Luis Filipe Malhão e Souza diz que não sabia que os recursos do suposto esquema de pagamento de propina eram da multinacionalO doleiro também está envolvido na Operação Satiagraha, que investiga eventuais crimes financeiros cometidos por Daniel Dantas
MARIO CESAR CARVALHODA REPORTAGEM LOCAL
Doleiro confesso, o português Luis Filipe Malhão e Souza, 52, diz que ajudou a trazer da Suíça para o Brasil pouco mais de US$ 500 mil que a Alstom teria usado para pagar propina a políticos sem saber que os recursos eram da multinacional francesa.Pode parecer improvável que alguém não saiba quem era o dono de US$ 500 mil que passaram por uma conta sua, mas Malhão e Souza disse em sua primeira entrevista que muitas vezes o doleiro não conhece o verdadeiro dono da operação. O suposto dinheiro da Alstom saiu de uma conta de uma offshore chamada MCA Uruguay."A maior parte dos negócios era ligada a bancos e corretoras. Quem me pedia para fazer a operação era o gerente do banco ou corretora. Eu não sabia quem era o cliente final", afirmou à Folha.O tempo das operações, feitas em 1998, e volume de dólares que transitou em duas de suas contas talvez expliquem por que ele não se lembra dos clientes: foram cerca de US$ 620 milhões (R$ 1,15 bilhão em valores atuais) em pouco mais de uma década (dos anos 90 a 2003). "Não é um volume grande para esses anos todos. Tem doleiro que movimentou trinta vezes mais do que eu", relata.O ex-doleiro foi apanhado em duas das mais ruidosas investigações em curso no país: a Operação Satiagraha, que apura eventuais crimes do banqueiro Daniel Dantas, e a que trata dos supostos pagamentos de propina da Alstom para políticos tucanos paulistas.Uma das contas que Malhão e Souza usava como doleiro aparece remetendo recursos para fundos no exterior do Opportunity e internando dinheiro que foi usado pela Alstom para pagar comissões ilegais, segundo o Ministério Público da Suíça.Ele não nega que tenha feito essas operações, mas frisa que evitava trabalhar para políticos. O ex-doleiro tinha uma ética particular: "Sempre tive o cuidado de não fazer operações com políticos e funcionários públicos porque eu sabia que era sacanagem. Se eu soubesse que era de político ou funcionário público, eu não fazia. Funcionário público não tem esse volume de dinheiro. Só pode ser roubo ou maracutaia."Malhão e Souza diz, por exemplo, que soube das operações com precatórios da prefeitura de São Paulo nos anos 90 e nunca quis fazer remessas para os envolvidos.Negócio normalFormado em engenharia e administração, Malhão e Souza diz que começou a trabalhar com câmbio no início dos anos 90, quando a atividade não era criminalizada, como ocorre atualmente. Descobriu a atividade quando trabalhava em banco: "Naquele época todo mundo tinha o seu doleiro, a cotação do dólar paralelo saía nos jornais. O BC [Banco Central] dificultava tanto as remessas para o exterior, que não havia outra saída".O ex-doleiro diz que parou em 2003, quando a Polícia Federal já havia eleito a atividade como um dos alvos preferenciais -a polícia diz que fez isso porque os doleiros escoam recursos ilícitos de atividades tão distintas como caixa dois de empresário e caixa um de traficante. Ele diz que nunca trabalhou para traficante e reconhece que ajudava a fazer circular o dinheiro de sonegação fiscal.Havia também, segundo ele, muitas empresas que usavam doleiros para fazer pagamento porque o BC brasileiro só autorizava a remessa com a mercadoria no Brasil. Para não perder o negócio, o empresário fazia a remessa por meio de doleiro, a mercadoria vinha para o Brasil e a empresa que exportara devolvia o pagamento inicial assim que recebia o pagamento oficial autorizado pelo BC.As ponderações do ex-doleiro não sensibilizaram a Justiça. No começo do mês ele, que agora trabalha numa empresa de engenharia, foi condenado a cinco anos e nove meses de prisão pelo juiz Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal de Curitiba, em regime semiaberto -teria de dormir na prisão.O processo correu em segredo de Justiça por uma razão mais ou menos óbvia que os juízes brasileiros negam: Malhão e Souza fazia parte de um programa de delação premiada, termo que ele refuta com veemência: "Nunca delatei ninguém. Só ajudei a polícia e a Justiça a entenderem como ocorriam as operações."A Alstom não quis fazer comentários sobre o ex-doleiro.
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