estadao.com.br - SÃO PAULO - O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) subiu á trinuna do plenário na manhã desta sexta-feira para anunciar sua desistência em renunciar à liderança do partido na Casa.
Leia abaixo a íntegra do discurso do parlamentar:
"O senhor Aloizio Mercadante (Bloco/PT – SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Presidente Mão Santa, Srs. Senadores. Em uma sexta-feira, que geralmente é um dia de plenário vazio, eu venho para fazer um pronunciamento difícil e muito importante na minha história. Subo a esta tribuna com um sentimento que não é só meu, acho que é o sentimento da maioria do povo brasileiro, que, neste momento, em relação ao Senado Federal, sente desilusão, sente, eu diria, descrença política.
Esse não é um sentimento qualquer, é um sentimento sobre o qual temos de nos debruçar, é um sentimento que temos de compreender e reconhecer para buscar respostas para este cenário. Esse sentimento ficou muito consolidado a partir da decisão do Conselho de Ética de não aprofundar nenhuma investigação em relação a tantas denúncias que nós tivemos neste período.
Eu subo a esta tribuna com um sentimento a mais: o sentimento da frustração, a frustração de um homem público e do Líder de uma bancada que lutou, e eu lutei com todos os instrumentos e com a força que tinha para construir um caminho alternativo a esta crise do Senado. Nunca aceitei o caminho fácil da condenação sem defesa, do pré-julgamento, do tribunal de exceção, porque esse não é o caminho da democracia, ainda que seja mais fácil do ponto de vista eleitoral – sempre é mais fácil. Como dizia Tocqueville, a função fundamental do Parlamento é preservar as garantias e os direitos individuais seja de quem for, e não há garantia de direitos sem o devido processo, sem o direito de defesa e sem a apuração rigorosa das denúncias.
Disse, e a minha bancada sustentou, que o melhor caminho era a licença do Presidente Sarney, uma licença voluntária – num gesto de grandeza para preservar o Senado – e uma apuração rigorosa, especialmente daquilo que diz respeito ao Senado, que é a nossa maior responsabilidade. Quanto às denúncias que estão fora desta Casa, o Procurador Geral da República já disse: “Não há indícios para abrir uma investigação sobre o Senador José Sarney”. Ora, se o Procurador Geral da República, que está acompanhando todas essas denuncias e coordenando esse processo, faz essa afirmação em público, o Senado, evidentemente, tem de aguardar a conclusão dessas investigações. No entanto, os atos secretos violam o art. 37 da Constituição, o princípio da transparência e da publicidade.
O compromisso primeiro desta Casa é o respeito aos princípios constitucionais. Nós tínhamos de nos debruçar sobre essa questão e não nos enveredar pelo caminho fácil de que o único responsável é o Presidente José Sarney, ainda que ele tenha uma grande responsabilidade, já que é o seu terceiro mandato como Presidente desta Casa, e há mais de catorze anos isso vinha acontecendo. A apuração, a transparência e o rigor nessa matéria eram o caminho para o Senado ir a fundo em suas entranhas e se reformar profundamente como instituição. É evidente que o Senado é fundamental para a República. É só olhar para a história do Brasil: em 183 anos, nós não seríamos o que somos como nação se não houvesse aqui algum equilíbrio entre os estados mais pobres e os estados mais ricos, como o meu estado. O Senado permite que haja equilíbrio entre os pequenos estados, os pobres estados da Federação, e os estados ricos, permite que se mantenha o equilíbrio neste país.
Mas o Senado, depois de 183 anos, acumulou vícios inaceitáveis para um país que se modernizou, para uma cidadania que se fortaleceu, um país que quer menos desperdício, mais rigor com o gasto público, mais austeridade, mais transparência, mais controle social. Essa é uma pauta de que não vamos escapar e da qual não temos o direito de escapar, porque nós temos de deixar esta Legislatura com um Senado reformado profundamente, modernizado, novo, para que passemos, seja para quem vier, um Brasil melhor, e esta Casa possa contribuir com a Nação.
Depois da decisão do Conselho de Ética, fiz uma breve reunião com a minha bancada e disse a eles que o meu sentimento mais profundo, a minha vontade naquele momento era a de deixar a Liderança. Disse isso pelo fato de não termos tido força para construir um caminho alternativo. Esbarramos na maior bancada do Senado, que é o PMDB, que teve um papel fundamental nesse processo. Esbarramos, infelizmente, no apoio que o meu Governo e a direção do meu partido deram a essa resposta que foi dada e que não era a posição da nossa bancada, não foi nunca a minha posição.
