Davis Sena Filho é jornalista
Getúlio e Lula: adeus a Lacerda, a FHC e à dependência do Brasil
No dia 24 de agosto de 2011 acordei às 6h30 e logo pensei no notável brasileiro que foi o gaúcho de São Borja, Getúlio Dornelles Vargas. Lembrei que o Senado homenageou, em 2004, o grande estadista, em uma sessão especial, da qual participei por meio de convite, pelo transcurso dos 50 anos de sua morte.
O Senado, instituição republicana por onde passaram vultos importantes de nossa história, entre eles o general gaúcho, Pinheiro Machado, e o doutor das letras, o baiano Rui Barbosa, sempre relembrou e homenageou as pessoas que ajudaram a pensar e a construir este País. É tradição, e, a meu ver, assim continuará, pois se trata de uma Casa augusta, enraizada na história do Brasil, além de ser um fórum político muito importante de deliberações e decisões.
Pensei em Getúlio e em sua obra. Refleti sobre seu imenso legado, e, conseqüentemente, em seus opositores, ferozes e injustos, desrespeitosos e ousados, mas, principalmente, oportunistas quando não mentirosos. Sobretudo, maledicentes e contrários ao desenvolvimento social e econômico que a população brasileira estava a experimentar pela primeira vez em sua história.
O Brasil, até então, era um País de herança escrava, atrasado. Cerca de 70% da população, em 1930, vivia no campo. Para ilustrar ou dimensionar o que foi Getúlio Vargas recorro ao saudoso professor, fundador da Universidade de Brasília (UnB) e criador do CIEP, senador Darcy Ribeiro, que disse a seguinte frase: “Quando você pensa que coisas elementares para qualquer País como os ministérios da Educação, da Saúde e do Trabalho não existiam no Brasil antes de 1930; quando você pensa que não havia jornada de oito horas de trabalho, não havia direito a férias, a sindicato, à greve, e constata que quem introduziu isso tudo foi Getúlio, mesmo reconhecendo seus defeitos não se pode esquecer sua importância histórica”.
A constatação do mineiro Darcy Ribeiro personifica e sedimenta a vida política, o ideário do estadista gaúcho, herdeiro de Júlio de Castilhos e, filosoficamente, positivista. Não há como, de forma imparcial, divorciar Getúlio Vargas do desenvolvimento do Brasil, e, por conseguinte, da inserção de nosso País no rol dos países que são considerados civilizados.
Getúlio civilizou a sociedade brasileira, porque garantiu os direitos civis e permitiu que o cidadão brasileiro se tornasse independente, por intermédio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da instituição do salário mínimo, da organização dos sindicatos, do direito à greve, do acesso das massas à educação, da criação da Previdência Social e da Justiça do Trabalho.
Além disso, Getúlio reorganizou o estado nacional ao instituir o concurso público, para depois centralizá-lo e com isso obrigar os estados a ser, de fato, federados. Naquela época os governadores eram chamados de presidentes e as oligarquias rurais e urbanas controlavam os governos estaduais, administravam o dinheiro público sem dar satisfação a um poder central, que hoje tem instrumentos como a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público e as Procuradorias, que combatem o desvio de recursos e apontam aqueles que são os responsáveis pela corrupção e por diversas modalidades de crimes financeiros e fiscais. A punição é com a Justiça, não se pode confundir.
Por tudo isso, não é correto, historicamente, negar o valor e a importância de um homem, raro, como Getúlio Vargas. Ele, juntamente com homens do quilate de Oswaldo Aranha, Lindolfo Collor, Francisco Campos, Gustavo Capanema, Pedro Ernesto, Juarez Távora, Tancredo Neves, Assis Brasil, Juracy Magalhães, Alberto Pasqualini, João Goulart e, posteriormente, Leonel Brizola, entre muitos outros, revolucionaram o nosso País, que até então era rural, voltado à agricultura e à pecuária.
Essa brilhante geração de políticos realmente pensou o Brasil e o construiu, solidificando-o para o futuro, mesmo quando este mesmo futuro não foi tão bom para os brasileiros — vide os homens que vieram a governar este País após a morte de Getúlio Vargas e depois da queda de João Goulart, no ano de 1964. Em vez de darem continuidade à sua monumental obra, tentaram desconstruí-la, aos poucos, de governo a governo.
