“O sistema capitalista, se não for fiscalizado e regulamentado, torna-se predatório, porque somente algumas dezenas de milhares de famílias terão acesso aos meios de produção, aos empregos bem-remunerados e aos cargos de mando e poder”.
Por Davis Sena Filho
O sistema capitalista, por si só, pelos seus propósitos, é violento. Como ele é excludente, por ser selvagem, os que têm dinheiro compram segurança, compram armas, para garantir seu patrimônio em uma cultura patrimonialista historicamente malvada, há séculos em vigência no Brasil. Esse processo acontece porque os governos brasileiros têm uma tradição de dar prioridade às políticas econômicas que atendam aos interesses do capital em detrimento das políticas sociais.
Por isso que as sociedades, principalmente as mais desenvolvidas, cobram dos governos a efetivação de políticas públicas sociais, no sentido de civilizar a competição, que é a essência do sistema capitalista e de qualquer regime político que implemente tal sistema econômico.
Quero dizer que o sistema capitalista, se não for fiscalizado e regulamentado, torna-se predatório, porque somente algumas dezenas de milhares de famílias terão acesso aos meios de produção, aos empregos bem-remunerados e aos cargos de mando e poder, sejam eles pertencentes ao segmento político ou ao segmento empresarial.
A crise mundial do capitalismo iniciada no fim de 2008 e que até hoje perdura na Europa, no Japão e nos EUA (vide os problemas de Barack Obama para elevar o teto de endividamento dos EUA) é um exemplo contundente de como o capitalismo é um sistema frágil quando os governos se transformam em cúmplices e até subordinados às classes dominantes no que tange aos negócios privados e públicos e à segurança dos próprios estados nacionais.
Acontece que o Brasil tem uma população de quase 200 milhões de pessoas, o que faz com que cheguemos à conclusão que a concentração de renda é brutal, porque, do total de brasileiros, 40% são pobres e muito pobres, o que me leva a dizer que, sem sombra de dúvida, o sistema capitalista não-regulamentado, como o do Brasil, é cruelmente injusto, e, perversamente, mortal. Por isso que o presidente Lula estabeleceu um programa de metas, como tentou e não conseguiu o grande presidente João Goulart, derrubado por um golpe político-militar. Lula e sua equipe fomentaram o mercado interno (por isso que o Brasil não sentiu a crise), aumentaram o consumo e, conseqüentemente, o emprego, bem como criaram o PAC 1 e 2, abriram o crédito aos trabahadores e aos médios e pequenos empresários e efetivaram um “colchão” de proteção social, por meio de benefícios como o Bolsa Família, que incrementou a economia nos rincões do Brasil e com isso diminuiu-se as migrações de nossa gente. Além disso, as diferenças regionais estão a ser também diminuídas.
Lula foi social-democrata e deu uma lição de capitalismo, e a direita política e empresarial, que se diz capitalista mas na verdade ela é cartorial e monopolista, e a imprensa vulgar e mentirosa nem isso aceitaram ou compreenderam e passaram a combatê-lo violentamente, até mesmo a sua família. Se tornou uma oposição pessoal, porque o presidente é trabalhista e, para a direita, trabalhistas no poder têm de ser derrubados, como ocorreu com o estadista Getúlio Vargas e o grande presidente João Goulart, além do governador e grande brasileiro Leonel Brizola, que foi ameaçado de morte, amargou 15 anos no exílio e foi combatido pela imprensa, notadamente pela grupo econômico Globo, de forma incessante e muitas vezes cruel.
A direita raivosa, a imprensa privada, juntamente com parte da classe média branca, de origem universitária, mas, porém, conservadora e despolitizada, passaram oito anos a boicotar o governo do presidente estadista Lula, que mesmo assim conseguiu eleger a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, presidenta do Brasil. Como se vê, um presidente socialista, trabalhista, teve de implementar o capitalismo em um País que se dizia capitalista. Não é surreal, caro leitor? Na verdade os capitalistas brasileiros sempre quiseram manter seus privilégios e para isso precisam controlar o consumo, ou seja, dar acesso ao mercado a cerca de 30% da população, o que é um descalabro, mas era o que acontecia neste País.
