Mauricio Dias
Interferência ilegítima e juridicamente duvidosa partidariza os tribunais eleitorais
Por cinco vezes Lula foi multado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em decorrência de suposta manifestação favorável à candidatura de Dilma Rousseff, sob o argumento de que houve propaganda antecipada. Essas punições, efetivadas em multas e contra as quais o presidente recorre, viraram mote da oposição. Mais grave, porém, do que a ladainha de denúncias feita por adversários do governo, foi a intromissão no debate de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Também integrante temporário do TSE, o ministro Marco Aurélio Mello politizou radicalmente a questão ao falar de uma possível impugnação futura da candidatura de Dilma Rousseff. Um golpe jurídico anunciado?
Mas Lula desrespeita a lei ou será que a lei corrompe regras da democracia eleitoral?
O cientista político Fabiano Santos, professor e pesquisador do Iuperj, que tem se dedicado ao estudo da legislação eleitoral brasileira, não vacila. Quando é motivado a dar uma resposta a essa pergunta, ele denuncia:
“A interferência do TSE nesse processo é ilegítima e duvidosa de um ponto de vista jurídico. Juridicamente duvidosa porque cada juiz, dependendo de suas inclinações e crenças políticas, tenderá a votar de maneira específica. Ilegítima porque partidariza a atuação da Justiça Eleitoral”.
Ele vai à frente: “No caso de Lula, o pretexto é o de que o presidente é muito popular, sendo o discurso dele, a favor desta ou daquela linha política, prejudicial ao processo democrático. Custa-me crer que alguém possa defender tal raciocínio apoiado em alguma noção de democracia”.
Parece claro que a lei que proíbe antecipação de campanhas não existe para impedir que a população identifique entre os postulantes e lideranças quais os que estão associados ao governo, tenha este alta ou baixa popularidade.
Essa legislação que proíbe campanha antes das convenções partidárias é de 1997. Tem origem no próprio Legislativo e decorre, certamente, da tentativa do Congresso de amainar os efeitos da emenda constitucional que passou a permitir a reeleição. Fabiano Santos deduz daí que há uma “evidente intenção do legislador de impedir que as vantagens naturais do que os americanos chamam de ‘incumbência’ retirem qualquer caráter competitivo dos pleitos”.
Segundo ele, a partir da possibilidade de “várias interpretações” da lei, os tribunais eleitorais passaram, porém, a definir o que pode ou não ser considerado “ato de campanha”.
“Vários fatores deletérios decorrem disso, sendo o mais grave deles a distorção do papel histórico da Justiça Eleitoral”, alerta Santos.
Para ele, a consequência natural dessas distorções é que, em vez de zelar pela verdade eleitoral, os tribunais regionais e o TSE “passem a tutelar o processo em nome de uma atribuída pureza de conduta política”.
Uma pureza fatal. Os juízes, diz, “tornaram-se participantes ativos da disputa eleitoral”.
Por todo o País há reflexos disso. Segundo o professor do Iuperj, “no âmbito local, a ameaça de impugnação, sob o pretexto de antecipação de campanha, tornou-se poderosa arma de fragilização de candidaturas”.
Virou fato corriqueiro nas disputas estaduais País afora e, também, nas competições municipais, quando entram em jogo as prefeituras. Isso ocorre “invariavelmente em favor das oligarquias bem estabelecidas”, observa Santos.
Assim, a própria Justiça Eleitoral, criada em 1930 para expurgar intromissões indevidas das oligarquias no domínio do voto, pode botar tudo a perder agora. Ou ainda pior. Pode definir o ganhador. Partidarizada dessa forma, novas oligarquias, togadas ou não, podem recuperar a influência nas competições eleitorais.
CartaCapital
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