Ilustração de Rafael Stédile
|
Davis Sena Filho
Corria o ano de 1977. Eu tinha 17 anos. Era início de ano em Brasília. Chovia muito. Época das monções no centro-oeste brasileiro. A cidade passou por um forte período de seca, que chegou a dar índices de umidade do ar abaixo de dez, o que faz com que algumas escolas não abram suas portas para que as crianças não tenham problemas respiratórios, de saúde.
É noite. Estou à frente da televisão e aprecio um jogo de futebol. O meu time de coração é o Clube de Regatas do Flamengo, o Rubro-Negro da Gávea. Mas os times que jogam são o Corínthians e o Botafogo de Ribeirão Preto pelo Torneio Laudo Natel, uma espécie de Torneio Início que existia em São Paulo antes de começar o Campeonato Paulista.
Laudo Natel foi duas vezes governador de São Paulo e no segundo mandato (1971/1975) foi eleito de forma indireta pela Assembléia Legislativa, porque o Brasil estava em plena ditadura militar. O governador paulista era homem do sistema e foi também executivo poderoso do Bradesco, além de ter sido o braço direito do banqueiro Amador Aguiar, proprietário do maior banco privado do País.
O jogo é duro. Os dois times se revezam nos ataques. O Corínthians não tem mais o craque consagrado e campeão mundial pela Seleção Brasileira em 1970, o fenomenal Rivelino, conhecido como o Reizinho do Parque, que se transferiu para o Fluminense em 1975 e encantou os cariocas no principal templo do futebol — o Maracanã —, com suas jogadas geniais, de dribles curtos, lançamentos impressionantemente milimétricos e chutes canhoteiros poderosos.
Contudo, a performance de um jogador me chama a atenção. Ele é alto, tem mais de 1,90 metro e joga com a cabeça sempre erguida. Apresenta para os meus olhos prazerosamente surpresos e depois embevecidos uma técnica refinadíssima, passes longos pelo alto e lançamentos sempre verticais, por baixo. Os chutes a gol, potentes e certeiros, e a elegância de seus passos e corridas lembram a elegância dos pássaros pernaltas quando estão, calmamente, em seu habitat, à procura de comida.
O habitat de Sócrates é o campo e a comida a bola — o gol. Seus passes de calcanhar chamam a atenção por causa da precisão e da beleza plástica, ao ponto de eu não compreender como um jogador com um biótipo tão antiatleta consegue correr, sem ser desengonçado e muito menos perder o tempo da bola em relação ao espaço, ocupado também pelo seu marcador.
O jovem, prestes a se formar em Medicina, controla o jogo, ao ponto de apenas um marcador não ser suficiente para controlá-lo, impedi-lo de dar seqüência às suas maravilhosas jogadas. Seus pés são pequenos para sua altura, porém seus passes são mortais, o que propicia aos companheiros de time fazer os gols que permitam a vitória do clube de Ribeirão Preto.
Percebo que Sócrates, que estou a ver jogar pela primeira vez na minha vida, tem um talento ímpar, raro, e por esse motivo se trata de um fenômeno do futebol, o esporte mais importante e popular do planeta. O craque é um notável dos gramados, futuro deus dos estádios e um dos mais talentosos jogadores de sua geração e, por conseguinte, da Seleção Brasileira, que, nos idos de 1977, já escalava Zico, Falcão, Toninho Cerezo, Reinaldo, Roberto Dinamite e o espetacular Rivelino, ainda considerado o maior craque do Brasil, que logo deixaria de jogar em nosso País depois da Copa do Mundo de 1978. Zico, posteriormente, seria o herdeiro da camisa 10 amarelinha.
Sócrates, o que todo mundo já sabe, transferiu-se, em 1978, para o Corínthians. Tornou-se ídolo histórico do clube paulista e confirmou tudo o que eu pensei sobre seu imenso talento no decorrer daquele jogo em que ele atuou como meia-atacante do Botafogo de Ribeirão Preto. Nos seis anos que atuou pelo alvinegro, ganhou três campeonatos paulistas, em um tempo que as disputas estaduais eram mais longas e muito prestigiadas. O craque liderou a Democracia Corintiana, juntamente com Vladimir e Casagrande, e subiu nos palanques políticos e cívicos de quando os brasileiros lutavam ainda pela total democratização do País, que redundou nas Diretas Já.
