Alberto Perdigão – jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade, editor do Blog da Dilma
aperdigao@terra.com.br - @FalaPerdigao
É impressionante a rapidez com que se propaga uma notícia nas redes sociais. O problema é que, às vezes, a informação é só um rumor, um boato. Espero que você não tenha sido vítima de uma dessas abomináveis criaturas virtuais. O dano que causam os boatos é quase sempre irreparável. E espero mais ainda que você, caro leitor, não seja um daqueles criadores desses mistos de meias verdades e meias mentiras, que tantas perdas geram ao direito fundamental de estar informado na esfera pública e à construção coletiva da História.
O mais recente exemplo ocorreu durante a greve de policiais e bombeiros militares do Estado do Ceará. Das unidades onde se aquartelaram os grevistas, ou das residências e estabelecimentos comerciais onde os cidadãos internautas foram sitiados pelo medo, as informações logo ganharam as redes sociais, alcançando depois os meios de comunicação tradicionais, depois as massas de leitores, ouvintes e telespectadores, os conectados novamente, num círculo vicioso nunca antes registrado na história desse País. Ou talvez do mundo, se não vejamos.
A partir do anúncio da paralisação, dia 29 de dezembro, as informações que sustentaram seis dias de boataria se propagaram de forma virulenta, e espalharam pânico. Sem que se soubesse exatamente quem as produzia e as reproduzia, com que intenção ou com que desatenção, com que boa vontade ou com que grau de maldade. Relatos dos avatares os mais diversos, de fakes virtuais e até de pessoas reais davam conta de atos de violência na rua, contra casas e lojas. Supostamente sofridos por quem os postava, assistidos por eles ou sabidos por eles através de terceiros.
A postagem de velhas fotos de bandidos armados, presumivelmente do Rio de Janeiro, e de vídeos de arrastões, que teriam ocorrido em outras cidades, também foi usada pelos boateiros, verdadeiros difusores do terror. No sexto e último dia de trabalho duro para os terroristas da informação virtual, o comércio baixou as portas. Depois, os bancos, repartições públicas, escolas e hospitais. Restaurantes fechados. Transporte público parado. Casas trancadas. Ruas fantasmas. Uma cidade inteira confinada, assombrada, vitimada pela desinformação.
Como morador desta Fortaleza alegre e divertida, vi-me por um momento num Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago, 1995). Sem informação ampla, profunda e de qualidade, negligenciada que foi pelos meios tradicionais para tão complexa e delicada situação, e sem a informação pública, negada pelo Estado, a cidadania não enxergou as razões da greve e as razões do governo. A esfera pública não problematizou, não debateu racionalmente, não deliberou. Ao público foi negado o direito à consciência, à opinião, à participação, restando-lhe apenas a opção de se refugiar na esfera do que é mais privado, o lar.
Agora que a greve terminou, arrisco oferecer algumas possíveis conclusões. A primeira é uma premissa: o número de assaltos, roubos de carro, assassinatos, arrastões etc ocorrem, com maior ou menor visibilidade, com maior ou menor violência, independentemente do número de policias nas ruas. Segunda possível conclusão: a ocorrência criminosa mais devastadora, talvez, tenha sido a prática de um jornalismo anti-cidadão, sobretudo e originalmente nas redes sociais, e a disseminação do terror, digo, do temor, provavelmente como arma de guerra, digo, de greve.
Terceira: o número de boatos que circularam nas redes sociais foi maior que o de ocorrências policiais do período, bem como o número de notícias veiculadas pelos meios particulares foi maior que o dos meios públicos. Quarta: lojas e casas trancadas podem ser a metáfora social para um governo e uma força pública que se fecham ao diálogo com o outro, e se negam a interagir de forma menos unívoca e autoritária com o mercado e com a sociedade. Quinta: cidade fantasma com ruas desertas pode ser a representação de uma esfera pública esvaziada pela falta de comunicação pública.
A sexta: sem reconhecer a esfera pública, sem as informações e os canais de manifestação da comunicação pública que a sustentam e lhe vivificam, o cidadão se sentiu desprotegido, ameaçado e, amedrontado, buscou refúgio na esfera privada de casa. Sétima: governos e sindicatos ainda não descobriram que as redes sociais podem ser utilizadas como ferramenta de comunicação pública, especialmente em situações de crise. Oitava e última possível conclusão: o boato nas redes sociais pode ser a informação de uma negligência pública, boato pode ser a notícia da omissão.
3 comentários:
Como cidadão morador de Fortaleza reparei como a mídia aproveitou para fazer o jornalismo sensaionalista. Na verdade não cheguei a ver ou saber de nenhuma ação de violencia nem com familiares e nem com pessoas que conheço. Ou seja, acontecer aconteceu, mas na intencidade que estavam colocando, creio que exageraram.
Muito bom Perdigão, mas discordo quando é dada uma predominância à boataria ao invés do reconhecimento do que Fortaleza e outras cidades viveram na terça-feira. Moro no Edson Queiroz e vi o que acontecia em meu bairro. Caminhões de abastecimento de comércios que, ao fugir do arrastão, foram saqueados e colidiram com um poste. Quando a Coelce chegou foi mandanda embora à bala. Eu mesmo fui vítima de uma tentativa de rrastão na Washington Soares, próximo ao novo viaduto da Maestro Lisboa. Escapei porque avancei sobre os "elementos" que fechavam a avenida. À tardinha presenciei um assalto a um posto de gasolina na Rogaciano Leite. Minha esposa almoçava em um restaurante quando teve início um outro "arrastão". Por fim, o que quero frisar é que houve sim um avanço grande e inegável, principalmente nos subúrbios com pouca visualização pela mídia ou pelos usuários das redes sociais. Boatos nas redes sociais existiram, mas o que colocou a população em pânico, em minha opinião, foi deparar-se com um ambiente efetivamente perigoso.
Quanto à culpa o governador dessa não pode se eximir. Culpa de um governo autoritário, truculento, que não dialoga e que resolve tudo no uso da força. Melhor seria o PT romper com este governo que condena a bandeira histórica da origem de nosso partido (sindicalismo) e maltrata servidores ao exercer seus direitos.
Os acontecimentos não são mero fruto de um ato individual - greve dos que colocam a ordem na cidade -. Eles englobam uma parcela de medo, boato, verdades, e sobretudo uma total desconfiança da população de um governo que não sabe dialogar e se encastela, especialmente no seio daquilo que tocou: o desinteresse com a informação e consequentemente com a própria população. Engraçado que seria exatamente nessa hora, onde não sabemos onde a mentira começa e onde a verdade acaba, que alguma secretaria, ou o próprio governador poderia ter um canal direto com a população para explicar, tentar ser franco no que é bom e no que não sabe fazer, especialmente lidar com paralisações e greves. Perde o bonde da história, arranha sua "opinião pública", mas se caracateriza como um ente extremamente ignorante, aquele que não se interessa e apenas ignora a história.
Postar um comentário