Editorial da edição 460 do Brasil de Fato.
Dia 15 de dezembro, o ex-presidente francês Jacques Chirac foi condenado a dois anos de prisão, culpado por “desvio de fundos públicos, abuso de confiança e aquisição ilícita de interesses”. Aos 79 anos, é o primeiro presidente francês condenado por um tribunal correcional.
Nessa mesma semana, em menos de 48 horas após o lançamento, esgotaram- se as 15 mil cópias do livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. O livro está sendo considerado a mais completa investigação jornalística sobre as privatizações ocorridas no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995- 2002) e, especialmente, a roubalheira promovida por um grupo de familiares e de pessoas que circulam em torno do então ministro José Serra (PSDB).
Após doze anos de pesquisas, o autor conseguiu provas documentais, e abundantes, sobre as roubalheiras ocorridas com as privatizações. Um saque do patrimônio público que, no cenário internacional, deve ter perdido apenas para a máfia russa, após o desmonte da URSS.
De forma clara e com incomum habilidade o jornalista expõe os complexos e tortuosos caminhos que a riqueza surrupiada do povo brasileiro percorreu até os chamados paraísos fiscais e, depois, retornou ao país legalizada. Ou melhor, lavada e cheirosa, como quis aparecer a elite tucana nas ultimas eleições presidenciais. As conexões de um governo que dilapidou o patrimônio público com os grupos privados que foram beneficiados, juntamente com a complacência da mídia e do conluio com os que operam a lavagem de dinheiro, ficam completamente expostas no livro.
Mas, além da roubalheira, A Privataria Tucana escancara o jeito de fazer política de José Serra. A elaboração de dossiês para chantagear seus inimigos, tanto os do seu partido quanto os adversários de outros partidos, se constitui num dos alicerces de fazer política desse tucano. Enquanto, com apoio da mídia, cultivava a imagem de austero e competente nos cargos públicos que ocupava, seus arapongas se encarregavam da fazer com que os interesses e objetivos do Capo fossem alcançados. O caso Lanus que fez a Roseana Sarney (PFL) desistir da campanha presidencial de 2002, exemplifica a prática desse conluio.
Além de documentar a roubalheira ocorrida nas privatizações, o livro arrasta para o olho de furacão o parlamento, a mídia e o Ministério Público. Onde estão aqueles parlamentares que, desde 2003 quando apearam do governo federal, ficaram apenas brandindo a espada da moralidade pública e contra a corrupção? Os parlamentares, como o senador Álvaro Dias (PSDB) e o deputado federal Roberto Freire (PPS), que a cada mentira publicada pela revista Veja pediam a instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra os movimentos populares, sindicais e ONGs, irão agora apoiar a CPI das privatizações? O jargão que mais usavam, “quem não deve não teme”, não vale mais? E os tucanos, continuarão reféns da ala que chafurda na lama e idealizou a campanha presidencial do ano passado, e que confabula com a extrema direita e com os setores mais reacionários da sociedade brasileira?
É hora do Parlamento brasileiro tentar, ao menos, diminuir a nódoa que criou ao sepultar – com ajuda do PT, de acordo com o livro – a CPMI do Banestado. Ela foi instalada no governo Lula, em 2003, e concluída sem punir os responsáveis pela evasão de mais de 84 bilhões de dólares do país para os paraísos fiscais, entre 1996 e 2002.
É instigante ver, frente ao sucesso de vendas do livro, como a imprensa burguesa toma partido e não hesita em enlodar-se. Primeiro, com um ruidoso silêncio sobre o livro e seu sucesso. Depois, ensaiando uma defesa dos acusados e acusando o autor do livro. Agora retirando o livro das listas dos mais vendidos na semana. O PIG (Partido da Imprensa Golpista), capitaneado pelos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e pela revista Veja, acreditam que ao esconder a realidade ela deixa de existir. A Rede Globo tentou o mesmo no início da Campanha das Diretas Já, em 1984. Deu no que deu.
O livro escondido pelo PIG continua sendo um sucesso de vendagem e atesta a necessidade de democratizar a comunicação em nosso país. É hora do governo Dilma atender aos anseios da população e fazer a lei que democratize a comunicação brasileira.
Preocupante é o silencio do Procurador- Geral da República, e chefe do Ministério Público Federal, Roberto Gurgel, sobre as denúncias do livro. O livro apresenta provas documentais de crimes cometidos e que exigem do representante da sociedade civil, o Ministério Público, um posicionamento sobre os fatos ali apresentados.
No governo de FHC, Geraldo Brindeiro, que ocupava o cargo que hoje é de Roberto Gurgel, ficou conhecido com o apropriado apelido de “Engavetador Geral da República”. Esperamos que o governo Dilma, que dá mostras de não pactuar com qualquer forma de corrupção, não deixe essa figura ressuscitar.
A França acaba de dar uma amostra de que o acerto de contas com as praticas condenáveis, exercidas por quem quer que seja, fazem bem à democracia e ao país. O livro escondido pelo PIG certamente nos ajudará a trilhar um caminho que abale a impunidade, já histórica, dos crimes cometidos contra o país e o povo brasileiro.
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