terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Herança maldita tucana

Um monumento ao desperdício
Leandro Fortes
Prestes a completar 103 anos de idade, o arquiteto Oscar Niemeyer tem uma única pendência na vida: resolver um calote de 200 mil reais que levou do governo de Goiás. A dívida diz respeito ao projeto do Centro Cultural Oscar Niemeyer, um elefante branco de 17 mil metros quadrados, na entrada de Goiânia, levantado ao custo de 60,8 milhões de reais, mas abandonado desde que foi inaugurado, inacabado, pelo então governador Marconi Perillo, no último dia de seu mandato, em 30 de março de 2006. A obra, no entanto, foi entregue ao eleitor sem estar concluída ou paga, com erros de cálculo estrutural e sob suspeita de superfaturamento. Trata-se de um complexo formado por museu, biblioteca, teatro e um monumento aos direitos humanos. Abandonados há quatro anos, os prédios estão em franca degradação física.
Definido por Marconi Perillo, no discurso de inauguração, como “um ícone da Marcha para o Oeste puxada por Juscelino Kubitschek”, o Centro Cultural acabou por se transformar num monumental pepino a cair no colo do governador Alcides Rodrigues, do PP. Ele assumiu o governo em 2006, quando Perillo renunciou para concorrer ao Senado Federal, para então reeleger-se, no mesmo ano, para o cargo, com o apoio do tucano. Hoje, rompido com o antigo aliado, recusa-se a reiniciar as obras antes do pronunciamento final do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre o assunto. Herdou, além da obra inacabada, o constrangimento de fazer parte de um calote dado no arquiteto centenário que dá nome ao complexo cultural.
Gerente do projeto, o arquiteto João Niemeyer, sobrinho-neto de Oscar, tentou diversos contatos com o governo de Goiás para receber a parte que falta ao escritório da família – cerca de 200 mil reais, de um total de 2 milhões de reais –, mas não teve sucesso. De acordo com a assessoria do governador Rodrigues, não será possível buscar uma solução antes de saber a decisão final do TCE. Politicamente, isso significa que a coisa ainda deverá demorar um bocado, apesar da idade avançadíssima do principal interessado no caso, justamente o arquiteto que dá nome ao Centro Cultural.
Embora fora do governo estadual, Marconi Perillo, em quase oito anos de mandato, aparelhou politicamente o TCE, onde ainda mantém grande influência, inclusive sobre o relator do processo do Centro Cultural, o conselheiro Naphtali de Souza, também ex-governador do estado. Por essa razão, não há quem aposte numa solução antes das eleições de outubro.
CartaCapital esteve no Centro Cultural. A primeira visão que se tem do lugar é o da pirâmide vermelha bolada pelo arquiteto, uma representação artística feita em favor dos direitos humanos. Exposta ao sol, mas sem manutenção, o monumento desbotou. Virou uma pirâmide rosa. Abaixo dela, galeria e auditório apodrecem aos poucos. As instalações elétricas pendem do teto, as cadeiras estão cobertas de poeira e um dos vidros blindex foi quebrado e substituído por uma placa de compensado de madeira. A sala de exposições levou o nome de Célia Câmara, mãe de Jaime Câmara Júnior, dono da maior rede de comunicação de Goiás, inclusive a TV Anhanguera, retransmissora da TV Globo. Trata-se de um forte aliado de Marconi Perillo.
Nada se compara, no entanto, ao estado geral da biblioteca. Projetada para abrigar 140 mil livros, o prédio, todo de vidro fumê, é um esqueleto gigante onde se abrigam dezenas de fileiras de estantes vazias. A estrutura interna está completamente comprometida pelas infiltrações e pela oxidação das partes metálicas que não foram pintadas, como corrimões e esquadrias de sustentação. Há buracos no forro do teto onde, por entre teias de aranha, despencam fios, canos e luminárias. No terraço, 78 peças de vidro fumê, da época da construção, estão escoradas numa parece onde alguém escreveu, com giz de cera vermelho: “Prove o abandono”.
O mais grave é que, em novembro de 2005, portanto, quatro meses antes da inauguração, o então diretor de Obras Civis da Agência Goiana de Transporte e Obras Públicas (Agetop), Luiz Antonio de Paula, informou ao governo Marconi Perillo da impossibilidade de a biblioteca receber livros. Um ofício assinado por ele, encaminhado ao então presidente da Agência Goiana de Cultura (Agepel), Nasr Nagib Chaul, informava que somente o primeiro pavimento do prédio, de quatro andares, poderia ser utilizado como biblioteca “em face às sobrecargas adotadas pelo calculista estrutural”. Ou seja, se encher de livro, o edifício vem abaixo.
O relatório do TCE, baseado em vistorias e análises contábeis, não só enumera uma grande quantidade de problemas estruturais, de trincamentos a infiltrações nas paredes, como aponta uma série de sobrepreços (superfaturamento) ao longo da construção, orçada, inicialmente, em 37,4 milhões de reais, mas que consumiu, até agora, 60,8 milhões de reais. A construtora contratada pelo governo, Warre Engenharia, calcula que ainda faltam pelo menos 10 milhões de reais para o Centro Cultural ficar, definitivamente, pronto. “Temos todo interesse em concluir o centro, mas não podemos fazer nada até o pronunciamento final do Tribunal de Contas”, justifica Linda Monteiro, atual presidente da Agência de Cultura, a qual o Centro Cultural ficará subordinado, quando pronto.
O senador Marconi Perillo afirma que o abandono do Centro Cultural Oscar Niemeyer foi premeditado por seu sucessor e ex-aliado Alcides Rodrigues a fim de desgastá-lo politicamente. Perillo é candidato ao governo de Goiás nas eleições de outubro e trava uma briga cada vez mais acirrada com Rodrigues. Segundo o senador tucano, “99%” da obra estava concluída quando o complexo foi inaugurado. “O problema é que o governador, que era meu vice e estava na inauguração elogiando o projeto, me traiu”, diz Perillo. “Se eu tivesse continuado no governo, teria concluído o restante da obra em 30 dias”, garante.
“Inaugurei o que estava pronto”, explica, para justificar a entrega da obra ainda inacabada. Segundo o senador, havia o compromisso público de Alcides Rodrigues em não só completar o complexo cultural, mas, também, pagar o arquiteto Oscar Niemeyer. “Eu deixei o dinheiro empenhado para isso”, afirma. “O governador resolveu, por capricho, deixar de terminar uma obra tão importante para o povo de Goiás”, acusa Perillo, com extrema candura a despeito do tom vibrante.
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