É com muito pesar que me esqueço da alma caetaneana. Uma alma que pariu belas e inimagináveis imagens. Uma alma que, parece-me, ainda é intocável e irretocável de uma maneira geral pelo que produziu e, certamente, pelo que ainda haverá de produzir. Detenho-me, aqui, no senhor Caetano Viana Teles Veloso, filho de Dona Canô, uma mulher que ensinou aos filhos o respeito ao outros.
Detenho-me, aqui, no senhor Caetano Viana Teles Veloso que, já há algum tempo, vem dando mostras de que nasceu para narciso e como narciso, embelezado por sua inquestionável beleza inquestionável, sucumbirá doido de amor por si mesmo.
Detenho-me, aqui, no senhor Caetano Viana Teles Veloso que se porta como arauto de um preconceito linguístico que a ciência linguística está tratando de dissipar. Ao chamar o presidente LULA de "analfabeto"*, expressou aquilo que ele sempre trouxe dentro de si: eu sou CAETANO VELOSO, o Imortal, o BELO... AQUELE de uma inteligência ímpar a quem todos devem adorar... Lamentável... Decepcionante, sobretudo, porque há intelectuais de verdade que dizem o contrário, não só de LULA, mas de todo falante que se expresse por meio daquilo que o faz vivo enquanto comunicante: a variedade linguística.
Detenho-me, aqui, no senhor Caetano Viana Teles Veloso para apresentar-lhe o linguista SÍRIO POSSENTI. Linguista cujo sólido saber revela aquilo que o Senhor Caetano Viana Teles não consegue enxegar, pois só tem olhos para a beleza que apodrece dentro de si. Com a palavra o professor SÍRIO POSSENTI:
Candidatos a gramáticos? Políticos e jornalistas
Sírio Possenti - De Campinas (SP). Por causa do carnaval, de um congresso, de um pouco de preguiça, mas também porque certas coisas não devem ser esquecidas, republico um texto antigo, de meados da década de 90 do século passado. É que, de vez em quando, esse papo de que Lula fala errado volta à cena, ora nos blogs de comentaristas políticos, ora em insinuações de FHC, como ocorreu recentemente. Segue o texto:
Certamente, o discurso dos candidatos é um dos sintomas pelos quais podemos julgá-los. Mas também para isso também se exigem critérios. No mínimo, critérios tão claros quanto os utilizados para julgá-los em qualquer outro campo. E Enéas não é o único a emitir juízos superficiais ou equivocados sobre linguagem. É raro, mesmo entre os intelectuais, que haja domínio dos instrumentos necessários para avaliar certos aspectos da linguagem dos candidatos, sem preconceitos (pró ou contra).
Mesmo jornalistas, que vivem da linguagem e se revelam curiosos em relação a numerosos outros campos, utilizam-se às vezes de critérios de avaliação linguística muito primários. Vou dar um exemplo, com dados antigos, mas que, certamente, continua válido (inclusive porque dados do mesmo tipo continuam ocorrendo; aliás, com mais de um candidato, embora só se anotem os fatos quando ocorrem com um deles).
O jornal Folha de S. Paulo de 3 de agosto de 1990, na página 8 do caderno A, sob o título PALANQUE, abaixo da fotografia de Luiz Inácio Lula da Silva, publicou uma citação e um comentário. A citação é parte da fala de Lula no programa eleitoral do candidato de seu partido ao governo do Estado de São Paulo, fala levada ao ar na véspera. O comentário é anônimo, e talvez possa ser atribuído a Nelson de Sá, que assina a reportagem na qual PALANQUE é uma espécie de Box. A citação é: "É importante que a gente saiba que as eleições é muito importante, porque as eleições pode fazer com que a gente possa escolher pessoas que tenham compromisso com a maioria do povo brasileiro".
O comentário é: "Lula caprichou na sua volta à TV. Livre da obrigação de ser eleito, sentiu-se livre também de respeitar a língua portuguesa. Inaugurou - com todo o conhecido estilo - a temporada de atentados à regência verbal".
O que a Folha fez em agosto de 1990, os jornais fizeram quase diariamente no ano anterior, durante a campanha presidencial. Além de discutirem as propostas dos candidatos, ora com maior, ora com menor profundidade e discernimento, opinavam às vezes sobre a própria forma da linguagem, a gramática dos candidatos. E surpreenderam neles alguns dos chamados erros de português. Coisas de pouca importância, tratadas com observações quase amadoras, como as referentes às orações relativas do candidato ruralista Caiado, que nelas denunciava sua identidade rural.