Ao contrário dos Estados Unidos, cujos presidentes, em sua maioria, deram continuidade à obra social e econômica de Franklin Delano Roosevelt, os ditadores do período militar e os presidentes José Sarney, Fernando Collor e o tucano Fernando Henrique Cardoso — conhecido também como FHC — anunciaram o fim da Era Vargas.
FHC, o neoliberal, com sua vaidade de “aristocrata” ou de cafeicultor paulista quatrocentão, além da vocação para intelectual sociológico, colocou em prática sua característica principal como mandatário: nenhuma praticidade e vontade para fazer do povo brasileiro um povo orgulhoso e satisfeito com o seu País.
Vendeu empresas públicas lucrativas e organizadas, que foram base do nosso desenvolvimento. Estatais, como a Vale do Rio Doce (obra de Getúlio, para variar) e a Telebras, hoje mutilada e dividida entre os estrangeiros em várias partes, foram alienadas do patrimônio público brasileiro e vendidas a preços tão baixos que hoje soam como piada. De mau gosto, é claro.
Em vez de ter papel social, a Telebras dividida pela iniciativa privada estrangeira se transformou apenas em prestadora de serviços de telefonia dos mais caros do mundo, bem como é campeã de reclamações no Procon. Realmente, as telefônicas privadas dão nos nervos, porque quando algo ou alguém somente visa o lucro, não há como priorizar a sociedade e nem respeitar seus direitos fundamentais, garantidos pela Constituição e pelo Código do Consumidor. Portanto, considero que as agências reguladoras e o governo têm de ser duros com os maus empresários e cobrar, sem tergiversar, o que é definido pelos contratos.
As empresas de telefonia se recusam a investir nos rincões do Brasil e até hoje não disseminaram o sistema de banda larga, porque não têm competência para realizar tal projeto, além de considerá-lo caro para seus cofres abarrotados de dinheiro, valores monetários que, evidentemente, vão para fora em forma de remessa de lucro e com isso ajudar a gringada a amenizar o colapso financeiro, econômico, social e moral pelo qual estão a passar, por causa do derretimento do fracassado e desumano neoliberalismo, a partir de 2008. Somente os “especialistas” da imprensa privada comprometidos com o grande capital não percebem essas realidades. Eles não são uns gênios, prezado leitor?
O neoliberal tucano FHC, na verdade, não governou como presidente de uma Nação, e sim como corretor de imóveis e de empresas à venda. Lula trilhou um caminho contrário e fortaleceu o estado nacional, que posteriormente, tornou-se o maior responsável por o Brasil praticamente não sofrer com a crise econômico-financeira internacional, que acometeu o mundo no ano de 2008. Lula vem do trabalhismo paulista, que é diferente do gaúcho, mas, que no fim das contas tem os mesmos interesses políticos e sindicais, porque se trata de defender os interesses dos trabalhadores. E é esta a questão primordial.
Lula, mandatário que já tem um lugar de honra na história do Brasil tal qual Getúlio Vargas apenas compreendeu o trabalhismo do antigo PTB e do PDT e passou a trabalhar, de forma programática, essa realidade na Presidência da República. A direita percebeu e sua ponta-de-lança, a imprensa privada, passou a combatê-lo, como o fez com Getúlio, Jango e Brizola, ao ponto de, em 2005, quase ser derrubado por essa estratégia conservadora, que se valeu do caso do Mensalão para sangrá-lo politicamente, enfraquecê-lo, porque no ano seguinte haveria as eleições para presidente. Todo esse processo teve a cumplicidade da cúpula do PSDB e, obviamente, do DEM, que é o pior partido do mundo, pois tão conservadores quanto os republicanos do Texas. Eles, juntamente com os tucanos paulistas, são o Tea Party brasileiro.
Lula percebeu, juntamente com Marco Aurélio Garcia, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil e Luiz Dulci, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, que estava em jogo não apenas a luta pelo poder em termos civilizados, partidários e constitucionais, mas, sim, uma orquestração muito maior, que colocava em risco o seu mandato de presidente da república conquistado, inquestionavelmente, nas urnas.
