Como um sobrevivente, lembrei-me da “luzinha” da mesinha do computador, aquela à pilha, à prova de qualquer apagão. Ainda sem saber exatamente o que se passava, pus-me ao lado da pequena luz azul, que de forma brilhante passou a iluminar a sala escura que alguns minutos antes compunha um cenário comum do meu dia a dia nos horários noturnos de leitura. Com olhar distante e recostado no sofá, à meia-luz, passei a refletir sobre o que é viver sem energia elétrica, sem uma geladeira, sem uma televisão, sem luz no abajur para ler.
Pensei em como os efeitos de um mero acidente de transmissão de energia elétrica, por mais insignificantes que sejam, podem nos levar a situações de desconforto, perigo, pânico e, muitas vezes, desespero. A luz faz parte da nossa vida e, desde os primórdios da humanidade, está diretamente relacionada à nossa sobrevivência. Então, como é possível conceber que no Brasil 80% da exclusão de energia elétrica está no meio rural e que 2,5 milhões de famílias brasileiras residentes nessa área - ou seja, 12 milhões de pessoas - ainda não possuem energia elétrica em suas casas?
Naqueles instantes, o que para mim parecia algo insuportável fazia parte do cotidiano daquelas famílias no interior do sertão e em outras localidades. Na realidade, o mapa da exclusão elétrica no país revela que as famílias sem acesso à energia são de baixa renda e estão, na maioria, nas localidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano. Cerca de 90% dessas famílias têm renda inferior a três salários mínimos e 80% estão no meio rural.
Por bem o governo federal empreendeu um programa de inclusão de energia elétrica, o “Luz para Todos”, que visa utilizar a energia como vetor de desenvolvimento social e econômico dessas comunidades, contribuindo para a redução da pobreza e o aumento da renda familiar. Ao refletirmos sobre esses dados, vivenciando a escuridão temporária, talvez venhamos a enxergar no escuro a falta de oportunidade, o abandono desses brasileiros que vivem um eterno apagão social, onde, além da luz que não subsiste, enfrentam as dificuldades das pequenas cidades em que não houve a permeabilização do progresso.
Sem perceber, e perdido nas minhas reflexões, imerso naquele apagão, acabei adormecendo e acordando no dia seguinte, já com a luz e todo conforto. Lembrei-me então de uma frase de um antigo rabino da Polônia que dizia que a escuridão, as trevas não existem. O que existe é simplesmente a falta de luz. Um simples fecho de luz é capaz de iluminar a escuridão, e a simples vontade política e o compromisso com os pobres fazem com que os eternos apagões se tornem uma verdadeira luz de inclusão social, tornando as efêmeras faltas de energia da nossa cidade apenas um motivo para pensarmos num Brasil com um povo, enfim, iluminado.
Fernando Rizzolo é Advogado, Pós Graduado em Direito Processual, Professor do Curso de Pós- Graduação em Direito da Universidade Paulista (UNIP), Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, e membro efetivo da Comissão de Direito Humanos da OAB/SP, Articulista Colaborador da Agência Estado, e Editor do Blog do Rizzolo – www.blogdorizzolo.com.br, e autor do livro " Plano Detalhe" publicado pela Editora Giz.
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