— Como o senhor saiu do Brasil para o exílio? — perguntou a jornalista, que já havia tentado irritar Brizola durante a entrevista e, desta vez, fazendo alusão ao boato de que ele teria deixado o país após o golpe militar de 1964 disfarçado de mulher.
Leonel Brizola não se controlou. O velho esquerdista que governou o Rio e o Rio Grande do Sul sempre preocupado com a educação das crianças pobres deu a resposta que estava atravessada na sua garganta havia décadas:
— Tu me emprestastes as tuas calcinhas e saí com elas.
Claro que a mídia usou o episódio para, mais uma vez, denegrir Brizola, pintá-lo como um desequilibrado. Para mim, porém, ele agiu como eu agiria.
Em outra campanha presidencial, muitos anos depois, a repórter, que deve ser filha da que constrangeu Brizola _ ou filha de outra coisa _ chocou a então candidata Dilma Rousseff:
Dilma se conteve, respondeu, com educação, que não desceria àquele nível. Foi eleita presidente do Brasil.
A repórter? Não sei por onde anda, nem lembro seu nome.
Em todo o meu tempo trabalhando em jornais e revistas, sempre me incomodou fazer certas perguntas. Na maioria das vezes, quando eu achava a questão muito pessoal, ficava calado. Como na vez em que fui entrevistar o ator Carlos Augusto Strazzer, que havia acabado de assumir publicamente ser soropositivo. Quando voltei à redação, meu chefe perguntou como ele tinha contraído o vírus HIV.
Eu jamais perguntaria algo tão íntimo a alguém. Nem informalmente, se fosse um amigo meu, muito menos profissionalmente.
Para me livrar da bronca por não ter sido mal educado com o entrevistado, disse que o ator não quis falar sobre aquilo. O chefe engoliu minha cascata. Strazzer morreu alguns meses depois.
Certas coisas, de tão íntimas, só devem ser abordadas se a iniciativa partir do entrevistado. Se ele não diz, provavelmente é porque não quer dizer. Eu nunca faria, por exemplo, como Marília Gabriela fez com Cazuza:
— Você tem aids? — disparou ela sem piscar.
O cantor ficou desconcertado, gaguejou, negou. Sua doença ainda não era pública, embora já fosse muito comentada. Achei uma tremenda deselegância dela. Fiquei chocado. Por quê? Pra quê chegar a esse extremo?
Você perguntaria isso a um amigo seu? Dessa forma? Nem na intimidade, imagine diante de estranhos... milhões de estranhos.
Quem pensa que são só os malas do Pânico e do CQC que fazem perguntas constrangedoras a pessoas famosas está enganado. Tem muito jornalista que posa de sério mas não tem desconfiometro nem se coloca no lugar do entrevistado.
Claro que errei muito quando era inexperiente. Expus pessoas, como uma mulher que acampou em frente ao prédio do Roberto Carlos e, por causa da minha reportagem, foi internada num hospício. Me arrependi quando ela me telefonou n redação e disse que, graças a mim, estava num manicômio. A partir daí, passei a dar mais valor ao entrevistado e não à entrevista. A criar um constrangimento, preferia levar a reportagem por outros caminhos, tentando usar criatividade.
Desde que a indústria jornalística virou um grande negócio e, ao mesmo tempo, uma poderosa arma política, repórteres são pressionados a arrancar dos entrevistados declarações fortes, polêmicas, que vendam jornal, que deem audiência, que coloquem determinadas pessoas em posição delicada, constrangedora. Os editores acham que o povo quer sempre escarnecer o entrevistado. Ou seja, fazem a pior imagem possível do ser humano que consome o produto que vendem. São uns medíocres pretensiosos. E, como o povo consome, já que o monopólio dos meios de comunicação está nas mãos de meia dúzia.
Mas cara-de-pau e falta de escrúpulos têm limite
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