O presidente trabalhista avisou aos seus ministros: “Continuem trabalhando no Ministério, porque eu vou para as ruas”. Dito e feito. Lula subiu para o Nordeste, e de lá avisou à direita que não aceitaria golpe de estado. Posteriormente, o presidente disse que o problema da direita, dos conservadores, é que eles nunca se depararam e trataram com um presidente cuja origem é o sindicalismo, a Igreja e as organizações sociais. É um triunvirato poderoso, porque ele é enraizado na alma do povo, e, por conseguinte, ramificado em todos os setores da sociedade brasileira. A direita percebeu e recuou. Ela é cruel, mas não é e nunca foi idiota.
O governo neoliberal do tucano FHC, que envergonha a verdadeira social-democracia, principalmente a européia, deveria, na verdade, ter se espelhado em Getúlio Vargas que ofereceu propostas e efetivou não um programa de governo, mas, sim, de estado para o País, com sua equipe e, obviamente, com a força dos trabalhadores brasileiros. Se Getúlio é considerado em um período ditador, como gostam de afirmar os “gênios” da imprensa privada golpista, o que pensar então das políticas econômicas e sociais de José Sarney, Fernando Collor e principalmente do neoliberal Fernando Henrique Cardoso?
Há ditadura mais cruel? E há crueldade maior do que a da imprensa comercial e privada? Esta apóia sempre os políticos que fazem o jogo de interesses do grande capital nacional e internacional e compactua, como sempre, com conspiradores de outros segmentos que se dedicaram e se dedicam a derrubar ou ridicularizar quaisquer políticos que tenham propostas nacionalistas, projetos para o País e programas de governo, exemplificados em Getúlio Vargas, João Goulart e Luiz Inácio Lula da Silva, bem como em Juscelino Kubistchek, que por pensar em seu futuro político, apoiou, em primeiro momento, o golpe de estado de 1964. Depois Juscelino percebeu seu grave erro e passou também a combater a ditadura militar, que o perseguiu e o humilhou.
Pois bem, a corrente política trabalhista dos gaúchos, também dos uruguaios e argentinos, enfim, foi derrotada em 1964, por intermédio de políticos e militares udenistas e golpistas umbilicalmente ligados à Guerra Fria, promovida e patrocinada no ocidente pelos Estados Unidos, e apoiada por parte da classe média despolitizada e conservadora e, logicamente, como não poderia deixar de ser, pela imprensa privada, os religiosos conservadores da Igreja Católica, banqueiros como o governador de Minas, Magalhães Pinto, além dos empresários da Fiesp, da Fierj e de outras federações empresariais menos importantes.
Não procede e não reflete a verdade a interpretação de muitos historiadores, sociólogos, políticos e jornalistas que Getúlio Vargas, em 1945, teve de renunciar por causa da vitória da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na II Guerra Mundial, como, por exemplo, declarou ao “Jornal do Senado”, em sua edição especial de 24 de agosto de 2004, o presidente do Senado e udenista bossa nova, senador José Sarney.
A verdade é a seguinte: Em 1950, Getúlio Vargas, eleito legitimamente pelo voto popular, teve de renunciar, pois o Palácio do Catete estava sitiado pelos militares (sempre eles). Agiu dessa forma para manter o regime democrático e com isso garantir a vitória do marechal Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra, nas eleições constitucionais de 1946. Tanto é verdade que Getúlio foi eleito em 1950, fato este que fez recrudescer o ódio feito de bílis da direita reacionária udenista-militar, que nunca teve voto e continuou a não tê-lo através da história, mesmo com suas novas roupagens de Arena, PDS, PFL e agora DEM, que está a se transformar em um partido médio para pequeno, ainda mais com o aparecimento do PSD, sigla partidária fundada por Getúlio, do prefeito paulistano Kassab, que fez com que muitos demoníacos (desculpem, foi um lapso!), demistas pulassem do barco para não afundar com ele. Kassab percebeu que ser aliado de José Serra é dar abraço em afogado, e apoiar Geraldo Alckmin é não ter acesso livre para concorrer a governador de São Paulo. Esperto o Kassab, não achas, caro leitor?
Com isso o DEM, que é o PFL e a UDN vai seguir o seu destino: o fracasso e a extinção, palavra esta muito íntima de ex-senador e ex-governador de Santa Catarina e ex-“ideólogo” do DEM, Jorge Bornhausen. Quem sobrou para o DEM? O Cesar Maia. Porém, quem vai votar nele, a não ser alguns mauricinhos e novos riquinhos da Barra da Tijuca e de parte da Zonal Sul e da Zona Norte do Rio de Janeiro. Ah, já ia esquecer. Tem também o vice do Serra, que não quis fazer o teste do bafômetro: o inesquecível deputado Índio da Costa, intrépido playboy, sem esquecer o senador tucano e mineiro Aécio Neves, principal adversário do PSDB paulista e de sua imprensa privada.
