“Se a gente fez, ele deve. Alguma coisa ele deve.”
Causa vem antes de efeito. Então, porque a frase acima, que inverte essa lógica, parece ter sido construída como abominável naturalidade?
Cirso Fernandes Guilherme foi espancado até a morte e teve a casa incendiada e o bar destruído por um grupo de, pelo menos 20 pessoas, após ser acusado de ter sido o responsável pela morte de uma adolescente de 14 anos em Marília, interior de São Paulo, nesta semana. Contudo, os exames preliminares mostram que a jovem não sofreu violência, poderia ter morrido por outro motivo. Ou seja, o único assassinato comprovado até agora foi da turba contra um homem, pelo visto, inocente.
Cirso não teve direito à defesa ou à recurso. Foi julgado e executado pela irracionalidade coletiva. Para muita gente, esse tipo de decisão sumária é linda, seja feita pelas mãos da população, seja pelas do próprio Estado, ao caçar traficantes em morros cariocas ou na periferia da capital paulista. Se com o devido processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem ele. Ainda bem que o país não tem pena de morte. Imagine os casos de pessoas que receberiam injeções letais para depois, ops, descobrir que foram executadas por engano. Até onde eu saiba, não dá para ressuscitar o sujeito e pedir desculpas, como agora.
A frase acima, dita por uma mulher que participou do linchamento, é perturbadora. O morto é culpado porque nós o punimos. Caso contrário, porque o puniríamos? A turba acredita que não precisa saber a razão de matar, pois ele, certamente, soube o motivo de estar morrendo.
Se não foi este pecado, talvez outro? Não era bom marido? Mau pagador de impostos? Trapaceava nas cartas? Vendia bebidas vencidas ou não lavava os copos com decência? As porções servidas no bar não eram dignas? Era avarento, invejoso, preguiçoso? Lançava-se à luxúria? Torcia para o time errado? Dava “bom dia” de dentes cerrados? – ah, os dentes cerrados… Entregava-se à bebida? Não ia à missa todos os domingos? Era econômico nos elogios?
De vez em quando não sei de quem tenho mais medo: dos bandidos, dos “mocinhos” ou de nós mesmos. Escrito por Leonardo Sakamoto
Causa vem antes de efeito. Então, porque a frase acima, que inverte essa lógica, parece ter sido construída como abominável naturalidade?
Cirso Fernandes Guilherme foi espancado até a morte e teve a casa incendiada e o bar destruído por um grupo de, pelo menos 20 pessoas, após ser acusado de ter sido o responsável pela morte de uma adolescente de 14 anos em Marília, interior de São Paulo, nesta semana. Contudo, os exames preliminares mostram que a jovem não sofreu violência, poderia ter morrido por outro motivo. Ou seja, o único assassinato comprovado até agora foi da turba contra um homem, pelo visto, inocente.
Cirso não teve direito à defesa ou à recurso. Foi julgado e executado pela irracionalidade coletiva. Para muita gente, esse tipo de decisão sumária é linda, seja feita pelas mãos da população, seja pelas do próprio Estado, ao caçar traficantes em morros cariocas ou na periferia da capital paulista. Se com o devido processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem ele. Ainda bem que o país não tem pena de morte. Imagine os casos de pessoas que receberiam injeções letais para depois, ops, descobrir que foram executadas por engano. Até onde eu saiba, não dá para ressuscitar o sujeito e pedir desculpas, como agora.
A frase acima, dita por uma mulher que participou do linchamento, é perturbadora. O morto é culpado porque nós o punimos. Caso contrário, porque o puniríamos? A turba acredita que não precisa saber a razão de matar, pois ele, certamente, soube o motivo de estar morrendo.
Se não foi este pecado, talvez outro? Não era bom marido? Mau pagador de impostos? Trapaceava nas cartas? Vendia bebidas vencidas ou não lavava os copos com decência? As porções servidas no bar não eram dignas? Era avarento, invejoso, preguiçoso? Lançava-se à luxúria? Torcia para o time errado? Dava “bom dia” de dentes cerrados? – ah, os dentes cerrados… Entregava-se à bebida? Não ia à missa todos os domingos? Era econômico nos elogios?
De vez em quando não sei de quem tenho mais medo: dos bandidos, dos “mocinhos” ou de nós mesmos. Escrito por Leonardo Sakamoto
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