Gláucia Lima, blogueira e uma das organizadoras do II WebFor - Blog da Glaucia Lima
Não queria escrever um artigo retilíneo, burocrático, escrever sim, com minha emoção...
Esse, meu desafio. Afinal: livros, internet, empresas de turismo e viagem já o fazem.
Não precisam de mim para corroborar essa linguagem.
Minhas primeiras impressões ou sensações ao tocar solo peruano foram de retorno a casa. Quiçá pela identificação com o idioma, pelo calor humano, ou mesmo por aquele céu aberto e ensolarado, que mesmo com temperatura amena, fazia parecer verão. Também pudera, nessa metrópole, fomos informados, a última chuva que caiu foi em janeiro de 1970. Lima é um encanto, a capital do Peru, traz em si a história de sua civilização. A representação de todo o país. O que se repete por cada cidade que se passa... A mistura das tradicionais civilizações pré-colombianas com a cultura espanhola.
Não vejo contraste; sim, harmonia na junção de monumentos históricos, igrejas e monastérios, casarões coloniais e sítios arqueológicos; com paisagens de nevadas cordilheiras, cultivadas em sistemas de terras, desertos e florestas tropicais, até o maior lago de altitude das Américas (o Titicaca) com as praias do Pacífico.
É peruano de Arequipa, a “cidade branca”, o Nobel de Literatura Vargas Llosa, premiado em 2010. É dele, A Guerra do Fim do Mundo, onde narra a história da Guerra de Canudos.
Chamada de umbigo do mundo, Cusco, de aura cosmopolita, foi a antiga capital do império inca. Além dos muros centenários, os incas deixaram Qorikancha, templo dedicado ao Arco-íris, à Lua e ao Sol, que até a chegada dos espanhóis, era coberto de ouro. Aí, podemos introduzir às técnicas de construção inca que abunda em Machu Picchu.
A catedral de Cusco foi-me particularmente impactante. Ali, a tentativa de ser uma réplica da Catedral de Toledo, na Espanha, igreja que considero das mais belas que vi pelo mundo por onde andei. Nela, os indígenas que foram usados na mão de obra de sua construção, deixaram suas marcas como provocações ininteligíveis aos espanhóis. Em talhes que remetem à Pachamama, a Mãe Natureza. Na pintura da Santa Ceia, Judas, o traidor, tem a cara do conquistador Francisco Pizarro e no centro da mesa, um cuy, porquinho-da-índia, apreciado pelos incas...
Em seus arredores, muitos sítios. Essas ruínas e seus Vales Sagrados dão provas da habilidade arquitetônica do império inca. Tambomachay, a mais alta, está há 3811 metros acima do nível do mar. Na Saqsaywaman, a eficiência no perfeito encaixe de pedras. E Pukapukara, com suas mesas de sacrifícios, dentro da gruta. Para que suportemos o ar rarefeito, nos são oferecidos, pelo menos três vezes ao dia, chá da folha da coca.
Tipón foi a grande surpresa reservada para um último dia pela região. E a emoção que senti em Machu Picchu, se alargou numa intensidade comovedora. Para mim, assim como para muitos, esse povoado localizado nas montanhas, a aproximados 25 quilômetros de Cusco, é exemplo máximo da engenharia hidráulica inca. Sistemas de canais, quedas d’água e fontes compõem o cenário na paisagem que consegue expressar a sábia cultura inca.
A fonte de quatro quedas remonta aos quatro pontos, das quatro direções, aludindo aos fundadores do império, assim como as pedras cravadas nos muros, formando escadinhas de acesso e o manejo da água nessa sociedade basicamente agrícola, comprova da simplicidade e engenhosa arquitetura inca.
Aí, novo contato e compromisso com a Pachamama se reavaliaram e se firmaram por completa intensidade.
Partimos de Cusco no trem Vistadome, pelas encostas do rio Urubamba, até Aguas Calientes, único meio de transporte possível a nos levar. Outras maneiras, somente de helicóptero, também partindo daí ou, o que deva ser a mais interessante de todas, a pé, percorrendo o Caminho Inca até essa pequena, atraente e aconchegante cidadezinha aos pés de Machu Picchu. Onde se pode saborear o “ceviche”, degustar o “pisco” e desfrutar do convívio com sua gente e seu artesanato.
Em Aguas Calientes, a síntese do que se repete em todo território peruano.
Pois em todo Peru, construções incas e o sorriso de seus descendentes, que de variadas maneiras, preservam o uso da língua, as roupas e os costumes de seus ancestrais.
Essa colorida e simpática amálgama nos deu o grande escritor José María Arguedas. Esse etnólogo que renovou a literatura peruana descreveu como ninguém e numa intensidade profunda, a essência da paisagem e, principalmente, da cultura andina.
Sua obra desvela o profundo amor pela cultura andina de seu país. Sempre defendeu os costumes, os valores étnicos, a cultura e, ao lado de tudo, a língua “quéchua” dos povos andinos. Valorizando deles a solidariedade e a ternura.
Foi escritor de encontros e desencontros de raças, pátrias. De atuação ativa, repelindo a violência dos mistis, em defesa dos oprimidos. Lamentável que seu livro “Todas las Sangres”, fundamental para a América latina, não conste tradução em nosso idioma português.
Neste ano, Arguedas teria comemorado cem anos de vida. Em 2011, também se celebra o primeiro centenário da redescoberta da expressão máxima da arquitetura andina, Machu Picchu.
Lá chegamos por sob forte chuva. Mas, nem o ruído nem a aglomeração daquela “babel”, tiraram a sensação de paz e encantamento. Em uma montanha no vale do rio Urubamba, encontramos a famosa “cidade perdida dos incas”, Machu Picchu.
Entretanto, o céu se abriu. E pra nos receber, escondeu a chuva por detrás de alguma de suas cordilheiras, deixando as nuvens baixinhas a nos acompanhar. E diante de nós, aquela espetacular e majestosa vista, onde os pré-hispânicos adoravam e tinham por sagrada e protetora.
Num sobe e desce, atravessávamos todas as direções. E em cada uma delas avistávamos outras. As que já havíamos desbravado e as que ainda nos desafiavam. E assim, fomos palmilhando e experimentando emoções no contato com essa civilização. E essa conexão foi ficando mais intensa e mais surpreendente, sobremaneira na aproximação com os nativos, com as “llamas”, com os operários...
Depois de alcançada a Cabana do Guardião, seguindo nosso instinto e após explorarmos as quatro direções, atingimos a “Puente Inka”. Numa sensação de chegada ao nosso intento, a entrega, a contemplação, meditação e reflexão... É possível o encontro com o Sagrado e a Pachamama.
E foi assim, como se pisasse, ou atuasse na obra de Arguedas que senti o contato com esse povo colorido, alegre, cativante, que se comunica (entre eles) em “quéchua”. De história tão preciosa, original e bela quanto sua prata. Que abraça, beija e confia em você. Vê em cada ser, a possibilidade de wauqemasy*.
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