O Governo Lula, e isto é uma constatação, fez com que mais de 20 milhões de brasileiros saíssem da linha de pobreza e aproximadamente 30 milhões migrassem para a classe média. É algo espetacular e nunca visto nos últimos 30 anos no mundo, tempo este quando foi imposto aos países pobres, médios e emergentes o sistema de rapina chamado neoliberalismo. Quando um líder político e social do nível de Lula compreende que governar é servir ao povo e defender seus interesses ele se torna um estadista, e é isto que a presidenta Dilma Rousseff tem de procurar ser, para manter o que foi conquistado e avançar ainda mais no desenvolvimento social e econômico do Brasil. O resto é fofoca e maledicência da imprensa burguesa que defende, caninamente, os interesses das grandes companhias e trustes, além das classes sociais abastadas — as ricas e muito ricas.
Países como a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Bélgica, a Holanda, o Canadá, a Islândia, o Japão, a Coréia do Sul, a França, dentre muitos outros, regulamentaram seus sistemas capitalistas, o que significa que essas nações não permitiram a concentração de renda, assim como as diferenças salariais imensas entre profissionais que exercem a mesma profissão ou não. Esses países conseguiram gerenciar suas riquezas de forma eqüânime, a fim de efetivar o estado de bem-estar social, que é o capitalismo “civilizado” e “democrático”, tanto no que concerne às questões econômicas quanto no que é relativo às questões sociais.
Um País somente é democrático se o estado atender os mais pobres, priorizar os carentes, os que podem menos, os que têm dificuldade para se defender, e, conseqüentemente, sobreviver. À humanidade não cabe o darwinismo, a lei da selva e é para evitar esse absurdo que o estado tem de intervir, interferir e arbitrar, pois, do contrário, o sistema de capitais, o mercado financeiro, as classes ricas e os partidos conservadores, de direita, não permitirão que as classes que estão na base da pirâmide social se desenvolvam.
Sempre aconteceu essa mórbida e injusta realidade no decorrer da história da humanidade. Não existe democracia plena se não houver distribuição de renda, de riqueza e um sistema escolar de qualidade. O Brasil lutou 20 anos por causa da ausência das liberdades democráticas. O País se democratizou em 1985, fortaleceu suas instituições republicanas, realizou um sem-número de eleições diretas e livres, baniu a censura mas não democratizou a economia. Sem justiça não há paz.
E por quê? Porque o trabalho produzido pelos trabalhadores ainda não é pago dentro de um patamar, de uma realidade em que as diferenças salariais sejam menores, conforme os países europeus sociais democratas. O trabalho está acima do capital, porque é o trabalho a mola propulsora da riqueza. Por controlarem as terras, as matérias-primas, as máquinas e, conseqüentemente, o capital de giro, que é o dinheiro, as elites, os nossos homens e mulheres de negócios barganham esse imenso poder, juntamente com os governos geralmente conservadores, para impor suas razões e seus interesses, que, comumente, não coadunam com os interesses da sociedade em geral e dos trabalhadores, que, mais fracos economicamente, vivem de migalhas e se submetem a todo tipo de violência, sendo que as piores são a ignorância e a pobreza.
Neste contexto, percebe-se, então, que não interessa às classes dominantes a democracia plena, pois elas, com o apoio da imprensa comercial e privada, recusam-se a distribuir as riquezas deste País de forma mais justa, no que tange à macroeconomia. Haveremos de nos lembrar que o pilar de nossa economia, a um tempo de apenas 120 anos, era a escravidão. Temos, portanto, uma elite econômica herdeira da escravidão, o que me faz pensar e concluir que temos uma classe dominante que foi escravocrata e que naturalmente ela sempre lutará contra os avanços sociais e a democratização das riquezas produzidas pelos trabalhadores do Brasil. Basta-nos lembrar do presidente Lula, que foi atacado, ferozmente e incessantemente, pela porta-voz das nossas classes abastadas: a imprensa empresarial, comercial e privada.