O grande jogador também era ativista político e se mostrou um homem ligado às questões sociais e de perfil de esquerda. Em 1984, Sócrates se transferiu para o Fiorentina, sofreu com as contusões, além de ter problemas de coluna. Veio para o Flamengo em 1986 e jogou pouco pelo clube de maior torcida do País. Uma pena. Por ser rubro-negro, gostaria muito de vê-lo jogar ao lado de Zico, mas as contusões não permitiram, além de Zico também não estar bem fisicamente naquele ano, porque ainda se recuperava de séria lesão da qual foi vítima, em 1985, quando o jogador do Bangu, Márcio Nunes, quase o deixou aleijado.
Foi uma pena, mas não lamento, porque vi esse extraordinário jogador nos campos do Brasil a conduzir, a controlar a bola e fazer com ela o que lhe aprouvesse, porque Sócrates se agradava da bola e por isso a tratou com arte e respeito que todo craque tem pelo povo, pelos torcedores, o que lhe dá autoridade para se sentir como um deus dos estádios, à procura de espaço para que seu tempo nunca seja esquecido e não acabe em nossa memória e em nossos corações.
Saúde a Sócrates!
Davis Sena Filho
Leia Davis Sena Filho também no JB
facebook.com/senafilho
Um comentário:
QUANDO EU OLHO O PASSADO QUE È A MINHA MEMÒRIA - EU ME LEMBRO E REPITO - PELÈ FOI E SEMPRE SERÀ O ATLETA DE TODOS OS TEMPOS. JOGADOR DE FUTEBOL - NEM SE DISCUTE - ÈLE È DISPARADO O MAIOR JOGADOR DE FUTEBOL QUE JÀ PISOU NESTA TERRA. SE OLHARMOS ALGUNS NADADORES OU LUTADORES DE BOX - OU MESMO NO BASQUETE - VEREMOS ALGUMAS PERFÒMANCES EM OLIMPÌADAS - ALGUMAS LUTAS E ALGUMAS JOGADAS DOS ASTROS NORTE-AMERICANOS - NO BASQUETE. PELÈ È UMA CARREIRA - INQUESTIONÀVEL. BRILHOU EM TODOS OS CAMPOS DO BRASIL - JOGANDO PELO SANTOS E NO EXTERIOR E, TAMBÈM PELA SELECÀO BRASILEIRA. MUITO QUESTIONADO - USOU A SUA LIBERDADE POLÌTICA PARA EXPRESSAR SUAS POSICÒES - SEM JAMAIS DEFINIR SITUACÒES DE DIREITA OU ESQUERDA. DEIXOU CLARO QUE O SEU NEGÒCIO ERA FUTEBOL E NÀO ACEITOU SER USADO COMO PORTA-VOZ DE QUALQUER IDEOLOGIA. HÀ JOGADORES - PORÈM - QUE REMARAM CONTRA A MARÈ. REBELDIA NO CABELO CAJÙ DE PAULO CESAR E NA BARBA DE AFONSINHO E MÀRIO SÈRGIO. COMEMORACÀO DO REINALDO - DO GALO - IMITANDO OS PANTERAS - MOVIMENTO BLACK NORTE AMERICANO E - O MAIS INUSITADO = A DEMOCRACIA CORINTIANA LIDERADA PELO DR. SÒCRATES. FORAM QUESTÒES PONTUAIS QUE ABRIRAM FENDAS NO DIQUE - CULMINANDO COM AS DIRETAS JÀ E O RETORNO À DEMOCRACIA. O MAGRÀO È UM INTELECTUAL QUE VIVEU E CONVIVEU COM AS CRISES EXISTENCIAIS. PAIXÀO QUE SE EXPRESSA NO PRÒPRIO NOME = SÒCRATES BRASILEIRO. EU IMAGINO PAPOS CABECA REGADOS A CERVEJA E ANÀLISES PROFUNDAS SÒBRE AS REALIDADES BRASILEIRAS. DOUTOR, EU TAMBÈM VIAJEI NO MESMO PAU DE ARARA. DESCÌ, ANTES QUE A VIDA ME DESPEJASSE. HÀ 20 ANOS PAREI DE BEBER E FUMAR E TORCO PROFUNDAMENTE PELA SUA RECUPERACÀO. TUDO QUE FOR POSSÌVEL PARA LHE RESTITUIR A SAUDE E O BEM ESTAR. SE O TRANSPLANTE FOR A ALTERNATIVA MAIS POSITIVA - QUE DEUS GUIE O SEU DESTINO E QUE A NOSSA SENHORA APARECIDA - MINHA PROTETORA - LHE PROTEJA E LHE CONCEDA A GRACA DA COMPLETA CURA. ESTAMOS REZANDO E TORCENDO PELA SUA RECUPERACÀO = UM GRANDE ABRACO DOS MINEIROS - SEUS ADMIRADORES E ESPALHADOS POR TODA A MINAS GERAIS.
Postar um comentário