A imprensa foi quase incapaz de perceber as numerosas construções em tópico-comentário da maioria dos candidatos, provavelmente porque elas já fazem parte da própria gramática dos jornalistas, apesar de estas construções terem estrutura semelhante, quando não igual, aos combatidos anacolutos, o que confirma a ideia de que a mesma construção linguística é avaliada de maneira diferente, segundo seu usuário. A ideia pode ser resumida assim: figura de linguagem de aluno - ou "ignorante" em geral - é vício, e vício de linguagem de gente fina é figura. Se a imprensa noticiou "erros" de todos os candidatos, e se divertiu com isso, foi em relação ao candidato Lula que ela ficou mais atenta, e a expressão "menas maracutaia" foi citada com alta frequência, como se fosse a característica mais relevante de seu discurso. Mas, vejamos um pouco mais de perto a fala de Lula, em agosto de 1990: qualquer mestre-escola cuidadoso e sem preconceitos perceberia em seu texto duas construções não padrões (qualificadas normalmente de erradas): as eleições é e as eleições pode. Lembro que estava vendo o programa e que ouvi a primeira destas formas - não tenho certeza de ter ouvido a segunda (mas não seria de espantar que um ouvido atento, predisposto, ouvisse demais ou de menos) - e imaginei que Lula não seria perdoado por tê-la usado.
O comentarista do jornal destaca estas formas, que denunciam claramente a origem social do referido político: ele é um operário que não frequentou a escola por muito tempo, e o uso de tais construções denuncia claramente pessoas pouco escolarizadas. Qualquer investigação sobre o português do Brasil mostrará que a ausência de concordância verbal é uma das características mais evidentes da fala não culta ou mesmo informal.
Consideremos, porém, outros aspectos da fala de Lula: observe-se a ocorrência de com que a gente possa e pessoas que tenham. Lula usa variavelmente a regra de concordância. Isto é, não é verdade, como se poderia pensar, que ele nunca aplica tal regra. Além disso, usa até mesmo o subjuntivo, forma em desaparecimento na fala de muitas pessoas - a denunciar talvez uma tendência de nossa língua - e evidente marca de formalidade, ou, se se quiser, da fala de pessoas instruídas. Quem consultar algum manual de sociolinguística verá que Lula se comporta como qualquer dos falantes investigados em vários países: quando há uma regra variável (isto é, que ora produz uma certa marca, como a concordância, ora não), ele a aplica variavelmente (isto é, ora faz a concordância, ora não). O que esta fala denuncia em Lula é sua identidade social. Assim como a fala de Jânio denunciava mais que qualquer outra coisa seu arcaísmo (como é certamente o caso de Enéas, agora), assim se reconhece na fala de Lula sua origem de classe ou sua classe de origem.
Agora, analisemos o comentário do jornalista: primeiro, revela total desconhecimento de critérios pelos quais poderia entender o que ocorre na fala de Lula e o que isso significa efetivamente. Faltam critérios mínimos de análise de linguagem. Além disso, mesmo pelos sofríveis critérios que adota, o jornalista comete um erro grosseiro em seu comentário. Em sua análise é que ocorre efetivamente um erro, pelo critério que o próprio jornalista invoca e supostamente conhece e considera implicitamente que qualquer pessoa "competente" deveria conhecer.
Ele diz que Lula "inaugurou ... a temporada de atentados à regência verbal". Nenhum jornalista, que estuda um número razoável de anos na escola, bem mais do que Lula estudou, tendo numerosas pessoas e livros à disposição para consultar, mesmo na redação do jornal em que trabalha, e tendo à disposição o tempo que a escrita permite (mesmo ao jornalista), ao contrário do improviso da oralidade, como foi o caso de Lula, poderia cometer o engano que este comete: confundir regência com concordância. Na fala de Lula, seu estilo denota sua origem, na escrita do jornalista, seu erro denota, agora sim, uma certa incompetência.
Certamente, trata-se de falta de competência numa questão irrelevante, tão irrelevante que ele pode ser jornalista, talvez excelente, sem conhecê-lo, mas trata-se de efetiva ignorância. O que torna o fato grave não é a ignorância gramatical do jornalista, mas o fato de que foi uma tentativa de utilizar um conhecimento que é distribuído por critérios de classe como arma contra aquilo que o jornalista pretendeu que fosse a prova cabal da ignorância de Lula.
