domingo, 25 de setembro de 2011

A falácia do aparelhamento e o papel do Estado

(artigo publicado no blog do Noblat em 23 de setembro de 2011)
A recente divulgação pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) do estudo “Ocupação no setor público brasileiro: tendências recentes e questões em aberto” colocou em pratos limpos o que é fato e o que é discurso quando o assunto é nomeação política para cargos federais: o Governo Lula contratou três vezes mais servidores concursados do que seu antecessor, a gestão Fernando Henrique Cardoso.
Um dos motes repetidos à exaustão na campanha presidencial de 2010 pelo candidato do PSDB, José Serra, era justamente que o Governo Lula aparelhava o Estado com práticas de loteamento da máquina pública. Esse discurso, aliás, tem sido utilizado com frequência pela oposição para aludir a uma suposta ausência de critérios técnicos na nomeação de cargos públicos.

No entanto, o estudo do Ipea derrubou essa falácia e revelou que o nível de contratações na década de 2000 foi crescente, mas apenas repôs o nível de funcionários públicos concursados existente no começo dos anos 1990.

Há, portanto, conclusões duplamente incômodas aos tucanos: de um lado, desmascaram o discurso de campanha e de oposição do “aparelhamento”, que não tem amparo na realidade; e, de outro lado, apontam para um processo de sucateamento da máquina pública sob a gestão FHC. E sabemos que esse processo decorre de uma opção política.
De fato, o segundo mandato de FHC foi marcado pela prioridade conferida à contenção fiscal das despesas estatais e à privatização do patrimônio público nacional. Duas diretrizes do modelo neoliberal, adotado com entusiasmo pelos tucanos.

Como resultado, o tamanho do Estado foi reduzido, com graves perdas à capacidade de planejamento, formulação, gestão e execução de políticas públicas. Essa foi a face perversa da “herança maldita” deixada pelo PSDB na área da Administração Pública.
Tal tendência só foi revertida com o Governo Lula, que fez claras opções políticas opostas ao modelo tucano, dando início a um novo papel do Estado. Nosso caminho foi o de priorizar o crescimento econômico, o desenvolvimento sustentável, a distribuição de renda e a capacidade do Estado de estimular e induzir os vetores produtivos nacionais.
Trata-se de um modelo que se mantém e vem sendo aprofundado no Governo Dilma Rousseff, mas que precisou inicialmente superar a questão de como avançar com uma máquina estatal sem condições de planejar e realizar as políticas públicas.
Era fundamental, portanto, reanimar o Estado, contratar novos funcionários públicos e mirar no aumento da eficiência —metas que se mantêm, especialmente em áreas como a Educação, na qual precisamos avançar sem demora.
Esse novo caminho é claramente identificado no estudo do Ipea, que destaca “a preocupação em conferir maior capacidade burocrática ao Estado brasileiro, mediante o reforço de carreiras em áreas estratégicas”. Em outras palavras, não seria possível crescer sem fortalecer o Estado e as carreiras estatais, por meio de uma política clara e consistente de aumento do salário mínimo e do incremento de benefícios sociais.
Como destaca o Ipea, “o novo cenário de crescimento da economia que teve início em 2004 favoreceu o início de uma fase de expansão do quadro de pessoal da administração federal, bem como a política de ajustes graduais da remuneração dos servidores”.
Paralelamente, o Governo Lula promoveu a reabertura dos concursos públicos dirigidos em áreas prioritárias e estratégicas. Assim, conseguiu atender a três objetivos simultâneos: ampliar a capacidade estatal, recompor os funcionários que se aposentaram e substituir as contratações “terceirizadas” —esta, uma prática frequente dos governos tucanos.
Notem também que, em 2009,Estados e municípios gastaram o dobro com pessoal do que o governo federal, mais um dado que contradiz o “aparelhamento”. Para ser exato: 21,8%das despesas federais foram com pessoal, ou 4,3% do PIB, enquanto que, nos Estados, esses percentuais foram de 51,2% e 6,2%, respectivamente, e nos municípios de 48,9% e 3,5%.
É lamentável que as conclusões do Ipea tenham recebido destaque reduzido e provocado pouca repercussão, porque somente a divulgação ampla é capaz de derrubar o falso mito do aparelhamento.
Ademais, estudos como esses lançam luz sobre a evolução do Estado brasileiro e contribui decisivamente para identificarmos entraves e melhorias no desempenho estatal, permitindo que possamos intensificar esse processo de profissionalização do serviço público e combate à corrupção no interior da máquina estatal.
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

http://paraibaonline.com.br/index.php/colunistas_inc/68/100 

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