Enviado pelo editor do Blog da Dilma em São Paulo, Júlio Amorim - jotamorim@gmail.com
Para fugir do processo de licitação, a prefeitura compra uniformes inadequados
A sede da LV Distribuidora de Materiais Ltda, uma pequena casa térrea de tijolos à vista, ocupa uns poucos metros numa rua bucólica do bairro de Icaraí, em Niterói (RJ). Dada a simplicidade e recato do lugar, não é possível imaginar o tanto de dinheiro que corre por detrás do janelão da entrada, prudentemente bloqueado por escuras persianas. Uma pequena câmara de monitoramento colocada no alto da porta de entrada, permanentemente trancada, é o único indício aparente de preocupação com a segurança da empresa. No mais, pode-se facilmente pular para o minúsculo jardim da frente, resguardado da rua somente por um muro baixo e sem grades.
Em 31 de dezembro, no apagar das luzes de 2010, a pequena fornecedora fluminense de roupas, calçados e equipamentos de impressão conseguiu, sem licitação, um contrato de 73,1 milhões de reais com a Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo. Vai fornecer uniformes escolares para 750 mil estudantes da maior cidade do País, graças a uma brecha na Lei 8.666 de Licitações, que permitiu à prefeitura comandado por Gilberto Kassab, do DEM, clonar um contrato semelhante a LV e o município do Rio de Janeiro. Por conta disso, embora viva em uma cidade de clima majoritariamente frio, a garotada paulistana não vai receber roupa de inverno para ir à escola. Terá de se virar com os kits preparados pela LV para os estudantes da tropicalíssima capital carioca.
O segredo do sucesso da LV Distribuidora de Materiais, contudo, não é fácil de ser desvendado. CartaCapital esteve em Niterói, na terça-feira 25, para tentar falar com o dono da empresa, Rinaldi da Silva Venâncio Júnior, mas não obteve sucesso. Pela manhã, disse uma secretária, Venâncio Jr. estava em uma reunião, mas se comprometeu a retornar a ligação para, assim, dar esclarecimentos sobre o contrato firmado com a prefeitura paulistana. À tarde, pelo interfone da porta da casa, em Icaraí, uma secretária identificada como Paloma avisou que o empresário havia viajado para Curitiba, no Paraná. Iria anotar, contudo, o telefone de contato do repórter para posterior ligação. Telefonema esse que, até o fechamento desta edição, jamais foi recebido.
O contrato milionário de fornecimento de uniformes para a rede municipal de ensino de São Paulo foi assinado pelo secretário de Educação do município, Alexandre Schneider, e o empresário Venâncio Jr. Dentro da prefeitura paulistana, Schneider é um dos poucos remanescentes de confiança do ex-governador José Serra, do PSDB, de quem foi secretário adjunto no governo estadual. Durante a campanha presidencial de 2010, o secretário municipal de Educação chegou a ser escalado em um comício de Serra para criticar as políticas educacionais do PT, entre elas, a manutenção das chamadas “escolas de lata”, onde, segundo ele, as crianças passavam frio no inverno. Isso numa época em que, ao menos, as roupas de inverno faziam parte do kit de uniformes da gurizada.
A roda da fortuna da LV Distribuidora de Materiais, uma empresa com apenas dois funcionários, segundo informações da Serasa via consulta pelo CNPJ, começou a girar ainda em abril de 2009, quando a prefeitura de São Paulo fez publicar um edital de licitação com os parâmetros de aquisição de kits completos de uniforme, inclusive blusões e calças de helanca para o frio. A concorrência, no entanto, foi suspensa, em meados de 2010, por determinação do Tribunal de Contas do Município, sob suspeita de irregularidades. Antes de esperar a decisão final do TCM, o secretário Alexandre Schneider preferiu, então, adotar um expediente pouco usado dentro da administração pública, a chamada adesão à ata de registro de preços preexistente entre a LV e a prefeitura do Rio. Ou seja, clonou um contrato existente sob o argumento de que os estudantes paulistanos precisam exatamente das mesmas roupas que seus colegas cariocas. Esqueceu-se das diferenças climáticas.
