segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Lista de torturadores causa pouca comoção

Por Lucia Irene Reali Lemos - Lendo a matéria da Gazeta do Povo desse domingo (05.02.2012) sobre a divulgação da lista de torturadores, afirmo: Só de olhar para os nomes a lista já causa dor. Embrulha o estômago. Traz tristezas.
Não é novidade para os meus amigos e familiares que sou filha de um jornalista e radialista que sobreviveu às torturas da ditadura militar. Sempre que posso e devo, repito a nossa história. Minha mãe, meus irmãos e eu somos sobreviventes daquele período do “holocausto brasileiro”. Há que se ressaltar: Nós voltamos vivos, o que não quer dizer “inteiros” das barbáries que foram cometidas durante os anos de chumbo. Há sequelas. Há feridas que não cicatrizam. Não tivemos escolha.
Aos 7 anos vi minha família se dividir e se despedaçar. Minha mãe não teve escolha. Aos 29 anos foi forjada a lutar pela sobrevivência, tendo que sair “a convite” de um estado com 3 filhos (o caçula tinha 1 ano) e com uma única mala de roupas, num vôo da Vasp (1969) direto para o norte do Paraná. Deixamos tudo, tudo...familiares, bens materiais, e os sonhos... Não houve “comoção”, não houve por que não “existíamos”. Nas estatísticas censitárias éramos apenas mais uma família de retirantes nordestinos..., mais uma “mulher abandonada pelo marido”...Minha mãe não teve escolha. Não lhe foi dado o direito da escolha.
Momentos terríveis, muitas lágrimas, não adiantava fazer alarde, não adiantava pedir socorro...Nos tornamos sobreviventes da fome e do frio, sobreviventes da hipocrisia de uma sociedade, de um regime que maltratava, que torturava em nome da “ordem e do progresso” e em seus porões fétidos aniquilava uma geração. As maldades psicológicas que sofremos, num tempo em que se cantava "..eu te amo meu Brasil/eu te amo/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil/Ninguém segura a juventude do Brasil."
Nós não nos acomodamos. Nada foi cômodo. Não há tranquilidade em nossos corações. Nada e nem ninguém conseguirá amenizar a dor que nos fizeram e nos transformaram. É muito fácil para os estudiosos de plantão, fazer o “resgate histórico”, escreverem teses, laudas e mais laudas de reportagens. Dúvido que desses que aí estão “construindo os perfis” viveram a nossa dor na pele...
Que fique bem claro, em nome da minha mãe, dos meus irmãos e da memória de meu pai - meus ânimos jamais se arrefeceram... Não há como diminuir a intensidade do sofrimento causado e que teve consequências irreparáveis. Não há indenização que apague a dor da ausência de nosso pai em nossas vidas durante a nossa infância. A deformação que isto causou em minha mãe e em nós, seus filhos, não tem preço. Só perdas e tristezas.
A lista não só causa dor, mas mais que isso: asco e indignação pela atitude dos que insistem em negar que já não há mais o que temer e o que sofrer e que o tempo tudo apaga. Mentira! Tudo continua nos abalando e muito.
Eu repito: nada e nem ninguém amenizará as ações e os crimes cometidos por esses monstros, animais torturadores. Esses sim, provocaram animosidades, eles criaram e são responsáveis por todos os conflitos.
Estão enganados os que dizem que “as novas gerações não estão preocupadas com esse tema”. Não é preciso fazer “barulho”, não há necessidade de pertencer aos “grupos restritos” e nem tão pouco necessitamos de “comoção” para buscarmos a verdade e através dela a justiça. Passe o tempo que passar. Eu aprendi esperar!
Repercussão fraca sobre a divulgação do acervo da viúva do líder comunista Luís Carlos Prestes mostra que país já não se abala tanto com os crimes políticos. Fonte: LuciaReali.

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