Por Marcelo Migliaccio — Blog Rio Acima
Com a discrição que o ato exige, andei reparando nos pratos que as pessoas fazem nos restaurantes self-service. As combinações são as mais diferentes, prova inegável da diversidade humana.
Tem aqueles que, aproveitando a profusão de opções, fazem as misturas mais esdrúxulas. É macarrão com sushi, bife com bobó de camarão. Estranhos paladares... de perto ninguém é normal...
E há os que se esmeram em fazer um prato saudável, com muitas folhas, legumes... mas, já no final do mesão, têm uma recaída e, pronto, lá vai uma costeleta de porco para o meio da selva natureba.
Mas os mais junkies, geralmente, são crianças. Pegam uns nuggets, uma coxinha de galinha, um croquete e batatas fritas. Isso quando não podem almoçar no Mc Donalds e jantar no Bob's. Seus pais quase sempre permitem essa dieta doentia e ainda pedem um refrigerante para ajudar a gororoba a descer até aquelas pequenas panças em expansão.
A mulherada, de olho na boa forma, faz o possível para não sofrer na balança. Muita salada, uma proçãozinha disso, outra daquilo. Não sei como aguentam tanto desprazer na refeição. Já viu coisa mais melancólica que um almoço num restaurante natural?
No entanto, se são tão diferentes à mesa, as pessoas são muito parecidas em suas reações. Como são previsíveis. O cabresto cultural é forte, preso com correntes nas tradições que mudam numa velocidade de lesma indolente. As amarras sociais, religiosas aprisionam numa cartilha de comportamento mais fina e superficial que um manual de auto-escola.
O que é o conto do vigário, senão um ardil ensaiado com base na previbilidade do ser humano? Por isso, a maioria das pessoas cai, ou não seria um negócio tão lucrativo que valesse o risco de seis anos na cadeia. O vigarista segue um roteiro pois sabe mais ou menos como sua vítima vai reagir a cada estímulo.
Os religiosos também se valem dos medos que o homem tem desde que Adão foi erigido de uma cadeia de aminoácidos que boiava num oceano em convulsão. E quem não gosta de uma explicação fácil para tudo?
A propaganda, o discurso político, o jornalismo, o direito e até a medicina estão apoiados no que esperamos do que se convencionou chamar de um cidadão respeitável, cumpridor dos seus deveres. É em cima dos medos e inseguranças desse cara que as grandes corporações, congregações e partidos realizam seus lucros.
Ser diferente é um pecado. Pode ser um pecado mortal se você der o azar de cruzar com os pitbulls do sistema, os fascistas, os neonazistas, que, reacionários que são, nada mais fazem do que conservar o status quo na base da porrada. O interessante é que eles, embora condenados pela mídia da boca para fora, zelam para que ninguém ande fora da linha, exatamente como querem os donos do poder. Muito do que os religiosos pregam com a bíblia na mão, os skinheads e afins aplicam com um soco inglês entre os dedos. É branco com branco, homem com mulher, negros na senzala, nordestinos no Nordeste e gays bem trancados no armário.
Drogas, nem pensar, pois a alteração de consciência é um grande passo para se mudar de opinião.
E nós, com nossos paladares tão diferentes, somos obrigados a nos esforçar para caber no curral onde fomos colocados. Se ficarmos quietinhos e comportados, essa gigantesca máquina trabalha sem maiores sobressaltos.
Àqueles que não querem virar salsicha na canhestra engrenagem planetária, no entanto, basta serem autênticos, honestos consigo mesmos e atentos à sua intuição. Danem-se as convenções.
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