O TechTudo entrevistou Jon “Maddog” Hall, diretor executivo da Linux International, uma organização mundial sem fins lucrativos que busca disseminar e promover o Linux e outros sistemas de código livre.
Jon “Maddog” Hall (Foto: Allan Melo (TechTudo))
Em um papo informal, Jon Hall falou sobre o seu Projeto Cauã, os novos rumos do Linux e ainda deu a sua opinião sobre o Android, entre muitos outros assuntos.
Confira como foi a nossa conversa:
TechTudo: Jon, seu amigo Linus Torvalds lançou recentemente a nova versão do Kernel Linux, a 3.0. Você acha que isso vai ajudar a aumentar a popularidade do sistema, ou é apenas uma questão de nomenclatura?
Jon Hall: Se você ler o que o Linus Torvalds escreveu sobre o assunto, é realmente apenas uma mudança de número. Você não verá muitas mudanças no novo Kernel, são apenas melhorias incrementais. Isso é o que o Torvalds está tentando fazer ao longo do tempo, nos manter em constante estudo e aprimoramento do Kernel, sem introduzir enormes saltos.
TechTudo: Isso poderia afastar os consumidores e usuários.
Jon Hall: Eu acho que depende das pessoas que integram o Kernel nas suas distribuições e produtos continuarem fazendo os testes que fazem e se certificarem de oferecer o melhor para seus clientes.O Kernel Linux 3.0 não será o produto principal do Kernel, terá apenas algumas correções e algumas funções adicionais. Seria quase como um 2.8, nós só mudamos as estruturas dos números para tornar o fluxo menor.
TechTudo: O que você pode me dizer sobre o sistema Android? Você acha que a revolução dos tablets irá dominar o mercado? E qual o impacto disto sobre o número de usuários de Linux no mundo inteiro?
Jon Hall: Acredito que o número de telefones com o sistema Android que existem no mercado estão aumentado o número de pessoas que utilizam o Linux Kernel, e isto é muito positivo.
TechTudo: Você usa um smartphone Android?
Jon Hall: Na verdade, eu tenho dois smartphones Androids.
TechTudo: E qual deles você gosta mais?
Jon Hall: Eu gosto mais do Nexus. Um monte de gente deu muito crédito ao Google por causa do Nexus. Porque o Google disse que iria distribuir e tudo mais e todo mundo ficava dizendo “bem se não é um distribuidor que está vendendo, então como você vai conseguir a venda?” Bom eu consegui o meu muito bem, obrigado. A propósito eu estou rodando um Android 2.3 agora mesmo. Foi uma atualização automática, eu não tive que fazer nada. Estou perfeitamente feliz e não tive nenhum problema até agora.
TechTudo: Ótimo. E quanto aos tablets? Você já usou o tablet Honeycomb?
Jon Hall: Eu tenho que admitir que eu não sou um fã dos tablets. Isso é porque eu digito muito e...
TechTudo: É incômodo digitar no teclado na tela, não é?
Jon Hall: Sim, para mim é muito incômodo digitar nesses teclados. Eu poderia imaginar: Se você está sentado em casa e quer ler os jornais ou ler um livro, ou quem sabe usá-lo como um controle remoto para a TV, eu consigo entender isso. Mas...
TechTudo: Produzir conteúdo no tablet é complicado.
Jon Hall: Sim, e outra coisa é que eu simplesmente não estou em casa tanto assim, quero dizer, já faz um bom tempo que eu cancelei minha TV a cabo. Eu vejo as notícias na internet, mas eu faço isso através do meu notebook.
TechTudo: Você prefere usar um notebook ou um netbook?
Jon Hall: Não tenho numa preferência entre um notebook ou um netbook. O último notebook que comprei foi o primeiro que comprei em sete anos, ou seja, eu faço programação, e simplesmente não preciso de um notebook top de linha para fazer isso. Eu também faço um monte de trabalhos de processamento de dados, então eu tenho um sistema muito dependente. Eu estava utilizando o Linux e como tudo estava rodando perfeitamente bem...
TechTudo: Você não tinha a necessidade de um equipamento mais potente.
Jon Hall: Exatamente. Recentemente eu comecei um projeto onde a virtualização tinha um grande papel, e para isto eu precisava de um sistema que desse suporte a isso. Então eu comprei o que eu chamo de Smaug, cujo nome presta uma homenagem ao dragão do livro “The Hobbit” de Tolkien, porque ele tem processador Core i7, 8GB de memória interna e 1 TB de capacidade.
TechTudo: Então agora você provavelmente irá passar um longo tempo sem ter que mudar de novo.
Jon Hall: Isso mesmo. Vou continuar com esta máquina por muito tempo.
