A Idade do Lobo
por ARTUR GONÇALVES, para o Viomundo
Há apenas uma geração atrás se falava na Idade do Lobo, quando os homens de meia-idade contemplavam a própria Mortalidade, a sombra perturbadora da impotência, a velhice e o ocaso das próprias ilusões desfeitas na rotina do casamento e na rotina do emprego. A crise de meia-idade era representada no estereótipo do pai-de-família grisalho que comprava um automóvel de linhas esportivas, arrumava uma amante quinze anos mais jovem e, em alguns casos, buscava a separação conjugal.
Hoje em dia não se fala mais em crise de meia-idade masculina, como não se fala em homens de uma maneira geral. A mulher saiu do papel de coadjuvante da síndrome masculina para estrela da sua própria. Hoje se fala em Idade da Loba. As lobas fazem mais ou menos o que os lobos faziam, com a preocupação extra da Menopausa e a segunda grande tempestade hormonal das suas vidas, gerada pelo implacável processo de extinção dos mesmos.
Fui ver o filme de Julia Roberts, “Comer, Rezar e Amar”, baseado em livro homônimo. A personagem central é a própria loba, no âmago da sua crise. Ela começa a estória tendo o insight de que seu casamento tornou-se existencialmente estéril. Rompido o casamento, envolve-se ligeiramente com um jovem ator, e depois parte na sua jornada de auto-descoberta, tentando injetar sangue novo, vibração nova na sua existência entorpecida pelas certezas arraigadas. É interessante ver esse tipo de jornada do ponto de vista do universo feminino.
O Homem, essa criança, quando busca a si mesmo vai se entreter com seus brinquedos civilizatórios, Filosofia, Religião, Guerra. A mulher, ser prático, ela sim o verdadeiro repositório da Razão, recupera a identidade das coisas que dormem nos detalhes, o prazer da comida, dos sabores, dos relacionamentos, da experiência religiosa como encontro pessoal e não interpretação da Existência.
O homem, quando ama, ama estabanada e desarticuladamente, o Amor não é o seu motor verdadeiramente, impulsiona a Ação pela Destruição, consome a si mesmo e ao próprio objeto, se for o caso, e se extingue com a falsa ilusão de que era um impulso da Vida, mas o Amor romântico para o Homem é quase um sequestro, está fora da vida, liga-se aos assuntos terrenos justamente na sua própria aniquilação, pela institucionalização do Casamento, pela vinculação à prole, pela obtenção de posses. A mulher, que ama para dentro de sua Vida e enxerga o Todo, conecta e reconecta o amor ao Todo, e por isso raramente se perde nas incoerências da Paixão.
O Homem, esse Consumidor desleixado, certamente faz por merecer a desatenção da Mídia, da nova dinâmica social que o exclui do papel de protagonista no drama da própria existência. Mulheres, crianças e adolescentes são os elementos de destaque nessa nova dinâmica. O Homem, desequipado de sua Força primitiva, anacrônico na sua própria constituição psico-social, procura um papel. O macho jovem atual (na casa dos vinte a trinta anos) já é uma vítima patética dessa anulação da identidade. Fraco, ególatra, mimado, obcecado pela Forma, esvaziado de conteúdo. Supérfluo como seus músculos de academia.
O vídeo do link acima é fascinante. Basicamente mostra que as mulheres nos Estados Unidos estão assumindo o comando da economia americana, com profundas influências na Cultura, estrutura familiar, Mercado. Mulheres dominam profissões mais destacadas, começam a ganhar melhor, sofreram menos os efeitos da última recessão. O mercado imobiliário detectou que mais que jovens casais, mulheres solteiras sem filhos são a parcela mais expressiva dos compradores de moradias. Mulheres têm melhor escolaridade (para cada dois homens com grau superior há três mulheres). Mulheres jovens projetam para si mesmas um futuro onde elas são as provedoras e líderes dos seus futuros lares.
Algumas afirmações são desafiadoras. As mulheres estão melhor equipadas, evolutivamente falando, para viver no mundo moderno. Sua ascensão segue a mudança do paradigma industrial para o novo paradigma baseado no fornecimento de serviços, Informação e Comunicação. A Economia torna-se software, e as mulheres são inerentemente mais software. Até mesmo seus impulsos sexuais não são hormonalmente comandados por uma ditadura de testosterona, mas nascem primariamente do intelecto, da psiquê. Tamanho e Força não são mais diferenciais no mundo pós-economia industrial.
Linguagem, capacidade de Comunicação, capacidade de ouvir e dominar detalhes em atividades simultâneas e paralelas são vantagens competitivas. Sendo as mulheres a parcela mais expressiva e ativa entre os consumidores, é compreensível que o Capitalismo aprecie essa transição do papel de protagonista na dinâmica sócio-econômica. A nova mulher, com sua nova renda e assegurada autonomia, comanda a Produção e comanda o Consumo. The Man é uma gíria americana para a figura da autoridade opressiva no tecido social.
Pois muito bem: Women are the Man, now! Um aspecto interessante disso tudo é que mulheres também servem melhor às instituições. O Homem primitivo dentro de nós, marmanjos, que ao mesmo tempo que constrói instituições se rebela contra elas, é um estorvo. O homem é mais propenso a combater The Man.
É imperativo constatar tudo isso, e viver de acordo, da melhor forma possível. Há uma transição em curso, motivada por transformações econômicas e culturais. Papéis estão sendo redefinidos. Surge uma era da supremacia feminina e não é a Era de Aquarius da contra-cultura dos anos 60. É um mundo ideal para corporações e mercados globais. Um mundo de Racionalidade onde a Humanidade pode prosperar em relativa Paz, refreados os impulsos guerreiros primitivos dos brucutus que somos nós, machos, mal escondidos dentro de ternos e gravatas. Talvez seja chegado o momento de transcender sexismos culturais. Nesse Matriarcado moderno, construir um modelo novo, onde as diferenças reais entre os sexos sejam apreciadas, e as diferenças falsas e arbitrárias deixem de ser barreiras à compreensão mútua.
PS do Viomundo: O artigo é publicado no dia em que se reuniram, em Brasília, para decidir os rumos do governo, a presidenta Dilma Rousseff, a ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti.
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