte, o importante vai ser como o governo reagirá.
Um fator fundamental para a nossa análise é o compromisso que o governo tem mostrado ao longo de muitos anos, não só esse governo, como o anterior, no âmbito macroeconômico fiscal e monetário.
Um fator fundamental para a nossa análise é o compromisso que o governo tem mostrado ao longo de muitos anos, não só esse governo, como o anterior, no âmbito macroeconômico fiscal e monetário.
UOL - O que falta para o Brasil subir mais um degrau?
Briozzo - Não tem um fator só. Olhando outros países que têm o mesmo "rating", uma melhora na área fiscal seria claramente um fator que beneficiaria o "rating" do Brasil. Também seria o caso se viessem mudanças estruturais que permitissem ao Brasil crescer mais fortemente. Mas, nesse contexto internacional tão desfavorável, manter esse compromisso de políticas prudentes no âmbito macroeconômico é a condição inicial para manter o "rating".
UOL - Qual foi o impacto que a elevação do Brasil a grau de investimento teve sobre a economia do país?
Briozzo - Eu acho que o grau de investimento é uma confirmação de que o Brasil está andando no caminho correto. Em termos práticos, o grau de investimento permite uma ampliação bem significativa da população de investidores que o Brasil pode ter, e a gente tem evidências de que isso aconteceu no último ano. Nós conversamos com muitos investidores. Há investidores no mundo que não estavam no Brasil e agora estão comprando dívida do governo brasileiro.
UOL - As agências de risco deram notas altas a empresas que depois precisaram de socorro público para não quebrar. Que argumento que o sr. dá para as pessoas continuarem confiando nas agências?
Briozzo - Primeiro, a maior parte do "rating" continua sendo um bom fator explicador de risco de crédito. No meu âmbito de trabalho, que é o "rating" soberano, isso é bem claro. Na mudança de expectativas que tivemos com essa crise, em 2008, tivemos mudanças em quase 20 países, mas apenas um desceu mais de três degraus. A maioria das mudanças foi de um ou dois. Isso explica por que os "ratings" continuam sendo demandados e têm um papel muito importante no mercado internacional.O que acontece é que, quando tem uma crise internacional tão forte, o comportamento das pessoas muda. Nos EUA, o comportamento mudou com essa crise, e com isso ficou muito mais difícil explicar os fenômenos.
UOL - Se houvesse uma fiscalização global das agências de risco, a crise nos EUA poderia ter sido evitada?
Briozzo - A S&P tem um enorme número de classificações de risco, e a maioria tem funcionado bem. Em alguns setores poderia ter sido melhor, como é o caso do "subprime", nos Estados Unidos. Mas numa crise dessas dimensões, ninguém conseguiu enxergar bem. Seria mais preocupante se as agências estivessem dizendo uma coisa e todo mundo estivesse dizendo outra. Nós já trabalhamos com regulação forte em alguns mercados. Nos Estados Unidos há pouca regulação, mas em outros países há mais. A S&P não tem problema em trabalhar em mercados regulados.
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