O contrato de 73,1 milhões com a empresa de Niterói poderia ter passado escondido pela burocracia da Prefeitura de São Paulo, não fosse uma ação popular impetrada, em 22 de dezembro de 2010, na Vara da Fazenda Pública, por uma empresa paulista, a Diana Paolucci Indústria e Comércio. Também fornecedora de uniformes, a empresa se sentiu lesada por não poder participar da concorrência e entrou na Justiça atrás de uma liminar para suspender a a previsão de contrato entre Alexandre Schneider e Rinaldi Venâncio Jr. Em vão. A Secretaria de Educação foi mais rápida e, em 31 de dezembro, Schneider autorizou a adesão à ata de registro de preços da Secretaria Municipal de Educação do Rio. O contrato foi publicado logo depois no Diário Oficial da Cidade de São Paulo, em 4 de janeiro de 2011.
A licitação de materiais escolares da cidade de São Paulo é a maior entre todas as prefeituras do Brasil. Este ano, entre uniformes e material escolar, o município deverá gastar mais de 120 milhões de reais. O universo de estudantes da rede municipal paulistana é de, aproximadamente, 750 mil crianças espalhadas por cerca de mil escolas. Como não tem parque fabril, mas apenas a casa-sede de Niterói, com somente dois empregados, a LV Distribuidora de Materiais terá de importar todos os 750 mil kits de uniformes, comprados por 97,52 reais a unidade pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Como, pelo menos oficialmente, a empresa só foi contratada em janeiro deste ano, ainda não se sabe como será feita essa operação. Sabe-se, contudo, que uma importação desse porte demora, em média, 90 dias para ser atendida. Ou seja, só chegará em abril, depois do início das aulas. E sem as roupas para o frio, que começa em maio.
Deve-se levar em conta, além do clima, as circunstâncias do contrato do Rio de Janeiro, referente a 650 mil estudantes, clonado pela prefeitura de São Paulo. O custo da operação logística em São Paulo, isto é, para a entrega personalizada dos uniformes aos alunos da rede municipal paulistana, é calculado em 8,19 reais por kit. No Rio, onde a entrega é centralizada, feita em um ponto só determinado pela prefeitura, esse custo é de 1,64 real por kit. O gasto paulistano nesse item, portanto, é cinco vezes maior.
Além disso, o custo previsto de fabricação de um kit de uniforme, segundo o contrato clonado da prefeitura do Rio, com produtos nacionais, é de 88,91 reais. Então, somente se conseguir importar os kits por 71,97 reais a unidade é que a LV tornará o negócio fechado com São Paulo rentável. Vai se meter numa matemática difícil porque, com os impostos, um kit de uniforme escolar importado, segundo os parâmetros do contrato, não sai por menos de 85 reais. Para tal, a empresa de Niterói terá de aumentar em mais de 100% a sua capacidade de investimento, isso num momento em que, segundo dados da Serasa, a firma possui títulos sob protesto junto a bancos.
Na ação popular impetrada pela Diana Paolucci Indústria e Comércio, os três advogados que a assinam alegam, entre outros termos, não existir previsão legal para a contratação da LV Distribuidora de Materiais. Nem dela nem de qualquer outra empresa, porque tanto a Lei 8.666 como dois decretos municipais (44.279/2003 e 45.689/2005) prescrevem a licitação como condição primordial para compras da administração pública, à exceção de situações de calamidade e emergências do gênero. Ao aderir à ata de registro de preços do Rio, anotaram os advogados, a prefeitura de São Paulo pegou “carona”para beneficiar a empresa LV, de Niterói.
Além disso, de acordo com o edital de licitação barrado pelo TCM, os kits de uniforme escolar para os alunos da rede municipal de ensino de São Paulo devem obedecer a diversas peculiaridades do universo de escolas da cidade, entre os quais cores, desenhos, modelos e o brasão do município – estes, sobretudo o último, diferentes daqueles presentes no contrato firmado pela LV com a prefeitura do Rio. Ocorre que, para se fazer a adesão à ata de registro de preços, é preciso, também, copiar exatamente os itens do contrato clonado. Dessa forma, se for cumprir a lei sem restrições, os uniformes paulistanos teriam de, um última instância, ser entregues com o brasão do município do Rio de Janeiro.