Voltemos ao Sarney. Udenista que também foi da Arena e do PDS, conhece a história do Brasil. Ele sabe que Getúlio foi vítima de um golpe. Vargas caiu porque sofreu um golpe “branco” e foi traído pelos coronéis e generais, inclusive pelo seu ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa. Os generais, a maioria, dizia-se, até então, legalista, portanto, constitucionalista. Esses mesmos coronéis e generais, dez anos mais tarde (1964), ascendem ao poder, por meio de um golpe militar, com amplo apoio de forças estrangeiras como a CIA e o Departamento de Estado, da IV Frota dos EUA, de civis brasileiros de oposição, aqueles com influência junto aos empresários que controlam os meios de produção e de comunicação, bem como o importantíssimo apoio logístico, geográfico e político de governadores poderosos como Magalhães Pinto de Minas Gerais, o intrépido, loquaz, agressivo, ambicioso sem limites pelo poder e multifacetado Carlos Lacerda do Rio de Janeiro, denominado pelos seus adversários de Corvo, e o governador de São Paulo, Ademar de Barros, “o rouba, mas faz”.
Para o bem da verdade é necessário que fique claro que Vargas não foi derrubado porque era “ditador”, e sim porque era nacionalista, contrariava interesses internacionais e elaborou leis e assinou resoluções que beneficiaram o trabalhador. A questão política (ser ditador ou não) sempre ficou em segundo plano, mas foi usada e manipulada, sistematicamente, como questão principal. A imprensa atacava violentamente Getúlio (a Tribuna da Imprensa, do golpista Carlos Lacerda, publicou, de forma cruel e infame, a seguinte manchete: “Somos um povo descente governado por um ladrão”). Os proprietários de jornais, rádios, televisões e revistas pertencem à classe do patronato e, igualmente, aos patrões de outros segmentos da economia, eram e ainda o são até hoje contra os avanços sociais efetivados pelos governantes trabalhistas. Eles sempre, quando podem, pedem a revisão das leis trabalhistas. Sempre.
Considerar Getúlio ditador realmente foi um subterfúgio para a burguesia brasileira combatê-lo e derrubá-lo. Tanto é verdade que depois a imprensa empresarial apoiou como cúmplice e de forma subserviente os militares a partir de 1964. Ou seja, a imprensa privada foi um dos principais alicerces da ditadura militar. A ser assim e assim fazer os barões da imprensa e das mídias enriqueceram a tal ponto que hoje enfrentam governos e tentam pautá-los conforme seus interesses políticos, ideológicos, econômicos e financeiros. Ainda mais se determinado governante for trabalhista, como Getúlio, Jango, Lula e agora a presidenta Dilma Rousseff.
A verdade é que a ditadura Vargas perto da dos militares de 1964 era coisa de amador. A imprensa da época, os ricos e parte da classe média derrubaram Getúlio porque seu governo estava a distribuir renda, além de inserir muitos milhares de brasileiros no mercado de trabalho e nas escolas públicas. Getúlio Vargas foi derrubado em 1945 e morto em 1954 porque era nacionalista e tinha um projeto de autodeterminação para o País. Fato este que não interessa e nunca interessou aos EUA e à nossa burguesia herdeira do sistema de escravidão.
Os militares e civis que passaram a controlar o Brasil com mão de ferro em 1964 se alinharam aos interesses internacionais, tendo como base a Guerra Fria. Os Estados Unidos não permitiriam jamais que o Brasil, bem como a Argentina de Perón e o Uruguai se desenvolvessem sem sua aquiescência. Era uma questão de geopolítica e colonialismo, pois os estadunidenses passaram a ficar histéricos quando a União Soviética dividiu o mundo, simbolicamente, com o muro de Berlim.
