domingo, 6 de junho de 2010

A Lenda dos Sem-Programa

Artur Araújo
A operação de marquetagem “Serra-continuador-de-Lula” vem tendo sucesso nas hostes jornalísticas. Ainda que nenhum dado de realidade possa lastrear essa crença – e ainda que sucessivas pesquisas mostrem que o eleitorado não vê o mundo assim – persistem, dizendo que as identidades seriam mais profundas que as contraposições. Uma expressão desse fetiche é falar que ao tucano falta um programa.
Que veículos de comunicação partidarizados assim procedam, é do jogo. Interessa-lhes dar guarida à linha de marketing de seu candidato e criar uma pauta que confunda os adversários. Assumir essa fábula como verdade, no entanto, pode desorientar muito.
São três os elementos que enviam a tese ao depósito dos erros políticos. O primeiro é uma avaliação realista do que foram e são as gestões de Serra em São Paulo (a municipal prossegue através de procurador). Geração contínua de reservas de caixa, aplicadas a juros amigos da banca, e estrangulamento financeiro e de gestão dos serviços públicos - educação, saúde, segurança, transportes - sintetizam o modo tucano de governar.
Muito emblemática foi a recusa de Serra e Kassab, ao longo de 2009, a pôr em prática qualquer ação de corte anticíclico. Às eficazes medidas do governo federal – injeção de liquidez, expansão do crédito via bancos públicos, desonerações tributárias emergenciais, estímulo explícito ao consumo das famílias – retrucaram com crítica contínua e inação continuada.
Um segundo indicador da existência do Programa Serra são as “análises” emitidas por seu entorno. Bastou o Brasil demonstrar o acerto da política de combate à crise proposta por Lula, que nos livrou do retrocesso econômico e social bem antes dos países capitalistas centrais, que a grita se estabeleceu.
Abundam artigos, palestras e entrevistas de “economistas” que narram o apocalipse às portas. Para eles, o Brasil tem “limitantes estruturais” de crescimento e a retomada do desenvolvimento é o caminho para a ruína. Um deles pontifica que, além do limite de crescimento do PIB à taxa de 3,5% ao ano, devemos aceitar que a taxa de desemprego não pode ser menor que 9%. Tudo além disso, em aumento de produção e consumo – ou aquém disso, como mais brasileiros dignamente empregados –, seria inflacionário e desestruturante. Passaram décadas a pregar o “livre” comércio e a desindustrialização do país, defendendo a abertura sem peias às importações e demonizando qualquer tentativa de políticas industriais. Agora são campeões do “equilíbrio das contas externas” e da “revisão do câmbio”.
Essa “turma dos com-programa” se recusa a tratar o aquecimento da economia com choque de oferta e com superação de gargalos – de infraestrutura e de formação de mão-de-obra especializada –, lançando mão da indução ou da ação direta do Estado. É a velha “turma dos 30%”, os que descobriram um jeitinho de ganhar muito dinheiro com a inclusão, no mercado e na sociedade, de uma apenas uma parcela dos brasileiros e de uma parte do território nacional. A eles, muito juro, zero risco e gordos honorários, por prestação de serviços aos EUA e à União Européia. Aos excluídos, nem as batatas. Talvez um “programa social focado”, que os mantenha dóceis como exército de reserva e espantalho de ameaça aos salários.
O terceiro elemento que nega a falta de programa – e mesmo qualquer identidade programática entre Serra e Dilma – é a trajetória internacional da social-democracia “clássica”. Há muito mais semelhanças - ideológicas, políticas, até mesmo estéticas – do que eventuais diferenças entre FHC e Serra, como querem fazer crer os marqueteiros do tucanato. E basta um rápido olhar em direção ao trabalhismo inglês, ou uma mirada de relance no que fizeram os socialistas franceses e espanhóis, desde a década de 1980, para que se compreenda o que é o PSDB.
Se ainda persistem dúvidas sobre a rendição dos social-democratas ao neoliberalismo, a leitura dos jornais as esclarece, dando conta do que pensa e pratica essa corrente. Fomentaram a desregulamentação dos mercados europeus, tentaram desmontar o “Estado de Bem Estar”, deram carta de alforria à alta finança, estimularam bolhas de crédito e imobiliárias. Quando a orgia de capital fictício ficou impotente, endividaram irresponsavelmente seus governos, para socializar os prejuízos da banca. Assim que seus amigos de Wall Street e da City londrina colocaram em dúvida a solvência da Grécia, da Espanha, de Portugal, entre muitos outros, não hesitaram em descarregar a fatura no lombo dos trabalhadores: redução de salários, corte de benefícios, aumento do imposto sobre o consumo, redução de aposentadorias, diminuição de serviços públicos.
A estratégia do Serrinha Paz & Amor tem dado mostras de fadiga. Tensionado pelo insucesso e pela pressão contínua de seu entorno, o candidato testa limites e reorientações. Já andou desenterrando a ALCA; como Ms. Clinton, não gostou do Acordo de Teerã; parece que pretende invadir a Bolívia, para lá fazer o que sua polícia não fez em São Paulo. Nesses momentos afloram os traços do que Serra pensa e quer do Brasil.
O ruído entre o que prega a campanha e o que elocubra o candidato se faz ouvir e dá mostras do programa que se quer ocultar. É um programa de uma perna só – a mais completa e desabrida hegemonia das finanças e do capital a serviço do Império. Quase um saci. E, como o saci, também é uma lenda o Serra Sem-Programa. Enviado por Marco ACF de Almeida - macfa40@yahoo.com.br
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