Conversei com o Governo e conversei com o partido ao longo desse processo para pedir apoio para o caminho equilibrado e responsável de uma apuração que não fosse simplesmente um objeto do interesse político-eleitoral da oposição, o que evidentemente existiu em tudo isso. O alvo sempre foi o PT, o alvo é o Presidente Lula, porque há uma disputa maior no ano que vem. Mas o que acontece no Senado não é só um problema de disputa eleitoral. E aí, como Senador, cada um de nós tem uma responsabilidade específica que nós não podemos deixar de considerar.
A bancada, o Senador Tião Viana; o Senador Paulo Paim; o Senador Suplicy, que adiou inclusive a ida dele para São Paulo para estar aqui hoje, e eu não consegui chegar mais cedo – agradeço muito toda a atitude que ele teve ao longo de todo esse processo –; o nosso Senador Augusto Botelho – está aqui, agradeço, também adiou a sua ida para poder estar aqui hoje, nesta manhã –; Senadores todos da nossa bancada, como a Senadora Fátima Cleide, que me ligou – não foi à reunião, mas me deu apoio e solidariedade –, os Senadores todos que estiveram ali, a Senadora Serys, o Senador João Pedro, que foi à reunião, todos os que estavam lá falaram: “Mercadante, não é esse o caminho, você tem de ficar com a bancada, você tem de continuar na Liderança”.
Expressaram isso publicamente e pediram, com muita sinceridade, que eu ficasse, especialmente num momento muito difícil para a própria bancada, porque a Marina não é um quadro qualquer. A Marina tem uma história de trinta anos comigo neste partido, e ela representa uma agenda importante para o Brasil, uma agenda que eu queria dentro do meu partido, porque ela existe dentro do meu partido. Ela, porém, escolheu o caminho de fazer uma disputa eleitoral em cima de compromissos que ela sempre teve.
Mas, ela escolheu o caminho de fazer uma disputa eleitoral em cima de compromissos que ela sempre teve. O Senador Flávio Arns, que veio para o PT na última eleição e que contribuiu na nossa Bancada – e, mesmo com as diferenças que nós possamos ter tido como Bancada com ele, mas que contribuiu com a nossa Bancada ao longo desse período – também, nesse episódio, encontrou o caminho para deixar o PT.
Deixar o PT nunca passou pelo meu coração nem pela minha cabeça. Eu sou petista antes de o PT existir. Quando lá estava, no Colégio Sion, em 1980, eu estava ali e éramos um grupo muito pequeno de brasileiros e de brasileiras, de sindicalistas, de uma esquerda que tinha resistido à ditadura, de lideranças de base das igrejas, de intelectuais que tinham sido exilados e resistido, como Florestan Fernandes, Paulo Freire e tantos que passaram pela nossa caminhada. Estávamos ali, com lideranças como Chico Mendes, alguns que foram assassinados pelos valores que defenderam ao longo da história, construindo uma utopia.
Ali, naquele momento da história, ninguém foi para o PT para ter um cargo, muito menos imaginando ter um mandato. Nós fomos por um compromisso com o Brasil, um compromisso muito profundo de vida e que, para muitos de nós, custou muito. Não foi fácil chegar aonde nós chegamos e percorrer o caminho que percorremos. Eu estou desde a primeira hora, fiz todas as campanhas do Presidente Lula.
Em 1982, eu andava com ele o Estado de São Paulo inteiro. Em 86, eu coordenava a campanha dele, era um dos coordenadores da campanha para Deputado Federal quando ele foi o candidato mais votado. Fiquei 7 anos para fundar a CUT e construir uma central sindical e nunca imaginei disputar uma eleição. E nunca imaginei disputar uma eleição. Nunca tive isso como meta na minha vida. Meu compromisso não era esse. Eu era um professor, economista que tinha um compromisso com o Brasil.
Na campanha de 1989, quando andei pelo Brasil todo com o Presidente Lula, eu ganhei uma visibilidade que eu não esperava. Naquele momento, eu tinha ganhado uma bolsa de estudos para ir para fora do Brasil estudar a integração européia, a união européia que eu achava que era o caminho da América do Sul. E não fui. Não fui porque, em 1990, em 1988, o Presidente Lula pediu para eu ficar para a campanha e, quando terminou a campanha, ele falou: “Não, Mercadante, fica; ajude a montar a minha campanha para Deputado Federal”. Nós perdemos a eleição. Eu fiquei. Um mês depois ele falou: “Eu sou candidato; você tem que ser candidato”. A minha vida mudou totalmente de rumo e eu acolhi o pedido que ele tinha feito.
Depois que eu virei Deputado, falei: bom, agora eu fiz o meu primeiro mandato, vou para o segundo. Quando estava concluindo a campanha, o Presidente Lula pediu, no meio daquela crise da campanha, falou: “Você vai ter que deixar o mandato de Deputado Federal, você tem que ser vice na minha chapa para a campanha presidencial”. Eu não discuti duas vezes. Abri mão na hora. Sabia que era uma campanha muito difícil e tive orgulho de fazer o gesto que fiz.