Essa adequação de um contrato ao outro, conforme argumentação apresentada à Vara da Fazenda pela Diana Paolucci, vai provocar mudanças curiosas no vestuário das crianças matriculadas na rede municipal de São Paulo. Uma jaqueta e uma bermuda foram eliminadas do kit mínimo de uniformes. Também acaba a necessidade de cada peça do uniforme escolar ter o tamanho especificado na etiqueta e o nome dos responsáveis pelo aluno estampado no kit. Pelas novas regras, os modelos e os tamanhos de uniformes serão adequados às faixas etárias e aos tipos físicos dos alunos. Graças a isso, alega a ação da concorrência, serviram apenas para reduzir os custos operacionais e facilitar a entrada da LV no negócio.
O site da LV Distribuidora de Materiais informa que a empresa fornece, além de uniformes escolares e profissionais, mochilas, bolsas, kit escolares, coturnos, botinas, botas e sapatos militares. Também trabalha com locação e venda de copiadoras, além de terceirizar centrais de cópias de impressão. No link de clientes aparecem o governo do Rio de Janeiro, os comandos da Marinha e da Aeronáutica, além das prefeituras do Rio e do município fluminense de Guapimirim. O site não especifica nem os termos nem a natureza dos contratos colocados no site.
De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a suspensão do processo de licitação, em julho de 2010, pelo Tribunal de Contas do Município inviabilizou a compra das peças do uniformes. Assim, quando o edital foi liberado, em dezembro, o prazo para as empresas realizarem a entrega saltaria, de acordo com a assessoria, de 60mpara 120 dias, após o trâmite do processo licitatório. Na avaliação do órgão, os alunos só receberiam os uniformes no segundo semestre. Diante disso, continua a assessoria, e do fato de a pesquisa de mercado realizada pela secretaria ter apontado “valores mais elevados que o esperado”, surgiu a ideia de aderir à ata do Rio de Janeiro.
Pelas contas apresentadas pela Secretaria de Educação, em 2009, o município teria pago 116,50 reais por kit de uniforme. A pesquisa de preços de 2010, contudo, teria apontado um valor médio de 143,89 reais. Como a ata do Rio de Janeiro oferece o kit a 97,52 reais, explica a assessoria de imprensa, a prefeitura paulistana vai economizar 34 milhões de rais, graças ao contrato firmado com a LV Distribuidora de Materiais.
Segundo a assessoria, o kit do Rio é igual ao adotado até então em São Paulo – exceto pelo conjunto de calça e blusa de helanca, mais adequado ao frio de São Paulo, que será licitado nas próximas semanas. Ou seja, a prefeitura terá de licitar as roupas de inverno que não fazem parte do contrato clonado da Secretaria de Educação do Rio. Não foram informados os valores envolvidos na transação.
Para a Secretaria Municipal de Educação, não houve dispensa de licitação, haja vista a adesão à ata de registro de preços ser um mecanismo legal, amparado na Lei 8.666. Ao aderir a essa ata, garante a assessoria de imprensa, a secretaria observou os princípios constitucionais da economicidade e da moralidade no uso dos recursos públicos. Assim, continua, serão entregues, em 2011, em data não informada, os cerca de 750 mil kits de uniforme escolar para os alunos das Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis) e os estudantes de Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emefs).
De acordo com a informação passada pela secretaria, a capacidade da LV para prestar o serviço foi atestada durante o registro de preços feito no Rio de Janeiro, que levou em consideração as qualificações técnica, econômico-financeira, fiscal e jurídica para o fornecimento das peças de roupas. Além disso, a prefeitura de São Paulo garante ter consultado a do Rio sobre a possibilidade de adesão, bem como a empresa detentora da ata, e, em ambos os casos, recebeu manifestação favorável. Fonte: Carta Capital 631.