Mas o erro maior não foi confundir concordância com regência. Erro maior foi o jornalista escrever que Lula se sentiu livre de respeitar a língua portuguesa - uma forma de dizer que ele não segue regras do português em sua fala: se fala errado não fala português, se não fala português não fala língua nenhuma, então não fala, não sabe falar. Ora, isso é bem mais grave do que dizer de alguém que fala uma variedade inculta, ou popular, ou regional de uma língua qualquer. Não é preciso ser lingüista ou cientista para saber que falas diferentes são dialetos, e não fala nenhuma.
Fazer uma análise lingüística com critérios ruins equivale a fazer jornalismo com release, isto é, péssimo jornalismo. Por que se procuram fontes diversas para avaliar opiniões políticas, econômicas, morais, e não se buscam critérios diversos para analisar fatos de linguagem? (Terra Magazine)
* Acho que o senhor Caetano Viana Teles Veloso teria gostado de ter plantado, na mídia, o termo "apedeuta" para o presidente eleito e re-eleito pela vontade popular e não pelo desejo de intelectualóides da estirpe desse senhor de Santo Amaro da Purificação-BA. Como não conseguiu, arrebenta-se em sua eterna dor narcísica. Do blog Terra Brasilis
3 comentários:
Dona Xepa
Não acham que seria interessante um artigo sobre a classe artística e a intelectualidade brasileira?
Onde está essa turma? Será que ela se resume a Caetanos, Maitês, Reginas Duartes, Jôs? Quando havia a ditadura bradavam contra as injustiças e o regime. Seria um jogo de cena? Talvez sim. Curiosamente depois voltaram, eram a elite "intectual" num período de convívio se acomodaram e agora? Vou fazer uma revelação: Sou um brasileiro de 40 anos, não tive em minha juventude um despertar político que permitisse detectar e contestar aquele regime onde morava, no sul do sul da américa do sul na longíqua cidade "paradisíaca" de Rio Grande no Rio Grande do Sul.Longe de tratar a coisa como uma ditabranda, sei de todo o sofrimento de alguns, de muitos por uma país justo e decente, mas tenho que ser verdadeiro comigo e com meus colegas de comentários. Não vivi a ditadura, não senti ela na sua face mais algoz, mas imagino como pode ter sido: Exatamente como agora com essa mídia ditatorial. Todos estamos em uma ditadura, em que se finge escutar todos os lados e forja-se um consenso editando as manifestações e explorando o lado que lhes interessa. Mauro Carrara pegou na veia, ao defender Lula, embora este não precise disso, as classes que deveriam estar pensando o Brasil estão tuitando, surfando na boa fase econômica conquistada pelo metalúrgico, comendo desta comida e cuspindo no prato. O Lula merece ser tratado melhor que uma Dona Xepa desta gente ingrata e pouco cidadã. Deveriam estar propondo idéias para democratizar a mídia como faz Chico, questionando os acordos que rifaram nosso patrimônio em vez de corrigirem o jeito simples de se expressar de Lula. Onde está a massa de intelectuais brasileiros, no MSN? ou de pires na mão como Caetano atrás de dinheiro federal para patrocinar seu show de gosto e hoje talento duvidoso. O Brasil melhora a auto-estima,as finanças, a confiança, reage com força onde potências se atolam, e nossos intelectuais se ajoelham. Agem como a filha de Dpna Xepa, em casa,quando precisam se vestir e comer, comem contrariados, mas comem, na rua, nos microfones, dona Xepa é Cafona.
Era o que estava nos faltando para completar a saga do dia dos mortos, iniciada pela perambulação do FHC nas páginas da mídia com um papiro que ele trouxe do além. Agora é a vez do moribundo Caetano Veloso, numa típica declaração de quem não tem idéias para debater e mesmo assim se acha o supra-sumo da cultura mestiça, chamar o Lula de analfabeto. Caetano, cai na real, você hoje é uma chama esmaecida daquilo que um dia foi o sol da tropicália; do poeta que um dia quis aproximar o seu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo. Só mesmo os hermetismos pascoais, e os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas, pois no que depender da caricatura pós-moderna e retrógrada que você se transformou, não teremos mais do que o tolo e sôfrego discurso oportunista de quem não pode prescindir da próxima novelinha global para divulgar o seu sonzinho cabeça. Caetano, esse papo teu tá qualquer coisa. Você já tá prá lá de Marraquesh meu caro. Mexe qualquer coisa dentro doida e deixa a gente festejar o Brasil em paz!
É admirável a defesa da ignorância pela suposta falta da leitura do outro. Para criticar o crítico precisa de muita leitura. Para administrar o país não precisa nenhuma. Só da UNICAMP mesmo. Podemos ter esperança com este país?
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