O ministro das Relações Exteriores do Peru explica que as relações com China, Europa e o resto da América do Sul são tão ou mais importante para seu país que as dos EUA
O Peru resume a nova etapa vivida pela América Latina. Afastou-se de um passado de ditaduras militares, uma luta sangrenta contra o Sendero Luminoso e o governo autoritário de Alberto Fujimori e, mesmo com a crise econômica, o Fundo Monetário Internacional prevê um crescimento de 5,5% para este ano. O maior da região, junto com o Brasil. A porcentagem de sua população que vivia abaixo da linha de pobreza caiu de 44% em 2006 para 21,3% em 2010.
Apesar disso, os mercados tremeram quando Ollanta Humala ganhou as eleições presidenciais em junho passado. Militar, responsável por um levante contra Fujimori em 2000 e com um passado na esquerda mais radical, a chegada de Humala à presidência peruana foi recebida com receio: as bolsas sofreram um golpe histórico no dia seguinte de sua eleição. Humala, entretanto, salientou seu interesse por manter uma política econômica ortodoxa e, dois meses depois de ter assumido o poder, os temores parecem ter sido "infundados". É a opinião de Rafael Roncagliolo (nascido em Lima em 1944), ministro das Relações Exteriores do novo governo. A Espanha é o primeiro país europeu que ele visita, como parte de um giro em que também viajará para França, Bélgica e Alemanha. O chanceler se reuniu com sua homóloga espanhola, Trinidad Jiménez, com o líder da oposição e candidato às eleições gerais em 20 de novembro, Mariano Rajoy.
El País: O que o Peru espera da Espanha?
Rafael Roncagliolo: É o principal país investidor no Peru. Nos apoiou muito em nossas relações com a União Europeia. Além disso, os peruanos neste país [quase 124 mil, a segunda comunidade mais numerosa no estrangeiro depois dos EUA] recebem um tratamento melhor que em outros países.
El País: O Peru mantém uma disputa limítrofe sobre 35 mil quilômetros de área marítima fronteiriça com o Chile, e o governo do ex-presidente Alan García levou o caso ao Tribunal Internacional de Haia em 2009. A eleição de Ollanta Humala causou um certo receio no Chile devido ao passado radical do presidente. Havia fundamento para esses temores?
Roncagliolo: De maneira alguma. As relações com o Chile são muito cordiais. É verdade, temos uma diferença, mas ambos os países estão de acordo em que acatarão a sentença da Corte. Somos países civilizados e resolvemos nossas diferenças como fazem os países civilizados. O Chile é de fato um dos primeiros países que o presidente visitou depois de ganhar as eleições. Mantemos relações francas e cordiais.
El País: Há alguns dias o presidente Humala demitiu 30 generais da polícia, entre eles os encarregados da estratégia antidrogas do país. O Peru superou em 2010 a Colômbia como maior produtor de cocaína do mundo.
Roncagliolo: Depende da metodologia, em alguns casos somos o primeiro, em outros o segundo.
El País: Qual é sua estratégia contra o narcotráfico?
Roncagliolo:É uma das prioridades do governo, e não só implica os problemas acarretados pela produção e o consumo de drogas, mas os causados pelo tráfico e o crime organizado, que em alguns países ameaçam o Estado. Preocupa-nos muito o problema e temos claro que exige uma resposta multilateral. Não é um problema de cada país, é um tema regional. Até agora tratava-se de um problema que cada país negociava com os EUA .
El País: Isso mudou?
Roncagliolo: Ninguém na América Latina considera que a estratégia antidrogas dos EUA tenha sucesso.
El País: A América Latina venceu seus fantasmas? O tempo das ditaduras e das convulsões sociais ficou para trás ?
Roncagliolo: Não estamos vacinados, mas a probabilidade de voltar atrás é cada dia menor. O desafio está em conseguir que a democracia produza uma distribuição mais equitativa da riqueza. Há 30 anos apenas quatro países da região não eram governados por ditaduras militares. Essa história ficou para trás.
El País: Havia somente quatro países democráticos?
Roncagliolo: Eu disse governos militares não democráticos [risos]. Referia-me a México, Costa Rica, Colômbia e Venezuela. A Costa Rica não tem um exército, por isso lá é impossível. O México tinha sua particularidade: não era um governo militar, mas tampouco era democrático. Por isso só Colômbia e Venezuela eram democracias. Isso era a América Latina em 1978.
El País: Esta nova etapa repercutiu em seus habitantes? Por exemplo, no caso do Peru o crescimento econômico sustentado dos últimos dez anos diminuiu o fluxo de emigrantes peruanos?
Roncagliolo: Definitivamente. Diminuiu muito o desejo de emigrar. Estamos em condições de não ser devastados pela crise econômica, seguimos uma política para fortalecer o comércio intrarregional. Fazemos parte de um renascimento da América Latina que já não se guia pelo Consenso de Washington.
El País: Falou-se também em um renascimento da esquerda latino-americana com duas correntes muito definidas na região: o bloco que o bloco bolivariano liderado pela Venezuela de Hugo Chávez e a esquerda pragmática do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Com qual o presidente Humala se identifica?
Roncagliolo: Há valores compartilhados, mas a política do presidente Humala é particular. Há coincidências, como a redução da desigualdade. A América Latina não é a região mais pobre do mundo, mas sim a mais desigual. Conquistamos a democracia eleitoral, agora é preciso consolidar um desenvolvimento social de acordo com ela.
El País: Qual é a relação primordial para o Peru?
Roncagliolo: Há algumas com maior peso histórico e outras que emergiram nos últimos anos. A China, por exemplo, passou a ser o principal comprador das exportações peruanas. Os países asiáticos, principalmente China; a União Europeia, onde a Espanha ocupa um lugar privilegiado; as relações regionais, onde temos uma política através de organismos como a comunidade andina ou a Unasur, e os EUA.
El País: O senhor não menciona os EUA nos primeiros lugares.
Roncagliolo: Está entre os cinco mais importantes, mas já não é o primordial. Antes era 90%, como em todos os países da América Latina, e isso mudou muito em muito pouco tempo. Agora é uma região de progresso. Agora se negocia em todos níveis e as relações exteriores são um fórum multilateral.
El País: O que falta para consolidar esse progresso?
Roncagliolo: Que esse crescimento beneficie a todos. E todos significa todos.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
EL PAÍS
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