Para fugir do processo de licitação, a prefeitura compra uniformes inadequados
A sede da LV Distribuidora de Materiais Ltda, uma pequena casa térrea de tijolos à vista, ocupa uns poucos metros numa rua bucólica do bairro de Icaraí, em Niterói (RJ). Dada a simplicidade e recato do lugar, não é possível imaginar o tanto de dinheiro que corre por detrás do janelão da entrada, prudentemente bloqueado por escuras persianas. Uma pequena câmara de monitoramento colocada no alto da porta de entrada, permanentemente trancada, é o único indício aparente de preocupação com a segurança da empresa. No mais, pode-se facilmente pular para o minúsculo jardim da frente, resguardado da rua somente por um muro baixo e sem grades.
Em 31 de dezembro, no apagar das luzes de 2010, a pequena fornecedora fluminense de roupas, calçados e equipamentos de impressão conseguiu, sem licitação, um contrato de 73,1 milhões de reais com a Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo. Vai fornecer uniformes escolares para 750 mil estudantes da maior cidade do País, graças a uma brecha na Lei 8.666 de Licitações, que permitiu à prefeitura comandado por Gilberto Kassab, do DEM, clonar um contrato semelhante a LV e o município do Rio de Janeiro. Por conta disso, embora viva em uma cidade de clima majoritariamente frio, a garotada paulistana não vai receber roupa de inverno para ir à escola. Terá de se virar com os kits preparados pela LV para os estudantes da tropicalíssima capital carioca.
O segredo do sucesso da LV Distribuidora de Materiais, contudo, não é fácil de ser desvendado. CartaCapital esteve em Niterói, na terça-feira 25, para tentar falar com o dono da empresa, Rinaldi da Silva Venâncio Júnior, mas não obteve sucesso. Pela manhã, disse uma secretária, Venâncio Jr. estava em uma reunião, mas se comprometeu a retornar a ligação para, assim, dar esclarecimentos sobre o contrato firmado com a prefeitura paulistana. À tarde, pelo interfone da porta da casa, em Icaraí, uma secretária identificada como Paloma avisou que o empresário havia viajado para Curitiba, no Paraná. Iria anotar, contudo, o telefone de contato do repórter para posterior ligação. Telefonema esse que, até o fechamento desta edição, jamais foi recebido.
O contrato milionário de fornecimento de uniformes para a rede municipal de ensino de São Paulo foi assinado pelo secretário de Educação do município, Alexandre Schneider, e o empresário Venâncio Jr. Dentro da prefeitura paulistana, Schneider é um dos poucos remanescentes de confiança do ex-governador José Serra, do PSDB, de quem foi secretário adjunto no governo estadual. Durante a campanha presidencial de 2010, o secretário municipal de Educação chegou a ser escalado em um comício de Serra para criticar as políticas educacionais do PT, entre elas, a manutenção das chamadas “escolas de lata”, onde, segundo ele, as crianças passavam frio no inverno. Isso numa época em que, ao menos, as roupas de inverno faziam parte do kit de uniformes da gurizada.
A roda da fortuna da LV Distribuidora de Materiais, uma empresa com apenas dois funcionários, segundo informações da Serasa via consulta pelo CNPJ, começou a girar ainda em abril de 2009, quando a prefeitura de São Paulo fez publicar um edital de licitação com os parâmetros de aquisição de kits completos de uniforme, inclusive blusões e calças de helanca para o frio. A concorrência, no entanto, foi suspensa, em meados de 2010, por determinação do Tribunal de Contas do Município, sob suspeita de irregularidades. Antes de esperar a decisão final do TCM, o secretário Alexandre Schneider preferiu, então, adotar um expediente pouco usado dentro da administração pública, a chamada adesão à ata de registro de preços preexistente entre a LV e a prefeitura do Rio. Ou seja, clonou um contrato existente sob o argumento de que os estudantes paulistanos precisam exatamente das mesmas roupas que seus colegas cariocas. Esqueceu-se das diferenças climáticas.