Nunca estive neste Partido por causa de cargo. Nunca. Vim ou imaginando que... E são muito bem recebidos os que vieram depois, quando estávamos no Governo. Mas quem começou desde a primeira hora, isso nunca foi objetivo fundamental. O objetivo era mudar o Brasil, criar uma sociedade mais justa, distribuir a renda, reforçar a ética na política. Este era o caminho fundamental: os trabalhadores serem protagonistas da história.
Com toda essa história na cabeça, vendo a dificuldade da nossa Bancada e do nosso Partido neste momento e depois da conversa com a Bancada, eu fui para a casa e não foi fácil. Não foi fácil. Não foi fácil. Meu sentimento era muito profundo de deixar a Liderança. Minha mulher, a Regina, meu filho Pedro, a Mariana falaram: “Pai, deixa de sacrifício. Você tem pago um preço caro demais. Eu acho que você está certo, pai. Acho que você tem que estar mais com a gente e mais com você. Está ficando muito caro esse custo pessoal.”
E o custo pessoal, nessa hora, é um custo político que nós estamos pagando por uma aliança. E um custo que não pode ser pago dessa forma, muito menos por um Partido como o PT. Nós temos que preservar a aliança, mas temos que fazer uma discussão de fundo sobre os caminhos deste País, de combate ao patrimonialismo, ao nepotismo; de reforma das instituições; de transparência. Isso não pode se perder na governabilidade.
Eu disse à Bancada e pensei comigo: eu perdi uma certa condição de interlocução política nesta Casa, por exemplo com o Presidente Sarney. É evidente! É muito mais difícil ser Líder nessas condições, depois de uma crise como essa. E a partir daí eu falei: eu não vejo... Depois da conversa com a minha família, eu não vejo muita alternativa. E me dispus a vir à tribuna e renunciar.
Por obrigação histórica, liguei para algumas Lideranças, para pessoas de respeito que eu gosto e tinha obrigação de conversar. E muitos ligaram pra mim. Vários Senadores e todos os Líderes do Bloco, o Crivella, o Antonio Carlos Valadares: “Mercadante, fica! Fica. Não saia”. Até para minha grata surpresa, Lideranças da Oposição, como o Senador Arthur Virgílio, que falou: “Reflita. Eu já fui Líder de Governo. Você não pode sair. Não é essa a sua atitude”. O Sérgio Guerra se solidarizando.
Eu conversei com a Ministra Dilma e ela disse que não concordava com a minha saída. Palocci ligou para mim. José Dirceu, com quem não falo há muito tempo, conversou na mesma direção. O Berzoini ligou e disse, publicamente, apesar de todas as diferenças que nós temos, em todo esse processo, que eu não deveria sair. O João Pedro tem ido à minha casa todos esses dias, pedindo para eu ficar. E a Ideli, que é uma companheira que tem compromisso muito forte com esse projeto, ligou-me dizendo: “Mercadante, você não pode fazer isso, você tem que conversar com o Lula”. E vários disseram: você tem que conversar com o Lula.
O Ministro Múcio ligou, pedindo para eu conversar e marcou uma conversa com o Presidente Lula. O Presidente Lula chegou ontem à noite, eu fui ao Palácio da Alvorada e nós ficamos cinco horas conversando. Cinco horas repassando – eu saí a uma hora da manhã, tivemos uma conversa franca, dura, sincera, profunda – toda essa história, tudo que nós fizemos, todo meu sentimento, que o Governo Lula é um grande êxito econômico. É um grande êxito!
Este mês a taxa desemprego do Brasil é menor do que há de um ano. Na maior crise econômica dos últimos 70 anos, este País está saindo na frente, pela competência do Governo, pela prudência, pela seriedade, que é reconhecida hoje pelos principais analistas de toda a economia mundial. Nós nunca enfrentamos uma crise desse tamanho, e nunca tivemos uma resposta tão competente, tão eficiente e tão rápida que mostra o projeto de futuro que este País tem e a herança que estamos deixando na área econômica.
Disse ao Presidente Lula que tinha orgulho de tudo que nós fizemos, de ver a melhoria da vida do povo, a distribuição de renda, programas como o Bolsa Família, salário mínimo, ProUni mudaram as condições sociais do Brasil, mudaram profundamente. Mas eu acho que nós temos cometidos erros políticos e erros que o nosso Partido... O Lula vai terminar este Governo, eu tenho absoluta convicção, mesmo nesta crise está com 67% de ótimo e bom, como o mais popular Presidente da história, pelo menos documentada, do Brasil. Portanto, tudo que nós seremos depois depende dele e do Governo, mas o Partido vai ficar para além do Lula.