TechTudo: Queria falar sobre o seu apelido, Maddog. Como eu sei que todos sempre te perguntam sobre isso, então vou tentar um enfoque diferente. Você reconhece outros “Maddogs” na comunidade Linux no mundo? Quem seria o seu principal herdeiro? Você acha que pode haver alguém que tenha a mesma representação e significado que você teve para a comunidade do software livre?
Jon Hall: Tem muita gente que tem esse significado na comunidade. Eu venho aqui para o Brasil e as pessoas me pedem para tirar foto e essas coisas parecem que as fazem sentir-se bem, então eu faço isso. Mas o que eu sempre digo para elas é que, se elas querem ver a pessoa mais importante para o software livre, elas devem olhar para o espelho quando levantam pela manhã.
TechTudo: Excelente resposta!
Jon Hall: Eu também conto para as pessoas que viajo muito, venho para o Brasil, vou para Europa, para a Ásia e muitos outros lugares. Uma das minhas razões para acreditar no software livre é que a Internet permite que os bons programadores tenham o destaque merecido e sejam vistos, sendo levadas para o topo, como o creme sobe no leite. Em uma cultura de software proprietário, essas pessoas ficam escondidas por trás da parede binária das corporações, então você não enxerga estas pessoas e não sabe quem elas são.
TechTudo: Assim é impossível reconhecer o talento dessas pessoas, não é?
Jon Hall: Exatamente, o talento fica escondido. Então ao mesmo tempo em que falo para as pessoas que eu estou procurando pelo próximo Albert Einstein da ciência da computação, eu não sou tão egoísta a ponto de achar que ele virá dos Estados Unidos. Na verdade ele poderá vir do Brasil, da Argentina ou até mesmo da Finlândia.
TechTudo: O que você pode nos contar sobre o Projeto Cauã, que você está implementando aqui no Brasil?
Jon Hall: Eu tenho trabalhado no Projeto Cauã nos últimos 6 anos. Há cerca de uns dois anos, Douglas Conrad (diretor da empresa brasileira OpenS Tecnologia) ouviu falar sobre o projeto e entrou em contato comigo. Ele me disse que achava que a proposta tinha muito potencial, então nós começamos a tentar levantar fundos para desenvolver o Projeto Cauã. O projeto consiste basicamente em criar empregos. Nós levamos ao extremo e pensamos que podíamos criar entre um e dois milhões de novos empregos ligados a alta tecnologia no Brasil e mais um ou dois milhões de empregos na América Latina.
Também pretendemos reduzir a quantidade de eletricidade usada pelos computadores e para acondicionar esses computadores. Isso dará também melhores computadores para as pessoas sem que elas tenham que ficar se preocupando com vírus, spams e coisas do tipo. Basicamente o que nós vamos fazer é criar trabalho para empresários, onde esses empresários serão donos dos sistemas e fornecerão o poder da informática para as pessoas, que poderão utilizar em suas casas, apartamentos, hotéis, hospitais, em negócios pequenos.
Se você olhar para São Paulo e para o Rio você verá grandes prédios com um monte de escritórios e nem todos esses escritórios vão poder pagar um sistema que é administrado como vocês tem. Então a ideia é que uma pessoa forneceria e administraria o sistema para elas. Essa pessoa também iria fazer seus backups, eliminar os spams, ajudar com os vírus, instalar softwares, para que, quando essas pessoas sentarem no computador, possam se concentrar em fazer o seu trabalho. Então, nós temos o plano de fazer isso. Nós, na verdade, vamos lançar a demonstração do primeiro estágio desse projeto em junho. E com isso, nós acreditamos que vamos lançar o primeiro produto com alguns empresários em setembro. Depois disso, nós vamos em frente com o Projeto Cauã.
TechTudo: Você pode relacionar o Projeto Cauã com Chrome OS e o ChromeBook. Você acha que é o mesmo conceito? Eles roubaram a sua ideia?
Jon Hall: Não não. Chrome, é um bom “thin client” e eles contam com que os dados sejam armazenados em algum lugar na nuvem. Bom, você não sabe onde essa nuvem está e você não sabe quem são as pessoas que estão administrando essa nuvem.
TechTudo: Se é seguro.
Jon Hall: Exatamente. E digamos que você quer mudar alguma coisa no software em nuvem, a quem você recorre?
TechTudo: Ao Google.
Jon Hall: Ah, para o Google. Ligue para o Sr. Google e diga Sr. Google eu quero falar sobre você ser...Isso é até mais difícil do que ligar para o Bill Gates. Veja, nesse programa vai haver alguém que pode estar no porão do seu prédio, ou no estacionamento do seu prédio, em uma pequena sala do seu prédio empresarial e você poderá ir até ele e dizer..
