segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Dilma é o alvo principal na crise

Leitor me encaminha bom artigo de Wladimir Pomar, recém-publicado no Correio da Cidadania. Trata-se de um saite de esquerda não-“lulista”, mas tampouco fechado nalguma concepção exclusivista ou fanática. O artigo é realmente interessante. Comete erros factuais (veja abaixo) e num certo momento parece que vacila, ao sugerir que seja possível uma “ampla investigação” dos malfeitos no Congresso. Nem pensar. Isso só ocorreria — talvez — se a grande imprensa se dispusesse a exigi-lo com sinceridade, em vez de metralhar exclusiva e exaustivamente o senador presidente. Mas o importante é que Pomar, crítico à esquerda do governo Lula, repito, vai direto ao ponto. Sarney, o estrategista frio e dissimulado, calculou mal quando pensou que a burguesia admitiria a candidatura Dilma Roussef com a mesma facilidade com que havia engolido a vitória de Lula em 2002.
Naquele ano, a ideia corrente era que Lula e o PT meteriam os pés pelas mãos, perderiam o controle da inflação e acabariam como o primeiro governo Alan Garcia no Peru — impopulares e desmoralizados. Como nada disso aconteceu, Lula pôde saltar o “escândalo do mensalão” e reeleger-se em 2006. Seus atuais picos de popularidade tornam bastante provável que o PT alcance um terceiro mandato, agora com uma ex-guerrilheira que, no mínimo, tende a ser mais “esquerdista” que o atual presidente. Daí a crise.
Leia o artigo de Pomar:
Quem quer liquidar Sarney?
“Sarney é um dos remanescentes das antigas oligarquias que participaram, por longo tempo, do comando do Estado brasileiro. Como todos os demais, ele migrou da classe dos latifundiários para a burguesia. Apoiou o golpe militar de 1964 e foi figura de proa na Arena. No final desta, foi para a Frente Liberal. Mas apercebeu-se, antes dos outros de seu partido, que o regime militar estava no fim e que, para salvar sua classe, era preciso trocar de lado e realizar uma transição negociada. Foi essa visão que lhe valeu a candidatura a vice-presidente, na eleição indireta de Tancredo, e a presidência, ante a morte prematura do cabeça da chapa. Seu governo foi medíocre, embora tenha contribuído positivamente para a concretização das primeiras eleições presidenciais diretas, após mais de 25 anos, fundamentais para a consolidação do processo democrático no Brasil. O que não foi pouco.
Bem vistas as coisas, Sarney foi, antes de tudo, um fiel servidor de sua classe social. Algumas vezes esteve na frente dela, ao captar as tendências sociais e políticas. O que o levou a adotar posturas para salvá-la de seus próprios desacertos. Em certo sentido, ele parece acompanhar os passos sagazes de Vargas que, em seu tempo, salvou tanto os latifundiários quanto a burguesia com seu faro agudo para as mudanças em gestação na base da sociedade. Provavelmente, foi essa intuição que levou Sarney, em 2002, bem à frente de seus partidários, a vislumbrar que era o momento de permitir que representantes dos trabalhadores experimentassem o mel e o fel de ser governo, sem ter o poder. O que lhes garantiu canais de negociação e influência no governo Lula, e benefícios evidentes para sua classe, como um todo.
Diante desse histórico, o que se pergunta é: por que uma parte da burguesia decidiu liquidar, com desonra, um de seus mais sagazes representantes políticos? Seus pecadilhos, assim como vários dos seus grandes pecados, não são em nada diferentes dos que a maioria dos senadores e deputados deve confessar a seus pastores. E não se diferem em nada da prática diária da burguesia, ao realizar seus negócios. Então, por que a fúria para derrubar o senador? A resposta a essas questões pode estar no fato do senador Sarney haver demonstrado propensão a considerar que o governo, com participação de representantes dos trabalhadores, deva ter continuidade, em 2010. Isto pode resultar na negativa de utilizar a presidência do Senado como instrumento para paralisar o governo atual. Se isso for verdade, a suposta falta de decoro parlamentar do senador não passa de cortina de fumaça. Ela esconde apenas a tentativa de derrubar o senador para, através da presidência do Senado, virar o jogo de 2010 no tapetão, impedindo o governo Lula de realizar seus principais projetos.
Porém, a resposta pode mesmo estar relacionada com deslizes na emissão de decretos secretos, ou na omissão diante deles, assim como com atos de favorecimento para empregos no Senado e na Câmara dos Deputados. Se esta for a verdade, os senadores deveriam acabar com a hipocrisia e realizar uma investigação séria, colocando-se todos sob suspeição. Com uma investigação desse tipo, separando-se os que realmente não participaram de qualquer daqueles atos dos que os praticaram, é provável que o senador Sarney não saia ileso. Mas, certamente, levaria muita gente consigo. Seria o justo. O resto não passa de engodo de falsa moralidade e objetivos escusos.” [http://www.correiocidadania.com.br/]

Detalhes
WR — Permito-me corrigir detalhes:
1 — Sarney não passou da Arena para a Frente Liberal. Passou da Arena para o PDS, partido organizado pela ditadura militar declinante (governo João Figueiredo, 1978-84), ao restabelecer o pluripartidarismo. O Partido da Frente Liberal (PFL) foi fundado em 1984 pelos dissidentes antimalufistas do PDS, à frente Sarney e o vice-presidente Aureliano Chaves. Por questões legais, entretanto, Sarney apenas assinou a ata de fundação do PFL. Logo precisou ingressar no PMDB, para poder ser o vice de Tancredo Neves na última eleição presidencial decidida no chamado Colégio Eleitoral.
2 — Sarney nunca foi “latifundiário”. Os avós eram pobres, e o pai, desembargador Sarney Costa, que fez carreira na politicagem, tampouco era rico ou dono de terras. Na verdade Sarney tem origem na pequena burguesia dos funcionários do Estado — ele próprio aposentou-se como diretor-geral do TJ-MA. Seu casamento com Marly Sarney, filha de Carlos Macieira, médico famoso — num tempo em que os médicos em geral tinham mais influência que advogados e juízes e estes últimos não ganhavam como hoje — representou uma espécie de ascensão social. Nos anos 70, Sarney tentou fazer-se fazendeiro, adquirindo uma gleba suspeita no município de Santa Luzia (MA). Contestado na Justiça e nos debates políticos, acabou forçado a revender o que lhe sobrou da chamada fazenda Maguary, após ceder uma parte da terra aos posseiros que lhe disputavam o domínio.

Um comentário:

Soldadonofront disse...

discordo da parte que diz que: com facilidade que havia engolido a vitória de Lula em 2002. É uma luta que se trava até hoje.