Eu estava vendo a Valentina – agora ela está entrando ali –, no futuro dela eu quero estar lá com o meu Partido construindo um Brasil diferente. Por isso, preservar o Partido, cuidar do Partido, rediscutir o papel do Partido é um desafio fundamental. Num momento de grave crise política em 2005, 300 mil militantes do Partido levantaram-se para defender a legenda, quando todo mundo dizia que nós estávamos derrotados. E, um ano depois, o Lula tinha 20 milhões de votos, vencendo as eleições.
Esse é o maior patrimônio que nós construímos. Milhares, centenas de milhares de trabalhadores, de lideranças estudantis, de jovens, de mulheres que constroem, acreditam nesse caminho. E é essa energia, essa militância que eu quero levantar, que eu quero mobilizar. Eu quero rediscutir o caminho do Partido, porque nós não podemos cometer os erros que temos cometido.
O Presidente Lula me disse muita coisa que mexe com o meu coração, com a minha história e com a minha vida. Hoje de manhã, eu recebi uma carta dele que diz assim:
'Brasília, 21 de agosto de 2009.
Meu companheiro Aloizio Mercadante,
Ontem à noite, tivemos uma longa e franca conversa, mais uma entre tantas nesses mais de trinta anos de companheirismo e amizade em comum. Você me expressou novamente, como tem feito publicamente, sua indignação com a situação do Senado Federal e suas duras críticas ao posicionamento da direção do PT nos processos do Conselho de Ética.
Respeito sua posição e considero um direito legítimo você expressá-la para a militância do PT e para a sociedade, bem como continuar lutando por uma reforma profunda no Senado. Mas não posso concordar com sua renúncia da liderança da Bancada do PT. Você tem todo o apoio de nossos Senadores e Senadoras.
A Bancada e eu consideramos você, Mercadante, imprescindível para a Liderança. Não tem sido fácil construir alianças e aprovar projetos tão relevantes ao nosso governo para superarmos a grave crise da economia internacional, como estamos superando, distribuir renda, implantar novas políticas públicas e melhorar a vida do nosso povo. Todo esse processo depende do Senado. Você tem contribuído decisivamente e sua liderança é fundamental para as nossas lutas no Senado.
Mercadante, estamos juntos há trinta anos, travando as lutas que interessam ao povo brasileiro e mudando a história do País. Dificuldades e divergências fazem parte dessa caminhada, mas são menores do que ela. Em nome dessa história e dessa caminhada, fique na Liderança.
Esse é um pedido sincero de um velho amigo e sempre companheiro.
Luiz Inácio Lula da Silva'
Mais uma vez na minha vida, o Presidente Lula me deixa numa situação em que eu não tenho como dizer não. Não tenho. Não tenho, como não tive muitas vezes. Eu, de forma muito sincera, quero pedir desculpas à Regina, ao Pedro, à Mariana, meus filhos, sei qual é o sentimento deles, profundo, que acham que, do ponto de vista pessoal e mesmo político, eu tenho pago um preço maior do que deveria.
Mas eu tenho convicção, convicção profunda, de que, mesmo que seja alto, alguns, seguramente, são decorrentes dos meus erros, das minhas deficiências, mas esse sacrifício ajuda a mudar a vida de milhões de pessoas, a fazer um Brasil melhor. E esse Governo Lula fez este Brasil, está construindo este País. Por isso, como diz o Presidente, dificuldades e divergências fazem parte da nossa caminhada, mas são menores do que ela.
Eu não tenho como dizer não ao Presidente.
E eu termino com uma frase de M Joyce: “Os erros dos homens podem ser portas de novas descobertas”. Esta Casa errou, o meu Governo errou, o meu Partido errou, nós erramos, eu errei, porque essa não é a solução que o Brasil espera e de que o Brasil precisa. Só espero que aprendamos, sinceramente, com esses erros e sejamos capazes de construir novas descobertas. E Dom Moacyr Grechi, um Bispo muito importante no Norte do País, disse que, quando a gente está remando uma canoa num rio e entra água, a nossa atitude não deve ser pular da canoa, deve ser tapar o buraco. Essa é a primeira atitude, tapar o buraco. Por isso, eu vou continuar a minha luta dentro do PT. Quero levar esse debate para as bases do PT, quero mudar o rumo do PT, quero que o PT ajude a mudar o rumo do governo na política e sustentando todos avanços econômicos e sociais.
Peço a muitos companheiros e companheiras que acho que pedem a minha saída hoje, especialmente a minha família, sinceras desculpas, mas, com a história que tenho com o Lula, com a minha história de militância, com o que nós fizemos juntos e podemos fazer juntos pelo Brasil, eu não posso dizer não ao Presidente da República e ao meu velho companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Muito obrigado."