O Brasil, então, passou a abrir as portas, com mais ênfase, às multinacionais e os economistas, de pensamento monetarista, como Eugênio Gudin, Roberto Campos e equipes direcionaram a economia do País para o que hoje se chama de neoliberalismo, que pode também ser chamado de globalização, que é o colonialismo maquiado, com nova estampa, a fim de atender as demandas da nova ordem mundial, que é a mesma ordem secular de sempre: manda quem pode (países ricos); obedece quem tem juízo (países pobres). Como ocorre agora com a Líbia. Os países colonialistas, por meio da ONU, órgão defasado, superado e de espoliação internacional, cala-se e mais uma vez se torna cúmplice da rapinagem e da pirataria que se pratica por meio da força nos países árabes, como exemplificam muito bem o Iraque e o Afeganistão, somente para ficar nesses.
Acontece que Getúlio Dornelles Vargas tinha juízo. Quem não tinha e continua a não tê-lo são os políticos de partidos (extintos ou não) como a União Democrática Nacional (UDN), o PL, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o Partido Democrático Social (PDS), o DEM (ex-PFL), o Partido Popular Brasileiro, atual Partido Popular (PP), além de outros partidos de centro e de direita como o PPS e o PSDB, aquela agremiação política que vendeu o País e por causa desse grave motivo perdeu as últimas três eleições para presidente da República.
Getúlio Vargas estava tão à frente de seu tempo que, em 1929, na campanha à Presidência da República, pela Aliança Liberal, ele propunha uma legislação que efetivasse as férias remuneradas e a regulamentação do trabalho do menor e da mulher, o que venhamos e convenhamos, deixou a “elite” econômica nacional inconformada, com raiva, ou melhor, com ódio. Getúlio Vargas foi o maquinista da revolução industrial brasileira, a transformar, desse modo, um País rural em urbano.
Criou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Vale do Rio Doce e a Petrobras. O mundo hoje, com as guerras no Oriente Médio, na África e na Ásia árabe, está a enfrentar mais uma crise de petróleo, na verdade de vários tipos de energia, e o Brasil é autossuficiente e, portanto, não sente em demasia a alta nos preços do combustível fóssil. É verdade que os preços da gasolina, por exemplo, não é barato, mas, contudo, o Brasil, com a descoberta do Pré-Sal e com seu mercado interno cada vez mais forte, torna-se um País mais poderoso do que já é, e preparado para enfrentar crises, bem como ter o controle de suas diferentes fontes de energia.
Retornemos a Getúlio. Além disso, a construção da CSN permitiu que o Brasil liderasse o segmento do aço e assim se tornasse proprietário de seu destino, sem precisar exportar ferro bruto e depois comprar o mesmo ferro de países industrializados a preços altíssimos, em dólares, o que, sobremaneira, não agradou aos industriais norte-americanos do segmento do aço. Só que produzir aço é uma questão de segurança nacional e de independência para qualquer País, e Getúlio percebeu isso. Alguns grandes empresários sempre remam contra a maré e contrariam os interesses de seu próprio País.
Lula, quando presidente, pressionou o manda-chuva da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, a agregar valor à produção da Companhia, ou seja, construir siderúrgica, fábricas que pudessem propiciar empregos no Brasil para os trabalhadores brasileiros. Lula demonstrou, em público, sua contrariedade. Agnelli pagou para ver. E viu; pois demitido. No governo Dilma ele teve de sair da presidência da Vale do Rio Doce. Como se vê, existem empresários, executivos atuais que agem como os empresários e executivos do passado. O tempo passa, mas a cabeça é a mesma. São tacanhos e medíocres, porque não pensam no País. Eles não têm compromisso. Não dá para deixar na mão de um executivo predador uma empresa do gigantismo da Vale do Rio Doce, identificada com o povo brasileiro, além de ser obra do estadista nacionalista Getúlio Vargas. E a imprensa e seus “especialistas” de prateleira têm a insensatez e a total falta de noção ao defender o injustificável e o indefensável, tudo para manter privilégios e atender os interesses do mercado internacional, mesmo se o preço for o prejuízo do Brasil e do seu povo competente, criativo e trabalhador.
Fernando Henrique Cardoso, quando se despediu do Senado em 1994, com o propósito de desmontar a Era Vargas, afirmou: “Um pedaço do nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado Intervencionista”. FHC queria o quê? O País não tinha nada. Era rural. Getúlio remodelou o estado nacional e o organizou. Somente o estado teria e tem (como demonstrou na crise mundial de 2008) condições de fomentar e desenvolver a economia e, por conseguinte, permitir a melhoria da qualidade de vida da população, ainda mais naquela época de Vargas.
