quarta-feira, 2 de junho de 2010

Há muito que Israel mata manifestantes desarmados

Israel passou dos limites. Os ataques a “Flotilha da Liberdade”, grupo de barcos de ajuda humanitária que seguiam para a Faixa de Gaza, na Palestina, na segunda-feira, causaram furor internacional e foram chamados de “derramamento de sangue” pelo secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) Ban Ki-moon. O Conselho de Segurança, em reunião emergencial em Nova York, exigiu uma investigação detalhada do “incidente”. O chargista Carlos Latuff, seguindo o histórico de impunidade as várias formas de truculência por parte do governo de Israel, não acredita que será dessa vez que o país sofrerá sanções da ONU.

O carioca Latuff, que herdou o sobrenome do avô libanês Nagib, vem militando a favor da causa palestina desde que fez uma viagem aos territórios ocupados da Cisjordânia em 1999. Tem na charge, ofício que exerce de forma política há 20 anos desde que começou a desenhar para publicações sindicais, seu meio de expressão para mostrar de maneira mais explícita e artística um contraponto que você não encontra nos grandes meios de comunicação.

Latuff se tornou um artista bastante controverso ao botar o dedo na ferida de assuntos delicados como o imperialismo estadunidense e a violação dos direitos humanos, mas tem na aparente insolúvel situação entre Israel e Palestina o seu principal nicho de manifestação artística. Abaixo leia entrevista concedida por Latuff a CartaCapital em que fala sobre a proteção internacional dos EUA a Israel e as possíveis soluções para uma paz entre israelenses e palestinos.

CartaCapital: Como você vê esse ataque israelense a "Flotilha da Liberdade"?
Carlos Latuff: Há muito que Israel mata manifestantes desarmados. Foi assim com Rachel Corrie, esmagada por um trator israelense em 2003 quando tentava impedir a demolição de uma residência palestina e com Tom Hurndall que levou um tiro na cabeça de um atirador de elite israelense em 2004. Sem falar nos jovens palestinos abatidos a tiros quase todos os dias em protestos na Cisjordânia, que tem pouca ou
nenhuma cobertura da mídia.

CC: Qual tipo de punição você acha que seria justa a Israel?
CL: A única punição que Israel recebeu até hoje foram de grupos como Hamas e Hezbollah, já que os Estados Unidos preservam seu satélite de qualquer tipo de sanção legal por parte das Nações Unidas. Obama e Hillary Clinton falam de sanções contra o Irã todos os dias, falam que "todas opções estão na mesa" contra Teerã, mas quando se trata de Tel Aviv, nenhum tipo de reprimenda, por mais leve que seja, é levada a cabo. É Washington que faz Israel imune as leis internacionais.

CC: Você não acha que dessa vez a truculência de Israel foi tanta que que deverá resultar numa punição mais severa das entidades internacionais, como do Conselho de Segurança da ONU?
CL: Truculência tem sido a marca registrada do estado de Israel ao longo dos anos. São milhares de civis palestinos assassinados pelas ações militares de Israel em Gaza e no Líbano, incluindo o uso de bombas de
fragmentação e de fósforo branco, e mesmo assim não houve resposta enérgica das Nações Unidas, graças a sempre pronta interferência estadunidense. Um dos meios de pressão da sociedade civil tem sido as campanhas de boicote econômico e cultural a Israel. Campanhas semelhantes foram importantes contra o regime sul-africano do apartheid.

CC: Você acha que esse evento pode melhorar a imagem da Palestina internacionalmente?
CL: Isso não posso dizer, mas certamente o sangue derramado dos palestinos tem corroído a já desgastada imagem de Israel perante a opinião pública mundial, tanto assim que o país tem investido pesado em relações públicas. Mas não tem assessoria que possa convencer o mundo de que foi justificado atirar em ativistas desarmados que levavam alimentos e remédios a Gaza.

CC: Independente do último ataque de Israel, você acha possível um acordo de paz entre Israel e Palestina?
CL: Com políticos como Benjamin Netanyahu, Avigdor Lieberman, ou mesmo o Nobel da Paz Shimon Peres, que negociou armas nucleares com o regime do apartheid, paz é algo que Israel definitivamente não pode oferecer. Acredito que um acordo justo pudesse acontecer se Uri Avnery, Norman Finkelstein ou Noam Chomsky fossem os líderes do país.

CC: Você consegue enxergar uma solução, mesmo que pessoal, para a aparente insolúvel situação em que Israel e Palestina se encontram?
CL: Os movimentos sociais palestinos e israelenses falam não em uma única solução, mas soluções, como a criação de um estado para os dois povos ou dois estados. De qualquer forma, qualquer solução seja ela qual for, passa pelo reconhecimento do direito palestino a soberania e a lei de retorno dos refugiados palestinos, lei essa que atualmente vale apenas para os judeus da diáspora.

CC: Você acha que os judeus israelenses, com o muro e outras atitudes similares, fazem com os palestinos o que for feito com eles no holocausto? Não com as mesmas proporções, da mesma forma e com outros motivos, mas é do mesmo jeito uma cultura mostrando superioridade sobre a outra simplesmente porque pode e acha isso correto segundo o seu ponto de vista? E você acha que os judeus israelenses usam isso como justificativa para o que fazem, mesmo que não explicitamente?
CL: Apesar dos judeus em sua maioria se identificar automaticamente com Israel, não se pode dizer que a totalidade deles é alinhada com as políticas genocidas de Tel Aviv. Mesmo que hajam similaridades entre o tratamento dos nazistas aos judeus e o dos israelenses com os palestinos, não creio que haja uma política de extermínio tal qual a que foi levada a cabo por Hitler na Europa. Mas é certo que, para os dirigentes israelenses, seria muito bom se não houvesse mais nenhum palestino naquela região. São muitas as vozes em Israel que pedem a deportação dos palestinos.

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