Leia abaixo a íntegra do discurso do parlamentar:
"O senhor Aloizio Mercadante (Bloco/PT – SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Presidente Mão Santa, Srs. Senadores. Em uma sexta-feira, que geralmente é um dia de plenário vazio, eu venho para fazer um pronunciamento difícil e muito importante na minha história. Subo a esta tribuna com um sentimento que não é só meu, acho que é o sentimento da maioria do povo brasileiro, que, neste momento, em relação ao Senado Federal, sente desilusão, sente, eu diria, descrença política.
Esse não é um sentimento qualquer, é um sentimento sobre o qual temos de nos debruçar, é um sentimento que temos de compreender e reconhecer para buscar respostas para este cenário. Esse sentimento ficou muito consolidado a partir da decisão do Conselho de Ética de não aprofundar nenhuma investigação em relação a tantas denúncias que nós tivemos neste período.
Eu subo a esta tribuna com um sentimento a mais: o sentimento da frustração, a frustração de um homem público e do Líder de uma bancada que lutou, e eu lutei com todos os instrumentos e com a força que tinha para construir um caminho alternativo a esta crise do Senado. Nunca aceitei o caminho fácil da condenação sem defesa, do pré-julgamento, do tribunal de exceção, porque esse não é o caminho da democracia, ainda que seja mais fácil do ponto de vista eleitoral – sempre é mais fácil. Como dizia Tocqueville, a função fundamental do Parlamento é preservar as garantias e os direitos individuais seja de quem for, e não há garantia de direitos sem o devido processo, sem o direito de defesa e sem a apuração rigorosa das denúncias.
Disse, e a minha bancada sustentou, que o melhor caminho era a licença do Presidente Sarney, uma licença voluntária – num gesto de grandeza para preservar o Senado – e uma apuração rigorosa, especialmente daquilo que diz respeito ao Senado, que é a nossa maior responsabilidade. Quanto às denúncias que estão fora desta Casa, o Procurador Geral da República já disse: “Não há indícios para abrir uma investigação sobre o Senador José Sarney”. Ora, se o Procurador Geral da República, que está acompanhando todas essas denuncias e coordenando esse processo, faz essa afirmação em público, o Senado, evidentemente, tem de aguardar a conclusão dessas investigações. No entanto, os atos secretos violam o art. 37 da Constituição, o princípio da transparência e da publicidade.
O compromisso primeiro desta Casa é o respeito aos princípios constitucionais. Nós tínhamos de nos debruçar sobre essa questão e não nos enveredar pelo caminho fácil de que o único responsável é o Presidente José Sarney, ainda que ele tenha uma grande responsabilidade, já que é o seu terceiro mandato como Presidente desta Casa, e há mais de catorze anos isso vinha acontecendo. A apuração, a transparência e o rigor nessa matéria eram o caminho para o Senado ir a fundo em suas entranhas e se reformar profundamente como instituição. É evidente que o Senado é fundamental para a República. É só olhar para a história do Brasil: em 183 anos, nós não seríamos o que somos como nação se não houvesse aqui algum equilíbrio entre os estados mais pobres e os estados mais ricos, como o meu estado. O Senado permite que haja equilíbrio entre os pequenos estados, os pobres estados da Federação, e os estados ricos, permite que se mantenha o equilíbrio neste país.
Mas o Senado, depois de 183 anos, acumulou vícios inaceitáveis para um país que se modernizou, para uma cidadania que se fortaleceu, um país que quer menos desperdício, mais rigor com o gasto público, mais austeridade, mais transparência, mais controle social. Essa é uma pauta de que não vamos escapar e da qual não temos o direito de escapar, porque nós temos de deixar esta Legislatura com um Senado reformado profundamente, modernizado, novo, para que passemos, seja para quem vier, um Brasil melhor, e esta Casa possa contribuir com a Nação.
Depois da decisão do Conselho de Ética, fiz uma breve reunião com a minha bancada e disse a eles que o meu sentimento mais profundo, a minha vontade naquele momento era a de deixar a Liderança. Disse isso pelo fato de não termos tido força para construir um caminho alternativo. Esbarramos na maior bancada do Senado, que é o PMDB, que teve um papel fundamental nesse processo. Esbarramos, infelizmente, no apoio que o meu Governo e a direção do meu partido deram a essa resposta que foi dada e que não era a posição da nossa bancada, não foi nunca a minha posição.
Conversei com o Governo e conversei com o partido ao longo desse processo para pedir apoio para o caminho equilibrado e responsável de uma apuração que não fosse simplesmente um objeto do interesse político-eleitoral da oposição, o que evidentemente existiu em tudo isso. O alvo sempre foi o PT, o alvo é o Presidente Lula, porque há uma disputa maior no ano que vem. Mas o que acontece no Senado não é só um problema de disputa eleitoral. E aí, como Senador, cada um de nós tem uma responsabilidade específica que nós não podemos deixar de considerar.