Nada mais natural as palavras de FHC, que depois de terminar o seu mandato, não deixou legado algum, a não ser o legado da miséria, da diminuição da renda do brasileiro, da venda das estatais que FHC não construiu e não lutou para construí-las, da subserviência ao FMI (faliu o Brasil três vezes e três vezes pediu dinheiro), da não efetivação séria da reforma agrária, da degradação do meio ambiente, da destruição das nossas estradas, do racionamento de energia durante nove meses, o apagão, e, como não poderia deixar de ser, do crescimento da violência.
O executor do neoliberalismo no Brasil, o tucano FHC, criticou o legado de Getúlio no Senado, em 1994, como se fosse uma senha. Ele sinalizou aos estadunidenses, credores históricos, que desmontaria o estado brasileiro, com as vendas das estatais e do fechamento de instituições e órgãos públicos e com isso permitir a diminuição do estado nacional. Estado menor mais dinheiro para pagar a dívida. Atitude que os estadunidenses, por não serem entreguistas, não fariam com o estado deles.
FHC, o neoliberal, trabalhou bem para os ricos e manchou de vergonha todos os brasileiros que um dia acreditaram que a social-democracia fosse democratizar a vida nacional, a começar pela distribuição de renda e de riqueza. Afinal, foi isso que os sociais democratas europeus fizeram. Somente eleições não bastam. Tem de haver democracia na economia. Distribuição de renda, de terra, apoio à micro e média empresas, crescimento nos índices de emprego e, sobretudo, aplicação massiva de recursos em educação. Foi isso que Getúlio e Lula fizeram. Cada uma com as realidades de sua época.
FHC (ele é professor) e seu governo entreguista não construíram uma escola de ponta, uma escola técnica. As universidades públicas foram quase desmanteladas e as faculdades particulares surgiram como sarampo em criança, a maioria delas somente de olho nas mensalidades pagas pelo aluno trabalhador, despossuído de dinheiro e de ensino de qualidade. Quanto a Lula, o que dizer?
Lula (e muitos sindicalistas da CUT, alguns deles, inclusive, foram eleitos deputados), antes de ser presidente e por desconhecimento, pensava de uma maneira bem parecida como o FHC, no que tange ao trabalhismo a ao sindicalismo. Lula considerava a CLT como o AI-5 dos trabalhadores. Para o presidente petista, Getúlio Vargas era o pai dos pobres e a mãe dos ricos. Lula afirmava que o PT nasceu dos operários de macacão e deve escolher o seu destino em vez de ficar à mercê do cajado de políticos que deveriam andar com os trabalhadores e não dizer o que eles têm que fazer.
Na Presidência da República, Lula, homem muito inteligente, dotado de uma clarividência política ímpar, percebeu que sua condição de político e a sua realidade de vida e o seu pensamento ideológico eram mais próximos dos trabalhistas gaúchos do que ele pensava. Ele não somente percebeu como começou a governar como tal, ou seja, com as características inconfundíveis de um mandatário trabalhista, tanto no Brasil como na Argentina ou no Uruguai.
Lula sempre quis os sindicatos desvinculados do estado. Os sindicatos foram criados na era Vargas. Lula tem forte influência nos sindicatos, pois a CUT é um conjunto imenso dessas importantes entidades. A verdade é que se não existissem os sindicatos, Lula não existiria como grande líder político que é hoje. Lula, portanto, é fruto do sindicalismo criado por Getúlio. Por mais que os sindicatos paulistas e confederações e federações de trabalhadores não tenham oficialmente vínculo com o estado, não há como desvincular Lula de Getúlio, porque ambos são (ressaltadas suas diferentes épocas e origens) umbilicalmente e historicamente ligados aos trabalhadores brasileiros.
Contudo, de uma coisa eu tenho certeza: não se consegue desmontar a história, e Getúlio Vargas vai ficar para sempre na memória do povo brasileiro. Antes de dar fim à Era Vargas (coisa que muitos tentaram, mas não conseguiram), todo dirigente político tem de procurar não imitar FHC — o neoliberal. Se tal mandatário pensa em realmente ficar na história que ele faça por onde. Não basta ser um presidente administrador dos interesses das classes privilegiadas. Tem de ser estadista. E Lula se fez estadista igual a Getúlio.