O contrato de 73,1 milhões com a empresa de Niterói poderia ter passado escondido pela burocracia da Prefeitura de São Paulo, não fosse uma ação popular impetrada, em 22 de dezembro de 2010, na Vara da Fazenda Pública, por uma empresa paulista, a Diana Paolucci Indústria e Comércio. Também fornecedora de uniformes, a empresa se sentiu lesada por não poder participar da concorrência e entrou na Justiça atrás de uma liminar para suspender a a previsão de contrato entre Alexandre Schneider e Rinaldi Venâncio Jr. Em vão. A Secretaria de Educação foi mais rápida e, em 31 de dezembro, Schneider autorizou a adesão à ata de registro de preços da Secretaria Municipal de Educação do Rio. O contrato foi publicado logo depois no Diário Oficial da Cidade de São Paulo, em 4 de janeiro de 2011.
A licitação de materiais escolares da cidade de São Paulo é a maior entre todas as prefeituras do Brasil. Este ano, entre uniformes e material escolar, o município deverá gastar mais de 120 milhões de reais. O universo de estudantes da rede municipal paulistana é de, aproximadamente, 750 mil crianças espalhadas por cerca de mil escolas. Como não tem parque fabril, mas apenas a casa-sede de Niterói, com somente dois empregados, a LV Distribuidora de Materiais terá de importar todos os 750 mil kits de uniformes, comprados por 97,52 reais a unidade pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Como, pelo menos oficialmente, a empresa só foi contratada em janeiro deste ano, ainda não se sabe como será feita essa operação. Sabe-se, contudo, que uma importação desse porte demora, em média, 90 dias para ser atendida. Ou seja, só chegará em abril, depois do início das aulas. E sem as roupas para o frio, que começa em maio.
Deve-se levar em conta, além do clima, as circunstâncias do contrato do Rio de Janeiro, referente a 650 mil estudantes, clonado pela prefeitura de São Paulo. O custo da operação logística em São Paulo, isto é, para a entrega personalizada dos uniformes aos alunos da rede municipal paulistana, é calculado em 8,19 reais por kit. No Rio, onde a entrega é centralizada, feita em um ponto só determinado pela prefeitura, esse custo é de 1,64 real por kit. O gasto paulistano nesse item, portanto, é cinco vezes maior.
Além disso, o custo previsto de fabricação de um kit de uniforme, segundo o contrato clonado da prefeitura do Rio, com produtos nacionais, é de 88,91 reais. Então, somente se conseguir importar os kits por 71,97 reais a unidade é que a LV tornará o negócio fechado com São Paulo rentável. Vai se meter numa matemática difícil porque, com os impostos, um kit de uniforme escolar importado, segundo os parâmetros do contrato, não sai por menos de 85 reais. Para tal, a empresa de Niterói terá de aumentar em mais de 100% a sua capacidade de investimento, isso num momento em que, segundo dados da Serasa, a firma possui títulos sob protesto junto a bancos.
Na ação popular impetrada pela Diana Paolucci Indústria e Comércio, os três advogados que a assinam alegam, entre outros termos, não existir previsão legal para a contratação da LV Distribuidora de Materiais. Nem dela nem de qualquer outra empresa, porque tanto a Lei 8.666 como dois decretos municipais (44.279/2003 e 45.689/2005) prescrevem a licitação como condição primordial para compras da administração pública, à exceção de situações de calamidade e emergências do gênero. Ao aderir à ata de registro de preços do Rio, anotaram os advogados, a prefeitura de São Paulo pegou “carona”para beneficiar a empresa LV, de Niterói.
Além disso, de acordo com o edital de licitação barrado pelo TCM, os kits de uniforme escolar para os alunos da rede municipal de ensino de São Paulo devem obedecer a diversas peculiaridades do universo de escolas da cidade, entre os quais cores, desenhos, modelos e o brasão do município – estes, sobretudo o último, diferentes daqueles presentes no contrato firmado pela LV com a prefeitura do Rio. Ocorre que, para se fazer a adesão à ata de registro de preços, é preciso, também, copiar exatamente os itens do contrato clonado. Dessa forma, se for cumprir a lei sem restrições, os uniformes paulistanos teriam de, um última instância, ser entregues com o brasão do município do Rio de Janeiro.
