domingo, 29 de janeiro de 2012

Fortaleza vaia o sol

Luiz Edgard Cartaxo de Arruda Junior - memorialista - cartaxoarrudajr@gmail.com
Sem dúvida, podem pensar ser prepotência, arrogância, audácia.
Só um povo que se acha o dono e umbigo do mundo para vaiar o Sol.
Agora faz 70 anos que o Fortalezense vaiou o sol. Aconteceu em 30.01.1942. Não é por aí; na verdade é molecagem, fuleiragi cearense, traquinagi e presepada, dessa gente serelepe prezepeira, da raça dos cabeça chata. O gosto de fazer pouco de tudo. Era o auge da 2ª Guerra Mundial. Depois de um toró d'água de mais de três dias encarrilhados e sem uma gota de Sol. Pela manhã, quando o Sol quase a pino deu as caras, levou vaia na Praça do Ferreira.
Agravantes: A sociedade fortalezense se desnuda na presença militar norte-americana. Surgem as garotas coca-colas (o que a Coca-Cola não sabe? “ e nem sequer percebe é que”...). Aqui na grande Guerra, chamar uma mulher de garota coca-cola em Fortaleza era pior que rotulá-la de rameira, devassa, ninfomaníaca etc. Para não irritar as politicamente corretas: moça fácil, atirada e mal-falada, destranbelhada. Havia blecautes na cidade, brigadas de apagões para extinguir fontes de luz que pudessem identificar a cidade no espaço aéreo à noite. Afinal, aqui é a esquina do mundo, logo região estratégica. Com esse clima, o povo vaiou o Sol.

Na óptica sociológica nativa: o povo viu chegar uma inexplicável alegria no rosto desanimado daqueles que lucravam com a indústria da seca! Depois do aguaceiro, ao ver brotar o Sol como uma esperança negra para seu sórdido negócio vingar.
Então, o povo vaia o Sol como protesto.
Já poetas, boêmios e notívagos embriagados de estrelas, lua e mel vaiaram o Sol para ele voltar e, assim, encompridasse a escuridão. Sem acabar o encantamento da nudez da noite ao pudor do Sol. É demais vaiar o astro-rei, o maior ícone do Estado cujo epíteto é "Terra da Luz".
Essa história é revivida. Manchete de 1ª página no "O Povo" rende crônicas e ensaios; o dramaturgo Gilmar de Carvalho fez uma peça de teatro genial. Pode escrever aí vai virar cinema. O grande Cláudio Pereira, comandando a Funcet, com parcos recursos e muita coragem, tentou repetir o feito algumas vezes. Em todas o Sol nos passou a perna. E não deu as caras: envergonhado ou com medo. Mas nada tão inusitado como o que aconteceu comigo. Em 2005, com esse propósito, procurei assessores do gabinete da prefeita Luizianne Lins. Explanava a idéia e fui interrompido na Comisão Fortaleza Bela: "Isso é mentira. O povo cearense não vaiou o Sol. Nunca ouvi falar disso. É impossível... Afinal o que o Sol fez de mal a você? O que você tem contra o Sol? Coitadinho do Sol..." Aí a ficha caiu. Pensavam que eu queria vaiar não o Sol, mas o partido político deles! Sinceramente, a
grandeza do astro não merece isso, tampouco a magnitude do gesto. O povo brasileiro vaia até minuto de silêncio como disse o Nelson Rodrigues. Quem pagou o pato, naquele ano, foi o presidente Lula em Porto Alegre vaiado pelo Sol no Fórum Social Mundial. Que como diz a poesia do Drummond: "Não tinha nada a ver com a história".

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