quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A fratura digital e o engessamento da informação

Alberto Perdigão – jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade, escreve semanalmente sobre políticas de comunicação e comunicação pública - aperdigao@terra.com.br
Leitores, ouvintes, telespectadores e internautas brasileiros são bombardeados todo dia com novos números sobre a expansão da banda larga, do número de conectados à internet, do consumo de telefonia móvel e de outros dispositivos. O jornal da cidade ou a revista semanal de circulação nacional, colunas no rádio, quadros nos telejornais ou mídias especializadas em tecnologia da informação e comunicação reservam espaços cada vez mais generosos a temas que são impostos mais pela lógica do mercado livre, e que tudo pode, menos pela razão da sociedade, tão presa a modismos e à inconsequência do consumo inconsciente.
Tomara que eu não seja tomado por alguém purista, retrógrado, um ermitão, um extraterrestre por sugerir esta reflexão. Mas é que atingiu níveis preocupantes o agendamento que fazem os meios de comunicação, para agregar valor simbólico a produtos e serviços da esteira das tecnologias da informação e comunicação, bem como para construir o desejo de se estar up to date com as informações a respeito de tantas novidades relacionadas às mídias digitais. É preciso produzir e vender o conceito e o concebido. Então - devem pensar os donos dos novos meios da produção simbólica -, vamos colocar na vitrine midiática, vamos (des)informar.
Quem se antecipa à mídia tradicional e recebe boletins informativos de sites especializados pelo e-mail ou segue perfis no Twitter ou vai à fan pages no Facebook tem uma enxurrada de estudos sempre atualizados. É o caso mais grave, de nós jornalistas, que estamos sempre prontos para colaborar, reproduzindo na nossa editoriazinha e no blogs os novos números, rapidamente. E o fazemos com recorte e superficialidade suficientes a impedir ao consumidor-cidadão, sobretudo ao menos letrado ou de menor poder de compra, compreender o engessamento na democratização do avanço tecnológico e entender se aquele “avanço” poderia servir a um projeto de circulação da informação e do poder.
Pensado agora não como donos dos meios de produção simbólica e não como seus operadores jornalistas, defendo que é preciso saber ler os números para além de uma informação sobre tecnologia ou negócios. O número de acesso em banda larga (fixa e móvel), por exemplo, é um dos termômetros apresentados pela imprensa a cada mês. Em julho, os acessos no país cresceram 56,7% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo 45,7 milhões ou 11,2 milhões de novas conexões do tipo (quase ¼ do total) em apenas sete meses. “O que representa mais de um novo acesso conectado a cada dois segundos”, conforme qualificou a notícia do site da Telebrasil, em matéria publicada no dia 16 de agosto de 2011 (Telebrasil).
A ênfase dada ao ritmo de expansão da banda larga em reportagens deste tipo é inversamente proporcional a reservada a questões como a lentidão na universalização da banda no território nacional ou como e por que ocorre a rejeição, por parte do governo e da iniciativa privada, à proposta de conexão gratuita para os brasileiros. Ou ao fato de que a banda larga, mesmo paga, chega primeiro aos mais ricos, dos municípios mais ricos, quando a política pública deveria estimular exatamente o contrário. Ou ainda por que o governo brasileiro tem tanta dificuldade em levar internet de banda larga paga, de um megabit/segundo, a 20% dos municípios brasileiros até o fim do ano (DGABC), enquanto Londres já terá 30 migabits/segundo disponíveis aos seus moradores, nos Jogos Olímpicos do ano que vem (Blogs Estadão).
Segundo aquela mesma reportagem do telebrasil.org, analisando só a banda larga fixa, o aumento nos 12 meses foi de 26,3% (de 12,6 milhões para 16 milhões), índice curiosamente inferior ao da banda larga móvel, que teve incremento de 80,1% no período (de 16,5 milhões para 29,7 milhões). Mais esclarecedor seria, talvez, entender um país que passa a se conectar não mais pelo computador de casa ou do trabalho, não obstante a falta de PCs na grande maioria das casas e pequenos negócios do país, mas por telefones inteligentes e outros dispositivos móveis, a mais nova necessidade das classes A e B.
Tenho uma tese, que não vejo em debate na mídia tradicional ou especializada. As classes C, D e E também já não sonham com o computador pessoal, que é fixo, que é caro e demanda o pagamento da conexão à internet. O objeto de desejo para estas classes é o mesmo telefone móvel inteligente dos mais ricos, seja para acessar sites, redes sociais, trocar e-mail, ouvir música, assistir televisão ou até fazer uma ligação telefônica, em lugares de descanso, trabalho ou lazer. Mas estes, repito, que mais precisam de conexão na novíssima esfera pública, vão ter que esperar por uma política pública que não vem. Porque o preço dos móveis e inteligentes ainda é um impeditivo, que reforça a fratura digital (digital divide) – expressão que prefiro para falar de exclusão, fosso, abismo, apartheid digital.
Este panorama que afasta a grande maioria dos brasileiros do avanço tecnológico e que os priva de experimentar avanços políticos proporcionáveis pelas mídias digitais e a conexão de banda larga até poderia mudar, se a TV Digital interativa, outro avanço tecnológico, já fosse uma realidade. Mas esta também se demora. Vai no ritmo das emissoras de televisão, no da indústria de aparelhos, no do governo que as atende, em detrimento do que já poderia estar usufruindo, em tese, a sociedade. E vai seguir assim, provavelmente. Porque não há informação na esfera pública, não há a problematização, não há a formação de uma opinião pública que incomode o governo, que o faça acolher as deliberações da sociedade e que o apresse.
Se a mídia investisse mais em pautas sobre a possibilidade de transformar cada velho televisor analógico em uma plataforma de acesso à internet... Ou sobre o direito do cidadão a conversores baratos, subsidiados, com pagamento facilitado e com o middleware de interatividade Ginga embarcado... Ou sobre a banda larga, de passos tão curtos, que permitiria à emissoras instalar o canal de retorno... Imagino que poderíamos construir juntos, todos os atores, um novo projeto de democratização da comunicação e da informação, como prevê o Decreto que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital – SBTVD, que completa oito anos em novembro. Se você tem pressa é por novas informações e que o importante mesmo é saber quantos conversores podem ser vendidos este ano, clique no link a seguir, da notícia que acabei de receber (O Globo).

Um comentário:

VOVÔ HUGO disse...

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