A bancada, o Senador Tião Viana; o Senador Paulo Paim; o Senador Suplicy, que adiou inclusive a ida dele para São Paulo para estar aqui hoje, e eu não consegui chegar mais cedo – agradeço muito toda a atitude que ele teve ao longo de todo esse processo –; o nosso Senador Augusto Botelho – está aqui, agradeço, também adiou a sua ida para poder estar aqui hoje, nesta manhã –; Senadores todos da nossa bancada, como a Senadora Fátima Cleide, que me ligou – não foi à reunião, mas me deu apoio e solidariedade –, os Senadores todos que estiveram ali, a Senadora Serys, o Senador João Pedro, que foi à reunião, todos os que estavam lá falaram: “Mercadante, não é esse o caminho, você tem de ficar com a bancada, você tem de continuar na Liderança”.
Expressaram isso publicamente e pediram, com muita sinceridade, que eu ficasse, especialmente num momento muito difícil para a própria bancada, porque a Marina não é um quadro qualquer. A Marina tem uma história de trinta anos comigo neste partido, e ela representa uma agenda importante para o Brasil, uma agenda que eu queria dentro do meu partido, porque ela existe dentro do meu partido. Ela, porém, escolheu o caminho de fazer uma disputa eleitoral em cima de compromissos que ela sempre teve.
Mas, ela escolheu o caminho de fazer uma disputa eleitoral em cima de compromissos que ela sempre teve. O Senador Flávio Arns, que veio para o PT na última eleição e que contribuiu na nossa Bancada – e, mesmo com as diferenças que nós possamos ter tido como Bancada com ele, mas que contribuiu com a nossa Bancada ao longo desse período – também, nesse episódio, encontrou o caminho para deixar o PT.
Deixar o PT nunca passou pelo meu coração nem pela minha cabeça. Eu sou petista antes de o PT existir. Quando lá estava, no Colégio Sion, em 1980, eu estava ali e éramos um grupo muito pequeno de brasileiros e de brasileiras, de sindicalistas, de uma esquerda que tinha resistido à ditadura, de lideranças de base das igrejas, de intelectuais que tinham sido exilados e resistido, como Florestan Fernandes, Paulo Freire e tantos que passaram pela nossa caminhada. Estávamos ali, com lideranças como Chico Mendes, alguns que foram assassinados pelos valores que defenderam ao longo da história, construindo uma utopia.
Ali, naquele momento da história, ninguém foi para o PT para ter um cargo, muito menos imaginando ter um mandato. Nós fomos por um compromisso com o Brasil, um compromisso muito profundo de vida e que, para muitos de nós, custou muito. Não foi fácil chegar aonde nós chegamos e percorrer o caminho que percorremos. Eu estou desde a primeira hora, fiz todas as campanhas do Presidente Lula.
Em 1982, eu andava com ele o Estado de São Paulo inteiro. Em 86, eu coordenava a campanha dele, era um dos coordenadores da campanha para Deputado Federal quando ele foi o candidato mais votado. Fiquei 7 anos para fundar a CUT e construir uma central sindical e nunca imaginei disputar uma eleição. E nunca imaginei disputar uma eleição. Nunca tive isso como meta na minha vida. Meu compromisso não era esse. Eu era um professor, economista que tinha um compromisso com o Brasil.
Na campanha de 1989, quando andei pelo Brasil todo com o Presidente Lula, eu ganhei uma visibilidade que eu não esperava. Naquele momento, eu tinha ganhado uma bolsa de estudos para ir para fora do Brasil estudar a integração européia, a união européia que eu achava que era o caminho da América do Sul. E não fui. Não fui porque, em 1990, em 1988, o Presidente Lula pediu para eu ficar para a campanha e, quando terminou a campanha, ele falou: “Não, Mercadante, fica; ajude a montar a minha campanha para Deputado Federal”. Nós perdemos a eleição. Eu fiquei. Um mês depois ele falou: “Eu sou candidato; você tem que ser candidato”. A minha vida mudou totalmente de rumo e eu acolhi o pedido que ele tinha feito.
Depois que eu virei Deputado, falei: bom, agora eu fiz o meu primeiro mandato, vou para o segundo. Quando estava concluindo a campanha, o Presidente Lula pediu, no meio daquela crise da campanha, falou: “Você vai ter que deixar o mandato de Deputado Federal, você tem que ser vice na minha chapa para a campanha presidencial”. Eu não discuti duas vezes. Abri mão na hora. Sabia que era uma campanha muito difícil e tive orgulho de fazer o gesto que fiz.
Nunca estive neste Partido por causa de cargo. Nunca. Vim ou imaginando que... E são muito bem recebidos os que vieram depois, quando estávamos no Governo. Mas quem começou desde a primeira hora, isso nunca foi objetivo fundamental. O objetivo era mudar o Brasil, criar uma sociedade mais justa, distribuir a renda, reforçar a ética na política. Este era o caminho fundamental: os trabalhadores serem protagonistas da história.