Sei que o regime democrático é falho. Mas é o melhor que a humanidade pôde criar. Mas lembremos que eu argumentei anteriormente que o sistema capitalista pode ser humanizado, democratizado, civilizado e regulamentado. Pondero que esse sistema tem de tomar um banho de democracia, tal qual aos países nórdicos, aos países baixos europeus, a Europa Ocidental em geral e até mesmo países da Europa Oriental, como a República Tcheca e a Hungria.. Esses países, que são capitalistas, equalizaram as riquezas, aperfeiçoaram, através das décadas, seus sistemas educacionais e de saúde e com isso proporcionaram o desenvolvimento socioeconômico de seus povos, que experimentam, realmente, a democracia política, social e econômica.
O Brasil, a partir do Governo do presidente Lula e com a continuação de seu programa econômico e social com a presidenta Dilma Rousseff, caminha nesse sentido, em busca do que deu certo nos países considerados desenvolvidos, no que tange ao bem-estar social. Do contrário, trilhará por veredas tortuosas, se não perceber que concentração de renda e de riqueza leva à indigência social e moral e à violência nos lares e nas ruas.
Nada é mais cruel e complexo do que a miséria material, que leva à miséria moral. Nada é mais terrível do que vermos pessoas, como nós, a morar em favelas e palafitas, despidas de seus sonhos, que lhes foram arrancados, com desrespeito e desprezo, por aqueles que não permitem que os cidadãos brasileiros edifiquem um estado de bem-estar social, que o livre do desemprego, da ignorância, das doenças e da miséria.
Somos um País surreal, porque, até então, não investíamos em nosso próprio povo, mas acenávamos e ainda acenamos aos oportunistas, aos jogadores, aos aplicadores das bolsas de valores e dos bancos e financeiras para que eles tragam seu dinheiro volátil para o Brasil. Para que eles se locupletem com os juros praticados no Brasil. Para que eles, depois de lucrarem promiscuamente, levem o dinheiro alienígena de volta à jogatina, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento social do povo brasileiro, que deveria ser exigido com mão de ferro pelos governos, por todos os governos, se eles não fossem entreguistas e colonizados e ímpios, como, por exemplo, o de FHC.
Somente para se ter uma idéia do que afirmo nesta tribuna, cito alguns números referentes aos bancos nacionais e estrangeiros que atuam no Brasil. Mas, antes, considero que o governo deveria colocar em prática alguma forma de intervenção no segmento, porque é visível que os bancos cometem práticas prejudiciais aos interesses da maioria dos brasileiros.
De 1996 até 2007, os balanços bancários denotam que os lucros obtidos com tarifas bancárias são exorbitantes. As tarifas impulsionaram o crescimento financeiro do setor. No ano de 1996, as cobranças junto aos correntistas propiciaram aos bancos um lucro de R$ 12,1 bilhões. Em 2006, ou seja, dez anos depois, os lucros deram um salto impressionante e atingiram a marca de R$ 47,5 bilhões. A alta, portanto, atingiu os inacreditáveis 293%. A inflação no Brasil, de 1996 a 2006, foi de 92,7%. No mesmo período, a follha de pagamento dos bancos cresceu 55%, enquanto as tarifas bancárias tiveram um aumento de 293%.
É algo que impressiona, mas mesmo assim os bancos atuam livres neste País que insiste em não regulamentar o sistema econômico em que vivemos — o sistema capitalista. Se o País não efetiva esse processo, como poderá impor regras àqueles que se beneficiam com a frouxidão dos governos — que é o caso dos banqueiros. As 104 instituições financeiras que atuam no País tiveram lucros, em 2006, que atingiram os R$ 33,4 bilhões, o que significa o retorno de 22,9% sobre o patrimônio líquido das instituições bancárias. Estou a citar números até o ano de 2007, porque estamos em 2011 e, evidentemente, que esses números cresceram, aumentaram.
Todo esse gigantesco lucro, de acordo com o Banco Central, não inclui negócios por intermédio de previdência privada, cartões de crédito, consórcios e seguros. As receitas dos bancos com juros tiveram alta de mais de 100% nos últimos 10 anos. Elas são provenientes, principalmente, dos investimentos em títulos públicos e das operações de crédito. Como se vê ser banqueiro neste País é estar no paraíso, graças à permissividade e à perversidade do nosso sistema capitalista que teima em não ser regulamentado, no sentido de ele ser civilizado e não selvagem.
