quarta-feira, 7 de julho de 2010

Desperdício de Vocações e Sonhos Apagados




* por FERNANDO RIZZOLO

Uma das características do ser humano é a observação, e ela se torna ainda mais intensa quando acompanhada de uma reflexão de cunho social. Não porque seja ela mais nobre, mas porque, de certa forma, toca mais à essência do que é o justo, coerente, e digno. Ainda me recordo aquele dia, um dia comum, como qualquer outro, quando voltava de uma audiência no centro da capital paulista e em determinado momento percebi um ruído metálico no meu carro.

Como sou pouco conhecedor de mecânica, entendi que o mais apropriado era parar em uma oficina e verificar o que ocorria. Assim que cheguei, fui atendido pelo proprietário que me encaminhou a um funcionário que era soldador. Na verdade, o problema consistia em soldar minuciosamente uma parte do escapamento. Tão logo fui apresentado, o rapaz me disse que teria de levantar o veículo e fazer a delicada soldagem com precisão.

Com muita destreza e o olhar fixo, ele conseguiu realizar a sua tarefa com a perfeição de um cirurgião. Discretamente, pude observar os detalhes de suas mãos, a agilidade no manejo do equipamento, o olhar fixo, com ar profissional, de quem sabia o que estava fazendo. Ao terminar, verifiquei o trabalho e ainda brinquei dizendo que ele poderia ser um grande cirurgião, em face de sua habilidade.. Foi nesse instante que o pobre rapaz, um pouco sem graça, olhou para o chão e disse, talvez triste demais para os seus não mais que 26 anos:

- Meu sonho era ser um médico cirurgião.

Poucas vezes senti o que realmente é um sonho perdido. Em frações de segundos, pensei em quanto o povo brasileiro perde por causa de oportunidades não proporcionadas pelo Estado. Pensei em quantos soldadores, funileiros, bancários, porteiros, motoboys, tem todos os dias seus sonhos destruídos pela falta de oportunidade em termos de educação, de cursar uma boa universidade. Hoje, apesar dos esforços, ainda temos cerca de cerca de 14,1 milhões de analfabetos hoje no País.

Entendo que pior que os efeitos sociais do analfabetismo, é a falta de esperança daqueles que já foram alfabetizados e que, por questões de sobrevivência, tiverem de interromper seus estudos e enterraram seus sonhos de se tornar médicos, advogados, engenheiros ou professores. Para mudarmos isso, precisamos implementar ainda mais, um grande número de universidades públicas, com vasta oferta vagas e ensino de qualidade, para que enfim os jovens do nosso Brasil possam acordar sabendo que o trabalho é um meio, e não um fim. O fim de um sonho quase impossível, como a desventura frustrante de um habilidoso rapaz pobre que sonhava um dia ser um médico cirurgião.

Dedico este texto aos aos rapazes e moças pobres do Brasil; aos médicos, engenheiros, advogados, cientistas que hoje, adormecidos, exercem o papel de zeladores, engraxates, porteiros, soldadores, e motoboys, que um dia acordarão e poderão, finalmente, seguir em direção ao sonho de ser alguém nesse grande país.


Fernando Rizzolo é advogado, pós-graduado em Direito Processual, mestrando em Direito Constitucional, Prof. do Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Paulista (UNIP). Participa como coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, é membro efetivo da Comissão de Direito Humanos da OAB/SP, foi articulista colaborador da Agência Estado, e editor do Blog do Rizzolo - www.blogdorizzolo.com.br

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