terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Manifesto contra o Big Brother Brasil

 
Daniel Calegari -
Logo pelo título já se percebe que não aprecio tais programas, pois "reality" não combina com "televisão" (do mesmo modo que promessa verdadeira não combina com político eleito).
Qual a razão desses programas serem tão famosos? Por que o povo se sente atraído e não consegue desligar a TV?
São várias as hipóteses... mas a que tomo por principais são falta do que fazer e falta de senso crítico.
Com certeza não são novos. Desde a década de 50 a televisão já produzia "reality shows", mostrando através de vários gêneros (filme, novela, seriado) a intimidade das pessoas.
Vide a definição geral em Wikipedia - Reality Television.
Mas mesmo sendo antigos, vários programas se tornaram famosos recentemente, quase em escala global (que mundinho medíocre!), tal como o Big Brother, e em 2005, presenciamos mais outro Big Brother Brasil.
Se o nome do programa foi inspirado na obra do ilustre George Orwell, fica-se a dúvida: quem é realmente o chefe? Os telespectadores? Não... pois não decidem nada! E ai de quem ousar fazer a ligação telefônica, pagando do próprio bolso, acreditando que os pontos na tela mostrados são realmente ligações efetuadas (me lembra o saudoso "Você decide" e aquela chatice de "Escolha o filme que você verá...").
Big Brother não é o chefão... é a conformação, adequação ao sistema, a invasão da privacidade num limite além do imaginável!
E é por isso que faz sucesso!
A globalização, o pós-contemporâneo, a quebra das barreiras, todos resultam, de certo modo, na implantação do dupli-pensar (que basicamente é formar conceitos que agrupam conteúdos opostos). Parece brincadeira mas vejamos a atuação dos EUA e da ONU: expressão perfeita da máxima "guerra significa paz". Ou a comercialização de produtos: "ignorância é força" (consumidores burros é que fazem a força das grandes empresas!).
De volta aos reality-shows, o que se tem é "individualidade é massificação", ou seja, os protagonistas são indivíduos, pessoas quase únicas, com suas características, qualidades e defeitos, mas são generalizadas para que façam refletir o telespectador, por simpatia ou aversão, podendo então ser qualquer um (inclusive a patética forma de inscrição "por via telefônica" é uma forma de dizer "você (não eu, mas nós todos!) também pode ser um participante").
É fato que temos necessidade de nos retraírmos (busca da individualidade) e de nos socializarmos (busca da interação). E isso cada Ser Humano faz e sempre fez, em qualquer forma social no tempo-espaço, em algumas condições melhores e noutras piores. E deveria ser considerado crime jogar com essa necessidade fundamental, transformando a busca da interação na busca de individualidade e transpondo a individualidade do sujeito para sabe-se lá onde (sim, para o que resta dentro da cabecinha do telespectador).
É a expressão, em ambos os lados (expectador e participante), da maldade humana. O prazer de ver e ser visto (voyerismo) é exagerado, convertido em droga viciante. Claro que o pudor normal é descartado, com direito a cenas quase explícitas de nudez, banhos, bundas, calcinhas, escrotos e piores.
Pela aplicação do duplipensar "banal é importante", há crescente expectativa pelos fatos mais corriqueiros. Cada tarefa diária é "um acontecimento", quase épico...
Ainda mais há quem diga que tais programas servem para mostrar como as pessoas reagem, podendo inclusive servir de indicador social. Vide por exemplo a escolha dos mais malas para serem defenestrados (excluídos do programa), e a vitória dada aos mocinhos (quer seja por causa do charme, da simpatia).
Mas acreditar ser 100% verdade o que lá na telinha é mostrado não reflete grande capacidade crítica, pois (quase sempre) os programas são direcionados para um dado fim, nada acontece por acaso (inclusive aquela pergunta cretina dos filmes do SBT de sábado, Tarde Premiada: "São 15h37min, vamos para mais um ganhador... de onde você fala? qual o seu endereço?" Se a pessoa ganhar R$ 10.000, vai logo receber um monte de parentes e vizinhos toscos, isso sim é ferir o direito à privacidade, mas quem fez a ligação para participar topa tudo, também, dinheiro só não faz falta aos que já estão mortos.... :o)
Se servir como indicador social para um dado experimento, isso talvez seja válido para a Ciência da Psicologia Social. Assim, ao assistir um reality show poderia-se aprender como as pessoas tem dificuldade de conviverem juntas e quais as soluções encontradas, quais as complicações que ocorrem na comunicação entre pessoas, quais os efeitos do estresse da convivência diária, como as pessoas se organização em sub-grupos e quais os códigos (arbitrários ou não) instituídos para o regramento, etc, etc... Claro que as condições devem ser bem mais rigorosas e a ênfase televisiva totalmente outra.
Talvez algumas versões de reality-show valham mais que outras... por exemplo, o Aprendiz dizia respeito ao mercado de trabalho (não da arraia miúda, claro!). Já por outro lado, Casa dos Artistas não vale um centavo de cachê, pois ao contrário do Big Brother, em que os participantes ordinários querem ser famosos, no Big Brother dos Famosos quem lá estava queria ser ordinária.
E graças aos recursos tecnológicos, qualquer pessoa pode montar seu próprio reality-show online, mostrando o que quiser, para quem quiser ver, é claro... assim é o Pig Brother (simpáticos porquinhos sempre online, em alemão!).
Se você, caro leitor, conseguiu chegar até aqui (final do texto) e por ser fanático por esse tipo de programa está revoltado contra o que escrevi, responda que te responderei (sempre dentro dos limites da boa educação :o). Mas sugiro que feche esta página e vá fazer o teste Você é um campeão de reality show?.

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