terça-feira, 22 de junho de 2010

Golpe na soberba francesa

Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo

Os dicionários de sinônimos foram revirados nas redações dos jornais na noite de quinta-feira. Mal acostumados com uma derrota da equipe dos azuis como a ocorrida diante dos mexicanos, os jornalistas procuravam sinônimos para "nulo", "grotesco", "escandaloso".
Impossível reproduzir todos os insultos distribuídos pela imprensa aos jogadores franceses. Foram coisas como: "limpeza asteca", "o tricolor esmagado", "vergonha azul", "azul-grisalhos", "tricolores em preto e branco", "palhaços na zaga"...
Os jogadores foram passados em revista um por um, e todos massacrados.
Aquele que recebeu a maior quantidade de imundície foi Ribéry. O Libération afirmou: "Ribéry é um pião: roda e roda sobre si mesmo, a ponto de cavar um buraco no gramado e afundar nele".
O que os jornais não dizem é que eles mesmos alimentaram durante meses uma verdadeira histeria em torno da equipe azul. Evidentemente, os jornalistas sabiam que este "bando" era nulo, mas esta nulidade era um artifício. Uma ilusão de óptica. Um estratagema.
Os franceses fingiam-se de nulos para embalar o sono do inimigo.
Quando chegasse o dia, esmagariam, pulverizariam os pobres mexicanos, os lamentáveis uruguaios, os tristes sul-africanos. E ganhariam a Copa, como já fizeram por distração, em 1998, na época de Zidane.
Os responsáveis pelo espetáculo daqueles torcedores ridículos, que vimos na saída do jogo em seus disfarces tricolores de papel crepom, enxugar as lágrimas exageradas de suas figuras de palhaços, são os jornais, as TV, são os políticos franceses, com seus discursos delirantes, recendendo a pretensão, vomitando besteiras sobre a superioridade da França. A vaidade é o pecado mortal da França.
Os "especialistas", que são quase tão idiotas quanto os jogadores, estão procurando as causas da derrota francesa: seria culpa de um técnico ridículo como Domenech? Mas isto não é tudo: há principalmente todo o dinheiro que se despeja como uma Catarata de Iguaçu sobre os jogadores, o dinheiro que os anestesia, os torna irritáveis, preguiçosos, cheios de menosprezo.
A França embala, mima, bajula, venera seus jogadores como se fossem deuses. Na África do Sul, este grupo de pernetas foi hospedado em um palácio de 5 estrelas, caríssimo, indecente. Eles foram tratados como cocotas da Belle Époque, como "putas de luxo".
Foram campeões do mundo em indecência. Há alguns dias, na África do Sul, eles tiveram a oportunidade de mostrar sua fibra social e ética.
Visitando um bairro miserável, estes "bilionários" se pavonearam diante daqueles molequinhos pretos, literalmente embriagados de prazer por poderem ver e tocar os "deuses do estádio".
Os deuses rodopiaram, fizeram pedaladas. Um deles distribuiu presentes às crianças maltrapilhas. Que presentes? Uma caneta Bic para cada um.
Do fundo do coração, o bilionário francês ofereceu uma caneta aos meninos negros que choraram de alegria, de gratidão. Que vergonha! Agora estão aí, com o nariz na terra. Fizeram por merecer. Todos: o técnico, a federação, os ministros que encorajaram este bando de medíocres, os jogadores enfarpelados em sua vaidade, seus egoísmos, seus euros, suas rivalidades suicidas.
Esperemos que mudem rapidamente de status: que passem da categoria de semideuses à de "souvenirs", "Out!" Fora com os azuis!
O Le Monde lhes dedicou seu editorial de ontem. O jornal leva a farsa ao plano do político e até mesmo da história. Em um movimento lírico e grotesco, sugere um paralelo entre a surra dos azuis e a fuga do exército francês diante do exército alemão, em junho de 1940, durante a Segunda Guerra.
A continuação do editorial é melhor ainda. "Como não ver nesta equipe um espelho da sociedade francesa? Dominada por egos atormentados e salários de astros, completamente fora da realidade do país e dos seus torcedores, fragmentado em múltiplos clãs ? negros de origem antilhana, negros de origem africana, brancos, muçulmanos, expatriados de luxo ou residentes na França, filhos da periferia, revanchistas, ou vindos da modesta província ?, este futebol abraça os contornos do país. Sem acrescentar o que deveria inspirá-los: a realização e a cultura do resultado.
É COLUNISTA E CORRESPONDENTE DO "ESTADO" EM PARIS
Aqui: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100619/not_imp568948,0.php

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