TechTudo: Você pode fazer diretamente com a pessoa.
Jon Hall: Você fala diretamente com ela e você diz: “Tudo o que eu preciso é uma pequena mudança” e ele olha pra você e diz: “Eu acho que eu posso fazer isso pra você”.
TechTudo: É mais lógico.
Jon Hall: Você pode ter que pagar para ele um pouco de dinheiro ou, talvez, ele possa pedir para a comunidade para fazer essa mudança para você e você a teria. E essa é uma das razão do por quê esse projeto pode ser auto-sustentável. Porque é uma economia mundial que perde 6,5 bilhões de dólares todos os dias porque um software não funciona do jeito que a gente queria.
TechTudo: Isso é realmente muito impressionante. Nós temos que mudar isso. Eu gostaria de te perguntar o que você pensa sobre a comunidade “Open Source” em geral. e o que você vê no futuro, sei que essa pergunta é complicada, mas em qual direção você acha que o futuro nos levará com o Open Source?
Jon Hall: Vou responder a segunda pergunta primeiro: A dominação do mundo.
TechTudo: Nada menos do que isso.
Jon Hall: Não pode ser nada menos do que isso. Porque francamente os softwares fechados tendem ao fracasso. As pessoas esquecem que há quarenta anos atrás a forma que o software era escrita era muito específica. Você tinha um problema, anotava qual era o problema era e me contratava como um programador, eu escrevia o código para você e você era dono do software. E aí veio o Sr. Gates e Sr. Jobs e o uso do Apple II e, você sabe, o IBM PC, eles colocaram um mainframe na mesa de todo mundo e disseram “boa sorte”. Isso foi mais fácil quando a maioria das pessoas falava as cinco principais línguas do mundo e todos faziam da mesma maneira, mas quando começou a ficar mais diversificado, ficou cada vez mais difícil de manter todo aquele software levando em conta o que as diferentes pessoas precisam para trabalhar. E por causa disso veio essa lacuna de funcionalidade que continua a crescer e causar mais e mais dor às pessoas, já que cada vez fica mais difícil que as pessoas consigam a ajuda que precisam. Foi assim que se criou 6.5 bilhões de dólares todos os dias. Cedo ou tarde as pessoas vão começar a perceber o quanto elas estão perdendo.
TechTudo: Perdendo tempo, perdendo dinheiro...
Jon Hall: Exatamente. Então vamos dizer que você tenha 300 funcionários trabalhando para você. Todos estão atrás de algum tipo de computador e eles gastam 15 minutos por dia mexendo nos seus computadores porque eles não tem um bom administrador de sistema para tomar conta disso por eles. Isso é como se nove pessoas não tivessem aparecido para trabalhar e você como gerente ficaria totalmente louco com isso. Eles não ligaram dizendo que estavam doentes, não tiraram férias, eles simplesmente não apareceram para trabalhar. Se a gente pegasse uma dessas pessoas, desse treinamento e tornasse ela um bom administrador de sistema, você poderia descobrir que três pessoas agora vieram trabalhar. Então é um investimento em uma pessoa que faz três voltarem a trabalhar, isso é um bom negócio.
TechTudo: Qual caminho você acha que o Brasil vai tomar nessa cruzada do Open Source?
Jon Hall: Bom, eu considero o Brasil uma das estrelas brilhantes do código livre. O Brasil adotou o software livre muito tempo atrás, e vocês contam com uma comunidade forte por aqui. O governo está dando suporte a isso, e pelas razões certas. Eles vêem a montanha de dinheiro que vai embora Brasil sem necessidade, quando poderia ser pago a pessoas no Brasil, criando empregos interessantes em programação e administração de sistemas. O governo vê o país sendo capaz de se auto apoiar. Sendo capaz de manter um software próprio, e então em tempos de crise, o Brasil não dependeria de outro país para fornecer o software para controlar seus navios, tanques e planos. Eles vêem como uma forma de controlar os padrões para que daqui a dois anos vocês possam ler a constituição brasileira, que terá sido colocada em uma formato eletrônico. Eles têm todos os motivos certos para apoiar o software de código livre, e isso é bom. E agora o que temos que fazer é mostrar para as outras pessoas que o software livre não é o mesmo que era em 1986. Está mudado, muito mais fácil de usar. Eu não acredito que nenhum software seja fácil de usar, nem mesmo o da Apple, mas o software de código livre está mais simples e mais acessível, basta instalar para aproveitar seus benefícios.
TechTudo: Jon, muito obrigado pelo seu tempo.
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