quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Filme sobre Lula emociona, suscita debate e provoca ira da oposição

Vasconcelo Quadros, Leandro Mazzini , André Balocco , Jornal do Brasil
BRASÍLIA, RIO
- A direção e o elenco juram que é uma obra sobre a trajetória pouco conhecida do retirante miserável que virou presidente da República e um fenômeno de popularidade. Mas o filme Lula, o filho do Brasil estreou na terça-feira à noite na abertura do 42º Festival de Cinema de Brasília provocando uma discussão que promete esquentar até que o longa entre no grande circuito: trata-se de uma obra de arte ou apenas uma das peças destinadas a influenciar a cabeça do eleitor nas eleições do ano que vem? O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo – filho de um retirante pernambucano que também migrou, em 1949, num pau-de-arara para São Paulo – avaliou os efeitos da produção de forma irônica, mas precisa:
– O filme vai deixar a oposição nervosa. Mas ela não deveria ficar nervosa. É só escolher alguém e também fazer um filme. Poderia ser a história dos Maia, do Cesar e do Rodrigo – cutucou o ministro, citando o ex-prefeito do Rio Cesar Maia e seu filho, o deputado Rodrigo Maia (DEM). Sugeriu, inclusive, o nome da obra: Os Maia, disse Bernardo, logo depois de assistir ao filme. A cena que mais chamou sua atenção, naturalmente pela familiaridade, foi a da viagem de 13 dias no caminhão pau-de-arara.
Bernardo admite que o filme, que estreia em janeiro em circuito nacional, em cerca de 400 salas, vai causar um impacto positivo na imagem do presidente.
– A popularidade deve aumentar uns 10 pontos e a oposição vai propor mais uma CPI – prevê o ministro, em mais uma tirada de ironia.
Ele fez questão de ressaltar a ausência total de dinheiro público ou de recursos de estatais no patrocínio de uma produção estimada em cerca de R$ 16 milhões. Na lista de patrocinadores privados é difícil encontrar quem não tenha alguma relação de negócio com o governo federal: Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Oi, EBX, Volkswagen, Hyundai, Senai, Estre Ambiental, Grupo JBS-Friboi, Grandene, GDF Suez e Ambev.
– O Lula pertence ao Brasil, não ao PT. Ninguém vai fazer campanha com o filme – jura o deputado Cândido Vaccarezza, líder do partido na Câmara.
Paulo Bernardo acha que, mais que a popularidade de Lula, o que vai pesar mais no desempenho eleitoral da candidata a candidata do PT, ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, serão os programas que vêm sendo desenvolvidos pelo governo.
– O filme mostra quem foi Lula até 1979. Não há na obra nada de disputa política e não será explorado na eleição – afirmou o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP).
Essa, aliás, é uma grande sacada do diretor Fábio Barreto e de seu pai, Luiz Carlos Barreto, o Barretão. A última de uma série de cenas emocionantes mostra Lula voltando do enterro da mãe, dona Lindu, para a cela, em 1979. A autorização para participar do enterro foi uma concessão do então chefe da polícia política paulista, o hoje senador Romeu Tuma (PTB-SP) (pai do atual secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior), que aparece entre os policiais que à época prenderam Lula. O filme expõe um presidente cuja trajetória, da infância miserável à fundação de um novo sindicalismo, é uma história de superação. Emotivo e batalhador, o Lula retratado pelos Barreto é incompleto, mas real e autêntico.
– Ele é um dirigente sindical de esquerda, que queria comida na mesa do trabalhador. O Lula nunca foi comunista – resumiu Vaccarezza.
O Lula de hoje, segundo o líder do PT na Câmara, “é mais consistente”. Ou seja, não é mais o Luiz Inácio de dona Lindu.
– Tive receio de aceitar o papel com medo que fosse um filme político. Fui ver a história e achei fantástica – disse a atriz Glória Pires, que fez o papel da mãe de Lula.
De fato, O filho do Brasil, de Luiz Inácio a Lula, a biografia autorizada, da jornalista Denise Paraná, não permite dúvidas: Lula é conservador. Só entrou para o sindicalismo e mais tarde no confronto com o regime militar, “para ocupar a cabeça”, empurrado pelo irmão José Ferreira da Silva, o Frei Chico. E não foi porque teve um despertar de consciência política. Foi porque viu o irmão, este sim, um comunista, todo machucado, jogado numa cela dos porões da ditadura.
Lula não foi à estreia. Sua mulher, Marisa, o representou. Na plateia, entre os 750 lugares reservados ao governo, havia meio ministério e pelo menos um terço da base.
– É a história de êxito de um brasileiro. Lula é emotivo, um sobrevivente e reflete o povo – ressaltou o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).
É difícil não se emocionar com as cenas em que a primeira mulher, Lurdes, morre junto com o filho ao dar a luz; ou com o enterro da mãe. Mas o filme não foca no “animal político”, toca de passagem no sindicalista aguerrido e exagera no Lula emotivo. (V.Q.)