Essa adequação de um contrato ao outro, conforme argumentação apresentada à Vara da Fazenda pela Diana Paolucci, vai provocar mudanças curiosas no vestuário das crianças matriculadas na rede municipal de São Paulo. Uma jaqueta e uma bermuda foram eliminadas do kit mínimo de uniformes. Também acaba a necessidade de cada peça do uniforme escolar ter o tamanho especificado na etiqueta e o nome dos responsáveis pelo aluno estampado no kit. Pelas novas regras, os modelos e os tamanhos de uniformes serão adequados às faixas etárias e aos tipos físicos dos alunos. Graças a isso, alega a ação da concorrência, serviram apenas para reduzir os custos operacionais e facilitar a entrada da LV no negócio.
O site da LV Distribuidora de Materiais informa que a empresa fornece, além de uniformes escolares e profissionais, mochilas, bolsas, kit escolares, coturnos, botinas, botas e sapatos militares. Também trabalha com locação e venda de copiadoras, além de terceirizar centrais de cópias de impressão. No link de clientes aparecem o governo do Rio de Janeiro, os comandos da Marinha e da Aeronáutica, além das prefeituras do Rio e do município fluminense de Guapimirim. O site não especifica nem os termos nem a natureza dos contratos colocados no site.
De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a suspensão do processo de licitação, em julho de 2010, pelo Tribunal de Contas do Município inviabilizou a compra das peças do uniformes. Assim, quando o edital foi liberado, em dezembro, o prazo para as empresas realizarem a entrega saltaria, de acordo com a assessoria, de 60mpara 120 dias, após o trâmite do processo licitatório. Na avaliação do órgão, os alunos só receberiam os uniformes no segundo semestre. Diante disso, continua a assessoria, e do fato de a pesquisa de mercado realizada pela secretaria ter apontado “valores mais elevados que o esperado”, surgiu a ideia de aderir à ata do Rio de Janeiro.
Pelas contas apresentadas pela Secretaria de Educação, em 2009, o município teria pago 116,50 reais por kit de uniforme. A pesquisa de preços de 2010, contudo, teria apontado um valor médio de 143,89 reais. Como a ata do Rio de Janeiro oferece o kit a 97,52 reais, explica a assessoria de imprensa, a prefeitura paulistana vai economizar 34 milhões de rais, graças ao contrato firmado com a LV Distribuidora de Materiais.
Segundo a assessoria, o kit do Rio é igual ao adotado até então em São Paulo – exceto pelo conjunto de calça e blusa de helanca, mais adequado ao frio de São Paulo, que será licitado nas próximas semanas. Ou seja, a prefeitura terá de licitar as roupas de inverno que não fazem parte do contrato clonado da Secretaria de Educação do Rio. Não foram informados os valores envolvidos na transação.
Para a Secretaria Municipal de Educação, não houve dispensa de licitação, haja vista a adesão à ata de registro de preços ser um mecanismo legal, amparado na Lei 8.666. Ao aderir a essa ata, garante a assessoria de imprensa, a secretaria observou os princípios constitucionais da economicidade e da moralidade no uso dos recursos públicos. Assim, continua, serão entregues, em 2011, em data não informada, os cerca de 750 mil kits de uniforme escolar para os alunos das Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis) e os estudantes de Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emefs).
De acordo com a informação passada pela secretaria, a capacidade da LV para prestar o serviço foi atestada durante o registro de preços feito no Rio de Janeiro, que levou em consideração as qualificações técnica, econômico-financeira, fiscal e jurídica para o fornecimento das peças de roupas. Além disso, a prefeitura de São Paulo garante ter consultado a do Rio sobre a possibilidade de adesão, bem como a empresa detentora da ata, e, em ambos os casos, recebeu manifestação favorável. Fonte: Carta Capital 631.
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