O Governo Lula melhorou as condições de vida da população brasileira, notadamente a parcela mais pobre. Os avanços sociais são visíveis. Não restam dúvidas, não os ignoro como o faz, por exemplo, o Partido da Imprensa Golpista. Contudo, o governo da presidenta Dilma Rousseff tem de ser mais assertivo, propositivo, porque tem de radicalizar o processo de desenvolvimento social e econômico do nosso povo. A mandatária brasileira trabalha para isso, mas não pode ficar à mercê de grupos privados que querem pautar as ações do governo, pois criam crises diárias e com isso levar a efeito o processo de boicote de um governo popular consagrado pelas urnas.
O governo da presidenta trabalhista tem de enfrentar, com coragem e determinação, aqueles que querem travar o desenvolvimento brasileiro, em nome de interesses escusos, geralmente patrimoniais, empresariais e financeiros. Banqueiros e barões da imprensa privada (seres de natureza patrimonialista) se unem para manter a camisa de força na economia brasileira, não reconhecendo os avanços sociais nos últimos oitos anos e combatendo o programa de governo, de forma intermitente e feroz.
Para melhorar esse estado de coisas, o governo deveria diminuir os juros, subsidiar fortemente a gasolina e impedir que ONGs, políticos da oposição derrotada como Marina Silva e José Serra e partidos de direita como o DEM, o PSDB e seus apêndices PV e PPS boicotem seu programa, de perfil trabalhista e social democrata. Como bem o sabemos, o programa de governo do presidente Lula não foi de ordem socialista, e ao que parece o da presidenta Dilma também não será. Mesmo assim a imprensa burguesa e corrupta combate, ferozmente, governantes que priorizam o social, porque a imprensa comercial e privada é tradicionalmente de caráter udenista, direitista e neoliberal. A imprensa combateu Getúlio, Jango, Brizola e Lula. Todos eles políticos de concepção política e filosófica trabalhista. E combaterá, sem dúvida alguma, a presidenta Dilma, quando as eleições para presidente de 2014 se aproximarem. Dilma Rousseff sabe disso. E os jornalistas comprometidos com a imprensa empresarial também.
Por tudo isso, os juros têm de cair, as indústrias de base e geral têm de ser sempre a prioridade, bem como as obras de infraestrutura do País definidas pelos PAC 1 e PAC 2. A indústria e a infraestrutura (hidrelétricas, construção de casas, portos, rodovias, ferrovias, aeroportos, saneamento básico, transposição de rio) emprega e os bancos, além de criarem poucas vagas de emprego no que é relativo aos lucros que obtêm, são os guardiões das crises econômicas e da concentração de renda em âmbito mundial, bem como das desigualdades entre os países e seus povos, por mais que o sistema bancário seja um mal necessário. A questão da inflação não pode e não deve servir de gancho, sistematicamente, para as nossas elites combaterem os investimentos junto à população e muito menos ser motivo para que o governo não aumente anualmente o salário mínimo, melhore os benefícios sociais e invista em infraestrutura e educação.
O PIB brasileiro foi de R$ 3,5 trilhões em 2010, de acordo com o IBGE, e colocou o Brasil no 7º lugar das maiores economias do Mundo. No governo neoliberal de Fernando Henrique chegamos a ser a 14º economia, o que, sobremaneira, fez com que o Brasil, naquele período, fosse ao FMI três vezes, porque, imprudentemente, quebrou três vezes, notícia relevante, mas que a imprensa privada fez questão de fechar seus olhos, como o faz com os desmandos dos tucanos com as irresponsáveis privatizações do patrimônio público que ocorreram no Paraná e em São Paulo nesses anos de administrações tucanas. É necessário, portanto, que as riquezas deste País sejam efetivamente distribuídas, para o bem da Nação, que há cinco séculos é vítima da beligerância e do egoísmo de nossas elites.
Nossos governos, inclusive o governo Dilma Rousseff, têm de entender que as pessoas estão acima dos sistemas econômicos e dos regimes políticos. Os seres humanos morrem e por isso acredito que eles precisam viver com dignidade e respeito. Portanto, não basta a presidenta Dilma ser presidenta. Tem também de ser estadista. E ela tem tudo para sê-la. Além do mais, os sistemas criados pelos homens não são eternos porque tudo se renova, avança e se modifica, bem como chega ao seu fim. Como o bem dizia o senhor Darwin.
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