FHC falou demais e fez de menos. Lula aproveitou a crise mundial e parou de administrar somente a macroeconomia (exportações, bancos, grandes indústrias e serviços) e passou, inclusive antes da crise, a valorizar a poupança interna para fazer o País crescer, além de se preocupar com a criação de universidades, extensões e escolas técnicas. Dilma Rousseff vai agora implementar a construção de creches e melhorar o ensino público fundamental.
Todavia, quem quer pagar ensino que pague. O estado é o provedor maior, pois o estado é a própria população. Quando o estado não cuida de seu povo, ele não é democrático. Esse negócio de empresa privada, livre iniciativa é papo para boi dormir. Conversa mole para favorecer os ricos. A livre iniciativa mama nas tetas do estado há muito tempo, como ocorreu há pouco nos Estados Unidos e na Europa, por causa da crise de 2008, que derreteu o neoliberalismo, sistema de rapina e desregulamentado de propósito para privilegiar ainda mais quem já era privilegiado.
A verdade é a seguinte: empresário empregador tem de ter apoio sempre e financiamento. Empresário especulador “tem que passar a ser competente para se estabelecer”, como define o principal bordão empresarial, além de ser a regra número um do mercado, tão admirada inclusive pelos maus empresários. Getúlio Vargas é mais moderno que todos os presidentes brasileiros, juntamente com Lula. Acontece que até hoje a nossa elite econômica tem rancor do grande estadista, por ele ter colocado ordem no País, quando assumiu o poder em 1930 e depois derrotou a “revolução” Cartola Constitucionalista de 1932, que queria manter os privilégios de uma oligarquia que ainda sonhava com o tempo da escravidão (política do café com leite).
Inclusive, infelizmente, parte da elite acadêmica, universitária e de viés tucano, analisa Getúlio com uma ponta de desdém, que é a inveja dissimulada. Getúlio Vargas foi um fenômeno político. Quando ele assumiu o poder e passou a modernizar o estado e as relações trabalhistas a libertação dos escravos tinha acontecido há apenas 42 anos, depois de 350 anos de escravidão, a mais longa da história da humanidade. Acham isto pouco? Mas não é. É muito.
A Era de Getúlio não foi devidamente dimensionada pela história e pelos historiadores. E vai levar tempo, enquanto viver neste País pessoas rancorosas, conservadoras e invejosas, que não reconhecem o Legado de Getúlio Vargas, que os udenistas, a imprensa privada e os seus “especialistas” de prateleira, os golpistas de plantão, os socialistas equivocados, o FHC, o Serra e seus tucanos não reconhecem e não compreendem ou simplesmente lutam contra os interesses do Brasil e seu povo.
O estadista brasileiro, o “ditador” esclarecido Getúlio Dornelles Vargas reorganizou os partidos, fundou o PSD e o PTB, estabeleceu o voto feminino, o voto secreto, criou a Previdência Social, criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estatizou a geração de energia elétrica, criou a carteira de trabalho, criou a Fábrica Nacional de Motores (lembra-se do caminhão FNM?), criou a Rádio Nacional, criou o Museu Imperial de Petrópolis, a resguardar assim a memória do Século XIX, criou a Eletrobras, criou o Serviço Nacional da Indústria (Senai) e o Serviço Social da Indústria (Sesi), instituições essenciais para a formação de mão-de-obra especializada, pois Getúlio Vargas estava a iniciar a industrialização do País. Os empresários da Fiesp acham que foram eles que criaram o Sesi e o Senai. E os Marinho e os executivos das Organizações(?) Globo pensam que o “Criança Esperança” é programa de governo. Seria cômico se não fosse trágico. Realmente… Sem comentários.
Criou ainda o presidente gaúcho e trabalhista o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), responsável pelo treinamento e profissionalização da carreira dos funcionários públicos, criou a “Voz do Brasil”, para divulgar as ações do governo, além de limitar a remessa de lucros de empresas estrangeiras para o exterior. Somente este último item me leva a imaginar o que Vargas deve ter arrumado de inimigos, tanto estrangeiros quanto nacionais. O político trabalhista era, sobretudo, um homem corajoso. Getúlio Dornelles Vargas fez essa obra gigantesca em 19 anos. Os outros presidentes, juntos, com exceção do também estadista Lula, não fizeram nem a terça parte do que fez o Getúlio. É isso aí.
Davis Sena Filho é jornalista
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