terça-feira, 10 de novembro de 2009

Honduras pós-golpe: mais pobreza, repressão policial e violência


Antes do golpe, Ángel David já morava aqui, nesta colônia, onde o único espaço verde e horizontal é o cemitério, por isso as crianças aproveitam um buraco na cerca para jogar futebol ou brincar de esconder entre os túmulos de seus avós. O panorama de Ángel David não era muito animador.
Dividia os 8 metros quadrados de um barraco de madeira com seu pai, jardineiro desempregado, sua mãe, recém-grávida de seu quinto filho, e seus irmãos, o maior de 16 anos e o menor de 2. Não tinham banheiro, porque o último temporal o levou morro abaixo, mas sim eletricidade e telefone, boa educação e roupa milagrosamente limpa.

Mas veio o golpe e a vida de Ángel David, que já não era boa, começou a piorar. Seu país, o segundo mais pobre da América Latina, começou a receber sanções da comunidade internacional e seus 70% de pobres (40% sobrevivem com menos de US$ 1 por dia) foram ficando ainda mais desamparados.

O pai de Ángel David tinha cada vez menos trabalho. Sua mãe, menos dinheiro para fazer malabarismos. Ele, menos horas de aula. Como se fosse pouco, os dias em que o governo de Roberto Micheletti decretou o toque de recolher todos tinham de sair correndo por medo da polícia. Todos os dias chegaram em casa a tempo, menos em 21 de setembro.

Naquele dia havia-se espalhado por Honduras o rumor de que o presidente Manuel Zelaya tinha conseguido voltar ao país em segredo. Para comemorar, seus partidários convocaram concentrações em diversas áreas de Tegucigalpa, e o pai de Ángel David decidiu participar na colônia 21 de Fevereiro, vizinha a sua.

Ao voltar para casa, soado o toque de recolher, encurtaram caminho por um beco. Assustaram-se com o ruído de uma moto que se aproximava. Olharam para trás. Dois policiais vinham na moto. O de trás apontou para eles. Escutaram-se cinco disparos. Ángel David, de 13 anos, caiu redondo no chão com um tiro nas costas.

Passou um mês e meio. O taxista entra pela colônia 23 de Junho. O veículo mal pode avançar entre as pedras - a única rua asfaltada ficou para trás há tempo - e o medo que lhe causam os grupos de rapazes encostados nas esquinas. Há um momento em que não se pode continuar de carro. A mãe, Nelly Rodríguez, convida para entrar em seu único quarto, arrumado e limpo, e apresenta orgulhosa seus filhos, educados e bem vestidos.

Seu relato do que aconteceu é exato e conciso, e nele aparece sem maquiagem a realidade de Honduras depois do golpe: "Meu marido e meus filhos vinham andando lentamente e os policiais puderam ver que havia duas crianças, mas mesmo assim lhes atiraram pelas costas. A bala acertou os intestinos, o cólon, o baço, o fígado e também parte do pulmão. Mostre a cicatriz ao senhor..."

Ángel David levanta-se, obediente. Tem a marca do tiro nas costas e a grande cicatriz da operação. O que você sentiu nesse momento? "Angústia, senhor." E dor? "Também." E você perdeu os sentidos? "Sim." Como é a angústia? "Pensar que vai morrer." E sentiu medo? "Sim." E chorou? "Não."

Nelly continua contando: "O operaram de emergência. Esteve perto de morrer. A operação durou três horas e ele passou cinco dias em coma. Até que começou a abrir os olhos e a falar comigo. Esteve com oxigênio e com vários remédios que lhe deram no Hospital Escola. Mas como não tinham todos os medicamentos de que ele necessitava tivemos de comprar. Não havia agulhas nem esparadrapo nem algodão. Nem soro.".

O que vem a seguir demonstra até que ponto os protagonistas do golpe perseguiram os resistentes: "Um dia veio uma fiscal e me disse: 'Olhe, eu sou representante do direito do menor e a senhora corre o risco de perder seus filhos, porque o culpado pelo que aconteceu com seu filho não é o policial que disparou, mas a senhora'. Me disse que a culpada era eu".

Nelly começa a chorar, um pranto lento e silencioso que comove. As crianças ao seu redor prestam atenção. "E me disse quando meu filho estava em coma, ali mesmo diante da cama dele. Sim. Me disse que o policial não era culpado, mas eu..." Nelly foi ameaçada de não ter seu filho de volta até que a organização Cofadeh, que cuida dos familiares dos detidos e dos desaparecidos em Honduras, veio protegê-la.

A história de Ángel David é uma das centenas de casos dramáticos. Segundo a Unicef, "1.700 crianças hondurenhas menores de 5 anos morreram desde 28 de junho de 2009, à razão de 13 crianças por dia". A desnutrição e o péssimo atendimento de saúde contra epidemias como a da dengue hemorrágica são algumas das causas. Todos os dias cerca de 60 crianças ingressam no hospital de Tegucigalpa atingidas por essa doença. Mas não há como atendê-las por falta de meios. Tudo isso em meio a uma onda de violência que deixa 14 mortos por dia e inúmeras detenções ilegais.

É verdade que a vida em Honduras não era boa antes do golpe, mas agora é pior. Não é verdade, Ángel David?

Fonte: El País
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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