Oposição vê campanha. Mas sem base jurídica, só lamenta
Os partidos da oposição veem clara tentativa de o presidente Lula, com o filme de sua biografia, comover o cidadão justamente no ano eleitoral e fazer com que – não explicam como, no entanto – a candidata à Presidência Dilma Rousseff se beneficiar nas urnas com a história do aliado.
Os líderes do DEM, PPS e PSDB focam os ataques em Lula e nos governistas, mas, embora estranhem que os financiadores do longa sejam grandes empresas que têm contratos com o governo federal, evitam polemizar a questão (essas mesmas empresas são doadoras de campanhas dos partidos da oposição a Lula).
– Ainda avaliamos como podemos proceder (na Justiça) – disse Sérgio Guerra, presidente do PSDB. – Sem a menor dúvida o filme vai ter influência eleitoral. Mas o filme só mostra o lado positivo.
Para o presidente do DEM, Rodrigo Maia, o filme não muda em nada o projeto do partido.
– Lula tem o direito de mostrar a sua história, e não sei se isso vai influenciar na campanha – avalia Maia. – O eleitor vai assistir à trajetória passada de um presidente, mas vai escolher um presidente olhando para o futuro.
Roberto Freire, do PPS, foi o mais duro nas críticas:
– O filme pode ajudar, mas pode ter efeito bumerangue, porque o filme é muito bajulatório, e o povo não é bobo. Esconde uma série de coisas. Este governo é completamente destituído de parâmetros éticos. Mas não vamos fazer nada. (L.M.)
Para procurador, filme não tem propaganda eleitoral
Se a oposição acredita que pode realmente ganhar a batalha contra Lula, o filho do Brasil alegando que o filme narrando a vida do presidente é propaganda eleitoral antecipada, melhor mudar de estratégia. Segundo o procurador eleitoral do Ministério Público do Rio de Janeiro Marcos Ramayane, de 48 anos, é muito difícil fazer com que esta tese seja considerada pelo pleno do Tribunal Superior Eleitoral, órgão onde a queixa teria de ser impetrada. Acostumado a representar contra este tipo de problema, Ramayane não vê qualquer irregularidade no filme, que se resume a narrar a trajetória do presidente até o início dos anos 80, ou seja, antes da fundação do Partido dos Trabalhadores, que tem a ministra Dilma Roussef como uma de suas pré-candidatas.
– Ela (a película) teria de ter um pedido explícito de votos à sua candidata, pois só assim se caracterizaria a violação do artigo 36 da Lei 9504 de 1997 – defende Ramayane, que acumula as funções no MP com as de professor de legislação eleitoral.
Ramayane explica que a propaganda extemporânea, para ser definida juridicamente como tal, tem de começar antes de julho do ano em que o pleito se realizará. Mas, no caso de Lula, o filme não beneficia o presidente, já que ele não é candidato, apesar de provocar polêmica.
– Talvez ela esteja acontecendo porque seja uma propaganda subliminar. É muito difícil caracterizar a propaganda extemporânea neste caso.
Para que o eventual pedido da oposição encorpe no plenário do TSE, seria necessária ao menos uma cena em que o presidente aparecesse pedindo votos para a ministra Dilma Roussef ou outro candidato às eleições do ano que vem. Mesmo assim, segundo o procurador, apenas este trecho da fita seria questionado.
– Não vi o filme, mas pelo o que sei não há nada parecido com isso nele. O presidente está em seu direito de se manifestar, com liberdade de expressão, como está nos preceitos de nossa Constituição. É como se fosse uma peça de teatro, um livro. Não há crime, ele está dentro do direito da livre manifestação.
Mensagem - Se ao menos servir de consolo à oposição, o procurador reconhece que a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, retratada na telona, emociona e por isso mesmo serve como uma forma de divulgação de sua imagem, podendo beneficiar indiretamente sua candidata.
– Mas nem toda divulgação pode ser compreendida neste enquadramento da propaganda antecipada.
O apelo da fita que ainda não viu, mas aguarda com ansiedade, é tanto, que ele próprio aguarda ansioso a estreia do filme, dia primeiro de janeiro, para ir ao cinema.
– Vou porque me parece um filme interessante.
Para o senhor, procurador, e para muitos brasileiros. Os produtores de Lula, o flho do Brasil – e os políticos que o cercam – sabem muito bem disso. (A.B.)
Na pré-estreia sem Lula, vaias e confusão
Daniel Schenker *, especial para o JB
Todos sabiam que seria uma noite concorrida. E até tumultuada. Mas a confusão que tomou conta do Teatro Nacional Claudio Santoro, anteintem à noite, antes da exibição de Lula, o filho do Brasil, novo filme de Fábio Barreto que abriu, numa sessão não competitiva, a 42ª edição do Festival de Cinema de Brasília, surpreendeu. Os problemas começaram no momento em que a plateia de convidados se avolumou na porta de entrada do auditório e precisou esperar alguns minutos até ser liberada para passar por um espaço estreito. Em pouco tempo, o teatro ficou superlotado, com espectadores sentados nas escadas.
