segunda-feira, 20 de junho de 2011

Comparato: Brasil volta a ser réu ao não revisar a Lei da Anistia

Rachel Duarte - De Brasília - SUL 21:
Ao afirmar que não cabe mais revisão da Lei da Anistia para punir torturadores durante o regime militar, o governo federal faz o Brasil voltar a ser réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, não poderá, por exemplo, pleitear a sonhada vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A afirmação é do jurista Fabio Konder Comparato, que participou no final de semana do 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em Brasília. Em entrevista ao Sul21, Comparato lamentou o parecer da Advocacia Geral da União, afirmando que a Lei de Anistia não se submete à Corte Interamericana de Direitos Humanos porque é anterior à assinatura do tratado pelo Brasil. Na avaliação do professor, o governo federal está sofrendo a pressão dos militares.

Sul21 – Qual a sua opinião sobre a postura do governo brasileiro em não cumprir a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto à punição de crimes cometidos durante a ditadura militar?
Fábio Konder Comparato - Lamentável. Isso significa que o Brasil vai voltar a ser réu. Ele foi réu nesta ação e a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos determina que quando um país é parte de um processo ele é obrigado a cumprir a determinação da Corte. Não cumprindo, o Brasil fica fora do plano internacional e dificilmente terá como pleitear o tão desejado lugar no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, sobretudo, é um péssimo exemplo para o futuro. Uma vez que o Estado resolve decidir algo contra uma instância internacional, isto significa que o brasileiro não tem mais a quem recorrer quando perde em última instância um processo de direitos humanos.
Sul21 – A Lei da Anistia não será revista, pelo que informou a Advocacia Geral da União (AGU), porque a decisão do Supremo Tribunal Federal não tem as omissões apontadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, portanto, não se submete à Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque é anterior à assinatura do tratado pelo Brasil. Qual a sua opinião?
Comparato - O pronunciamento da AGU, ao que parece sem a consulta à presidenta (Dilma Rousseff), é grave. A Lei Orgânica da Advocacia Geral da União determina que o advogado geral da união seja submetido de forma direta e imediata às determinações da presidência da República. Então, ou ele consultou a Dilma e decidiram por romper com a Corte, ou não consultou e cometeu uma falta funcional muito grave.
Sul21 – A presidência afirma que prioridade é a criação da Comissão da Verdade, que está em tramitação no Congresso há um ano e abre mão de rever a Lei de Anistia. Mas as duas coisas não estão vinculadas a um mesmo objetivo?
Comparato - A Comissão da Verdade é uma maneira de impedir o cumprimento da decisão da Organização dos Estados Americanos (OEA). É necessário denunciar isso. O povo tem que entender que há uma pressão para que os direitos humanos sejam desrespeitados. O povo tem que entender que os direitos não são favor, e sim uma obrigação do Estado.
Sul21 – Nesta semana o governo federal alterou o projeto em tramitação no Congresso Nacional sobre o sigilo dos documentos ultrassecretos. Qual o risco desta atitude estar vinculada a uma blindagem sobre a divulgação de documentos referentes ao regime militar?
Comparato – É pressão militar que está por trás disso. O grupo oligárquico no Brasil tem vários segmentos. Existem os grandes empresários financeiros, não mais só os industriais. Os banqueiros mandam hoje no Brasil. Temos um exemplo do nosso atraso em relação a esta desigualdade no que se refere aos grandes proprietários de terra no país. É um grupo poderoso e estrangeiro que detém as terras brasileiras, e não é apenas um grupo privado. A China compra terras no Brasil e em vários países tropicais, por exemplo. E no segmento militar também existe ainda muita atuação.
Sul21 – Na sua avaliação, o governo Dilma está cometendo o mesmo erro que o governo Lula em relação a flexibilizações de interesses de grandes oligarquias?
Comparato – Sim. O Lula nunca enfrentou os poderosos. Ele sempre fez a conciliação e a negociação. Eu me lembro em 2003, quando tive a oportunidade de falar ao então presidente sobre o abuso dos juros que estavam sufocando a economia brasileira. Lula disse que o prejudica o povo não era a Selic, mas os spread (transação monetária bancária). Eu, como sou muito lento em pensar e responder, só depois que saí de lá pensei que deveria ter lembrado ele que ele não poderia mais agir como um dirigente sindical. Portanto, não precisava mais negociar com banqueiros. Como presidente da República era só aplicar a Constituição em cima deles.
Sul21 – Sobre o monopólio das comunicações, foi feito o suficiente na gestão de Lula para que se faça algo melhor no governo Dilma? O que é possível esperar, já que é uma continuidade de um governo de esquerda que está no poder?
Comparato - Direita e esquerda é meio relativo no Brasil. Digamos que o Lula foi eleito contra “uma corrente menos democrática”. Mas, o problema do governo Lula é que não foi enfrentado o poder capitalista. Ele foi um grande conciliador, negociador. Ele seduz o povo. Mas, se ele quisesse, teria 70% de apoio popular para enfrentar o monopólio das comunicações no Brasil. Ele não fez isso. O Brasil não mudou com Lula. Ele não enfrentou os grandes poderosos.
Sul21 – O projeto do governo federal para a banda larga universal é um projeto viável?
Comparato - Tudo é viável se houver planejamento e previsão. Mas isso são coisas misteriosas no Brasil. Parece que ninguém sabe o que é.

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