Com toda essa história na cabeça, vendo a dificuldade da nossa Bancada e do nosso Partido neste momento e depois da conversa com a Bancada, eu fui para a casa e não foi fácil. Não foi fácil. Não foi fácil. Meu sentimento era muito profundo de deixar a Liderança. Minha mulher, a Regina, meu filho Pedro, a Mariana falaram: “Pai, deixa de sacrifício. Você tem pago um preço caro demais. Eu acho que você está certo, pai. Acho que você tem que estar mais com a gente e mais com você. Está ficando muito caro esse custo pessoal.”
E o custo pessoal, nessa hora, é um custo político que nós estamos pagando por uma aliança. E um custo que não pode ser pago dessa forma, muito menos por um Partido como o PT. Nós temos que preservar a aliança, mas temos que fazer uma discussão de fundo sobre os caminhos deste País, de combate ao patrimonialismo, ao nepotismo; de reforma das instituições; de transparência. Isso não pode se perder na governabilidade.
Eu disse à Bancada e pensei comigo: eu perdi uma certa condição de interlocução política nesta Casa, por exemplo com o Presidente Sarney. É evidente! É muito mais difícil ser Líder nessas condições, depois de uma crise como essa. E a partir daí eu falei: eu não vejo... Depois da conversa com a minha família, eu não vejo muita alternativa. E me dispus a vir à tribuna e renunciar.
Por obrigação histórica, liguei para algumas Lideranças, para pessoas de respeito que eu gosto e tinha obrigação de conversar. E muitos ligaram pra mim. Vários Senadores e todos os Líderes do Bloco, o Crivella, o Antonio Carlos Valadares: “Mercadante, fica! Fica. Não saia”. Até para minha grata surpresa, Lideranças da Oposição, como o Senador Arthur Virgílio, que falou: “Reflita. Eu já fui Líder de Governo. Você não pode sair. Não é essa a sua atitude”. O Sérgio Guerra se solidarizando.
Eu conversei com a Ministra Dilma e ela disse que não concordava com a minha saída. Palocci ligou para mim. José Dirceu, com quem não falo há muito tempo, conversou na mesma direção. O Berzoini ligou e disse, publicamente, apesar de todas as diferenças que nós temos, em todo esse processo, que eu não deveria sair. O João Pedro tem ido à minha casa todos esses dias, pedindo para eu ficar. E a Ideli, que é uma companheira que tem compromisso muito forte com esse projeto, ligou-me dizendo: “Mercadante, você não pode fazer isso, você tem que conversar com o Lula”. E vários disseram: você tem que conversar com o Lula.
O Ministro Múcio ligou, pedindo para eu conversar e marcou uma conversa com o Presidente Lula. O Presidente Lula chegou ontem à noite, eu fui ao Palácio da Alvorada e nós ficamos cinco horas conversando. Cinco horas repassando – eu saí a uma hora da manhã, tivemos uma conversa franca, dura, sincera, profunda – toda essa história, tudo que nós fizemos, todo meu sentimento, que o Governo Lula é um grande êxito econômico. É um grande êxito!
Este mês a taxa desemprego do Brasil é menor do que há de um ano. Na maior crise econômica dos últimos 70 anos, este País está saindo na frente, pela competência do Governo, pela prudência, pela seriedade, que é reconhecida hoje pelos principais analistas de toda a economia mundial. Nós nunca enfrentamos uma crise desse tamanho, e nunca tivemos uma resposta tão competente, tão eficiente e tão rápida que mostra o projeto de futuro que este País tem e a herança que estamos deixando na área econômica.
Disse ao Presidente Lula que tinha orgulho de tudo que nós fizemos, de ver a melhoria da vida do povo, a distribuição de renda, programas como o Bolsa Família, salário mínimo, ProUni mudaram as condições sociais do Brasil, mudaram profundamente. Mas eu acho que nós temos cometidos erros políticos e erros que o nosso Partido... O Lula vai terminar este Governo, eu tenho absoluta convicção, mesmo nesta crise está com 67% de ótimo e bom, como o mais popular Presidente da história, pelo menos documentada, do Brasil. Portanto, tudo que nós seremos depois depende dele e do Governo, mas o Partido vai ficar para além do Lula.
Eu estava vendo a Valentina – agora ela está entrando ali –, no futuro dela eu quero estar lá com o meu Partido construindo um Brasil diferente. Por isso, preservar o Partido, cuidar do Partido, rediscutir o papel do Partido é um desafio fundamental. Num momento de grave crise política em 2005, 300 mil militantes do Partido levantaram-se para defender a legenda, quando todo mundo dizia que nós estávamos derrotados. E, um ano depois, o Lula tinha 20 milhões de votos, vencendo as eleições.