Quando os apresentadores deram início à cerimônia de abertura, a primeira saia justa da noite: um pequeno grupo de manifestantes subiu ao palco e estendeu uma faixa com a frase “Lula, liberte Cesare!”, em referência ao ex-ativista italiano Cesare Battisti, que teve sua extradição liberada quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora depende apenas da decisão do presidente. Em seguida, Luiz Carlos e Fábio Barreto foram chamados para apresentar o longa, que tem estreia comercial marcada para o dia 1º de janeiro.
Ao pegar o microfone, Luiz Carlos Barreto pediu que os espectadores sentados nas escadas se retirassem.
– Quero fazer um aviso. Do jeito que estamos dispostos nessa sala, com pessoas acomodadas nas escadas e nos corredores e sem a presença de bombeiros, qualquer coisa que aconteça representará perigo de vida – disse o produtor, vaiado pela maior parte do público.
Na sequência, Fábio causou mais mal estar.
– A equipe do filme está sem ter onde sentar porque a organização do festival não guardou lugar. Quero pedir que pelo menos 30 pessoas se levantem – sugeriu Fabio, que recebeu mais vaias.
Diante da reação contundente do público, a produtora Paula Barreto procurou acalmar os ânimos gerais e fazer com que a projeção começasse logo.
Na manhã de quarta-feira, durante a coletiva de imprensa, pai e filho voltaram atrás em suas críticas à organização do festival.
– Gostei da sessão. Os problemas não foram tão relevantes. A força do filme se impôs – destacou Fábio, que na véspera reclamou do fato de sua equipe não ter onde sentar e pedir para que pelo menos 30 pessoas cedessem seus lugares.
Luiz Carlos reiterou a fala do filho.
– O que aconteceu foi um acidente de percurso normal. Enfrentamos a mesma situação quando exibimos O quatrilho (1994), em Gramado – lembrou, mencionando outro filme de seu filho. – Quero agradecer à direção do festival, ponto de resistência do cinema brasileiro.
O presidente e a primeira-dama Marisa Letícia receberam a equipe do filme, logo após a exibição, no Palácio do Planalto. Lula preferiu não comparecer à sessão (assistirá na pré-estreia em São Bernardo do Campo, no próximo dia 28). O filme acompanha a trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde a infância paupérrima no sertão pernambucano até o momento em que se torna líder sindical no ABC paulista na passagem da década de 70 para a de 80. Abertamente favorável a Lula, a produção termina fazendo menção ao momento em que tomou posse, em 2003.
Escorado no livro homônimo de Denise Paraná, o diretor mescla a apropriação da trajetória do presidente com registros documentais de marcos da história brasileira, como o golpe de 1964 e a decretação do AI-5. Evoca o clima de euforia mesclado à tortura nos porões da ditadura durante a Copa de 70. E procura reeditar a atmosfera das greves do ABC em 1979/1980, contexto que também influenciou Leon Hirszman na transposição cinematográfica de Eles não usam black-tie (1980), de Gianfrancesco Guarnieri. Com boas interpretações do protagonista Rui Ricardo Diaz e de Glória Pires, o filme evita excessos melodramáticos e golpes de grandiloquência.
Glória Pires volta a trabalhar com Fabio Barreto depois de Índia, a filha do sol (1982) e O quatrilho.
– Gostei muito do modo como o público se manifestou. É a primeira vez que venho ao Festival de Brasília e representando dois filmes bastante diferentes – ressaltou, referindo-se também a É proibido fumar, de Anna Muylaert.
Rui Ricardo Diaz, por sua vez, acumulou experiência em grupos de teatro de São Paulo, como a Casa Laboratório, filial conduzida por Cacá Carvalho do Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale, dirigido por Roberto Bacci, na cidade italiana de Pontedera.
– Foram dois meses de preparação para viver Lula. Fábio me disse que eu deveria encontrar a pegada forte do personagem – conta Diaz.
Fábio Barrero também procurou se defender das críticas em relação ao tratamento excessivamente positivo dado ao presonagem principal.
– Nós procuramos humanizar Lula. Ele tem forças e fraquezas. Não quis mostrá-lo como alguém infalível ou perfeito. Minha intenção foi a de investir num melodrama e não num filme de cunho político – garantiu.
Ao final da coletiva de imprensa, Luiz Carlos Barreto anunciou sua aposentadoria como produtor.
– Quero dizer que, depois de 46 anos de trabalho, eu e Lucy seremos consultores da LC Barreto.
Lucy, porém, falou sobre projetos futuros como produtora: Flores raras e banalíssimas, centrado na figura da paisagista Lota de Macedo Soares, também protagonizado por Glória Pires; Madame Lynch, projeto com argumento de Manoel Carlos, e o documentário Entre rios e córregos, que traça um panorama de São Paulo, de sua criação até os dias de hoje.
* Daniel Schenker viajou a convite da organização do festival

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