A ministra entra fragilizada no centro do circo por conta da inevitável cobertura midiática do novo capítulo da história de sua pré-candidatura à Presidência da República em 2010. Queira ou não, Dilma Rousseff acenderá a pira política, seja porque a doença de uma figura exponencial e, ainda por cima, escolhida pelo presidente Lula para lhe suceder assume alta significação social, seja porque o tabuleiro partidário passará a movimentar suas peças de acordo com a evolução do quadro da ministra. De início, uma constatação: política é teatro, mas também guerra. Diversão para uns, destruição para outros. Enquanto guerra, objetiva a destruição do inimigo e a conquista do poder; enquanto drama ou tragédia, procura envolver os espectadores na trama, mexer com seus instintos, aguçar curiosidade, desferir golpes psíquicos capazes de identificá-los com os atores. É duro constatar: os partidos acenderam seus pavios ante a situação vivida pela ministra; caso a situação seja debelada, como apontam os prognósticos para essa enfermidade, Dilma será homenageada festivamente por corações plenos de solidariedade.
Vale lembrar que o território privado de um perfil político proeminente precisa ser compartilhado pela esfera pública, pois suas atitudes e palavras geram efeitos sobre a vida institucional. Esse é o preço pago por militantes do universo político. Nesse sentido, a mãe do PAC foi exemplar no dever de dar divulgação ao mal que a aflige. Há, no entanto, limites que devem ser observados, com ênfase para as abordagens midiáticas que podem causar insuperáveis danos à integridade física e psicológica dos atores. A imprensa não pode e não deve exagerar na cobertura. Dito isto, resta aduzir: contendores da arena política se sujeitam às regras do jogo. Boletins de saúde, por exemplo, passam a ser extensões da rotina de quem está às voltas com tratamento médico.
O tiro poderá sair pela culatra para manipuladores que usam a saúde como arma de marketing. Sobre isso, as visões diferem. A primeira envolve a tese da dessacralização do poder. Apoia-se na hipótese de que as pessoas comuns tendem ao igualitarismo, identificando-se com personalidades que mostram sua "dimensão humana". Enxergam no herói inexpugnável, insubstituível, uma condição comum, que lhes é peculiar. Projetando nele sua situação, identificam-se com a identidade fragilizada. Estabelece-se, assim, um processo catártico, que poderá disparar um conjunto de atitudes, com destaque para a caridade, a comoção, a solidariedade, o apoio. José Alencar, o vice-presidente da República, é ícone nesse campo. Atenção, porém, para este aspecto: solidariedade não implica necessariamente transferência de voto. A exploração da doença não resulta em fortaleza eleitoral de candidatos.
Nesse caso, o psiquismo social desenvolve outra equação, com foco em resultados. Os eleitores tendem a escolher candidatos que lhes acenem com melhoria de vida. O olhar para o futuro divisa melhor emprego, salário, alimento, saúde, moradia, etc. O bom candidato é aquele que desperta sonhos, alimenta esperanças. A elaboração cognitiva percorre um caminho ascendente. Já um candidato de saúde frágil dispara um sinal de alerta: poderá esmorecer antes de cumprir a missão. Atenção: essas visões não podem ser entendidas como dogma. Dependem de climas e circunstâncias. Ganham impactos maiores ou menores nos diversos segmentos sociais. Em suma, é cedo para apostar na fragilidade ou no fortalecimento da pré-candidatura da ministra, que apenas inicia rigoroso processo quimioterápico. Até o momento, o único registro de nota é a mutação suave de sua identidade: a mulher de ferro, autoritária, sucedânea do homem de pulso, dá lugar a um perfil humanizado. A afirmação agressiva do eu diminui ante a expressão coletiva do nós. Sai do casulo e passa a perambular no meio das multidões. Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br - Site: www.gtmarketing.com.br
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