Esse é o maior patrimônio que nós construímos. Milhares, centenas de milhares de trabalhadores, de lideranças estudantis, de jovens, de mulheres que constroem, acreditam nesse caminho. E é essa energia, essa militância que eu quero levantar, que eu quero mobilizar. Eu quero rediscutir o caminho do Partido, porque nós não podemos cometer os erros que temos cometido.
O Presidente Lula me disse muita coisa que mexe com o meu coração, com a minha história e com a minha vida. Hoje de manhã, eu recebi uma carta dele que diz assim:
'Brasília, 21 de agosto de 2009.
Meu companheiro Aloizio Mercadante,
Ontem à noite, tivemos uma longa e franca conversa, mais uma entre tantas nesses mais de trinta anos de companheirismo e amizade em comum. Você me expressou novamente, como tem feito publicamente, sua indignação com a situação do Senado Federal e suas duras críticas ao posicionamento da direção do PT nos processos do Conselho de Ética.
Respeito sua posição e considero um direito legítimo você expressá-la para a militância do PT e para a sociedade, bem como continuar lutando por uma reforma profunda no Senado. Mas não posso concordar com sua renúncia da liderança da Bancada do PT. Você tem todo o apoio de nossos Senadores e Senadoras.
A Bancada e eu consideramos você, Mercadante, imprescindível para a Liderança. Não tem sido fácil construir alianças e aprovar projetos tão relevantes ao nosso governo para superarmos a grave crise da economia internacional, como estamos superando, distribuir renda, implantar novas políticas públicas e melhorar a vida do nosso povo. Todo esse processo depende do Senado. Você tem contribuído decisivamente e sua liderança é fundamental para as nossas lutas no Senado.
Mercadante, estamos juntos há trinta anos, travando as lutas que interessam ao povo brasileiro e mudando a história do País. Dificuldades e divergências fazem parte dessa caminhada, mas são menores do que ela. Em nome dessa história e dessa caminhada, fique na Liderança.
Esse é um pedido sincero de um velho amigo e sempre companheiro.
Luiz Inácio Lula da Silva'
Mais uma vez na minha vida, o Presidente Lula me deixa numa situação em que eu não tenho como dizer não. Não tenho. Não tenho, como não tive muitas vezes. Eu, de forma muito sincera, quero pedir desculpas à Regina, ao Pedro, à Mariana, meus filhos, sei qual é o sentimento deles, profundo, que acham que, do ponto de vista pessoal e mesmo político, eu tenho pago um preço maior do que deveria.
Mas eu tenho convicção, convicção profunda, de que, mesmo que seja alto, alguns, seguramente, são decorrentes dos meus erros, das minhas deficiências, mas esse sacrifício ajuda a mudar a vida de milhões de pessoas, a fazer um Brasil melhor. E esse Governo Lula fez este Brasil, está construindo este País. Por isso, como diz o Presidente, dificuldades e divergências fazem parte da nossa caminhada, mas são menores do que ela.
Eu não tenho como dizer não ao Presidente.
E eu termino com uma frase de M Joyce: “Os erros dos homens podem ser portas de novas descobertas”. Esta Casa errou, o meu Governo errou, o meu Partido errou, nós erramos, eu errei, porque essa não é a solução que o Brasil espera e de que o Brasil precisa. Só espero que aprendamos, sinceramente, com esses erros e sejamos capazes de construir novas descobertas. E Dom Moacyr Grechi, um Bispo muito importante no Norte do País, disse que, quando a gente está remando uma canoa num rio e entra água, a nossa atitude não deve ser pular da canoa, deve ser tapar o buraco. Essa é a primeira atitude, tapar o buraco. Por isso, eu vou continuar a minha luta dentro do PT. Quero levar esse debate para as bases do PT, quero mudar o rumo do PT, quero que o PT ajude a mudar o rumo do governo na política e sustentando todos avanços econômicos e sociais.
Peço a muitos companheiros e companheiras que acho que pedem a minha saída hoje, especialmente a minha família, sinceras desculpas, mas, com a história que tenho com o Lula, com a minha história de militância, com o que nós fizemos juntos e podemos fazer juntos pelo Brasil, eu não posso dizer não ao Presidente da República e ao meu velho companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Muito obrigado."
Gostaria de paranabenizar o senador Mercadante, pela seu belo discurso, pela sua sinceridae, e por sua fidelidade ao presidente Lula, ao partido, ao seus eleitores, e ao país. Juntos com certeza, vão continuar a construir um Brasil muito melhor para todos.
Um comentário:
O Merdadante é um ser invertebrado e sem personalidade.
Pelo menos ele não mentge como a Dilma, a falsa.
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