sexta-feira, 30 de abril de 2010

Zé Serra, o justiceiro

Urariano Mota
Para comentar a entrevista de José Serra ao apresentador José Datena, melhor seria narrar o gênero de instigadores de violência em programas policiais na tevê. Para os limites desta coluna, falemos então do estilo desse indivíduo alto, gordo, cheio de certezas da classe média, mais conhecido por José Luiz Datena. Corajoso por roteiro, o que vale dizer, fanfarrão o tempo todo, Datena fala alto, grosso, raro deixa o entrevistado falar. O diabo é que, nesse particular, ele sofre do estrelismo de quase todos entrevistadores da televisão, que sempre sabem mais que o entrevistado. Jamais compreenderão que o brilho é da entrevista.
Mas vamos ao que interessa.
O estilo Datena de apresentação do programa na tevê é o velhíssimo estilo de programas policiais: ele transforma todo público em cães raivosos. “Ah se eu te pego”, é conduzido a dizer para si o mais pacato telespectador. Datena usa ao limite do abuso o recurso da narração nas imagens. Ele faz ver o que os olhos não veem. Se me entendem, ele põe molduras, percepções arbitrárias nas pessoas, ora pessoas!, nos bandidos. Se o miserável sorri, ele pontua: “olha o cinismo dele, olha a frieza do marginal”. Mas se o miserável chora, “esse cara num tá chorando, é tudo mentira, é um canalha”. Datena transforma pessoas em feras, tanto as do lado de lá da tela, quanto as do lado de cá, que o veem. Datena detona. No seu comum, o apresentador, com o à vontade dos ignorantes, exibe "reportagens" que, não bastassem a violência dos crimes, são envenenadas por ele, que insinua, induz e leva todos à conclusão, “bandido tem que ser morto”.

A entrevista, maneira de dizer, a encenação que ele fez com José Serra, possuiu características de espetáculo armado, de roteiro aprovado antes pelo candidato. Em uma hora de programa, em um só momento o candidato não foi questionado sobre o desastre da educação em São Paulo, a saber, livros pornográficos adotados, falseamento de índices de aproveitamento escolar, professores tratados a porradas, assinaturas de revistas e jornais dos grupos amigos... mas aí já era querer demais. O apresentador, de perfil sumô, preferiu ficar leve no bate e rebate do vôlei: levantava a bola, Serra cortava, simulavam desacordo, para melhor enganar o adversário. E a bola rolava na dupla José Serra e José Datena.

José e José, Zezé, poderia ser dito. Os dois zés em uma só pessoa. Eles dividiram, confirmaram, comungaram até nomes de médico. Então o Zé, Datena, expôs o seu programa de política externa, sob acenos afirmativos de Serra. Disse Zé Datena: “ com esses vizinhos xaropes que nós temos aqui, eu não encontro outro termo, com esse Chaves, que é um ditadorzinho de republiqueta barato, esse Morales não fica muito diferente, com aquele cara do Equador é a mesma coisa, e daí por diante... ”. Mais: “O senhor pretende continuar aumentando esse poder militar do Brasil – não é pra atacar ninguém, mas é pra se defender de um cara desses, que de repente surta à noite, e ‘ah, vamos atacar a amazônia’... o que o senhor pensa com gasto militar?” E Zé, Serra, complacente: “Não sou admirador do Chaves, se você me perguntar”. Ao que completou o expert em política internacional Datena: “Eu não gosto dele”.

De repente, num deslize mais autêntico, o apresentador
se referiu a bracelete de perna. Serra e produção corrigiram, amigáveis, num sussurro, “tornozeleira eletrônica”, e a bola voltou a rolar. Então Datena abriu as reportagens para o comentário do especialista José Serra, que num momento de inocência perguntou ao apresentador em voz suave, “como você obtém essas imagens?”. O Zé Datena nem sorriu. A hipocrisia humana é ótima. Mas logo o Zé, Serra, assumiu o papel de justiceiro, perdeu a doçura, porque diante da violência das imagens de abusos de crianças, falou ao senso comum, com o reforço do preconceito e das cavernas, em técnica fascista, a premiar os instintos básicos. Repetiu conforme o script do programa: “é preciso engaiolar os bandidos", é preciso ser feroz com os "pedófilos malditos".

Então o outro Zé, Datena, expôs o seu plano de segurança para o Brasil, o maravilhoso plano que, se desse certo, acabaria com a sua profissão: Zé, o Datena, propôs que o Exército, a Marinha e Aeronáutica combatessem o crime. E didático, completou: o Exército por terra, a Marinha pela água, e a Aeronáutica, já viram, no céu, nas fronteiras do alto. A isso o candidato não se vexou, e deu a solução para a violência, contra os bandidos e malditos pedófilos. Enquanto a baixada santista se acaba em uma guerra, enquanto a embaixada dos Estados Unidos recomenda que seus cidadãos fiquem longe do paraíso paulista, Zé Serra, o justiceiro, anunciou para o Brasil a criação do Ministério da Segurança Pública. “É um compromisso”.

Resta a esperança de que um dia algum entrevistador, fora do script, pergunte a ele por que não propõe o Ministério da Cara de Pau.

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