sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

RS: A tragédia da incomunicação

Por Alberto Perdigão (aperdigao13@gmail.com) - Jornalista, editor do Blog da Dilma
Só havia duas possibilidades para evitar a tragédia de Santa Maria (RS), em que morreram quase 250 pessoas. A primeira, se a boate Kiss estivesse cumprindo todas as normas de segurança estabelecidas em lei. Mesmo se houvesse o fogo, certamente não haveria tantas mortes. A segunda, se fosse dado às vítimas o direito à informação de que a casa não cumpria as normas de segurança. Mesmo que houvesse o fogo, certamente não haveria tanta gente lá dentro.
Ofereço esta reflexão uma semana depois da tragédia que comoveu o mundo, deixando perplexos os países onde a vida humana tem mais valor, onde o Estado protege o cidadão de todos os riscos, com todas as suas ferramentas, entre elas a comunicação pública. É uma reflexão sobre os direitos à vida e à informação, ambos previstos na Constituição, e não raramente atropelados pela imprudência, imperícia ou negligência de governantes e seus sócios do mercado.
Soltar fogos de artifício num ambiente lotado, fechado, com paredes revestidas com espuma... que loucura! Uma insanidade privada, respaldada pela irresponsabilidade pública. Algo só compreensível numa situação de anomia, de desgoverno. Temos que pensar sobre isso, o que significam aqueles tantos mortos sem ar, sem luz, procurando uma saída. É um primeiro passo para assumirmos nosso papel nos contextos da cidadania ativa e da democracia participativa.
Vivendo só na lógica do lucro rápido, da eleição fácil, morros vão desabando sobre casas construídas em áreas de risco. Até que se implementem sistemas públicos de monitoramento e de alarme para situações de perigo. Não precisa ver o morro descer, as casas desaparecerem, pessoas chorarem desesperadamente a perda de seus entes... a comunicação pública pode estar lá, fazendo circular a informação que previne e protege, que empodera contra a catástrofe.
Podemos ter um sinal sonoro na praia, quando a maré estiver mais perigosa. Assim, eu deixo o banho para mais tarde. Podemos ter também uma luz piscando, quando a estrada estiver escorregadia ou com baixa visibilidade. Assim, eu paro ou diminuo a velocidade. Em nome de um direito difuso preventivo, quero ter um aplicativo público-gratuito com a lista dos estabelecimentos de venda de alimentação e bebidas, que não estão em dia com a vigilância sanitária.
E por que não¿ Você, como eu, provavelmente não iria a um restaurante sabendo do risco de ter um esgoto aberto na cozinha, baratas na despensa. E, em consequência, o dono logo trataria de colocar a casa em ordem, incluindo o alvará sanitário. E também não iria a uma boate, nem deixaria seu filho ir, sabendo que, sem o alvará dos Bombeiros atualizado, o local poderia não ter extintores apropriados, saídas de emergências e brigadistas para impedir o uso de sinalizadores. 
E o que se pode esperar agora, no país governado pelas tragédias e pela opinião pública¿ Já avançamos, é verdade, com a lei da transparência, com a lei do acesso à informação, com as consultas públicas. Mas é preciso mais, que mais intensa e rapidamente, a comunicação pública entre nos poderes públicos. E que os agentes públicos se lancem no abismo da incomunicação, que os protege da fiscalização e do controle públicos, ameaçando a cidadania.
Se ameaça a vida, muito pior! Por carta, cartaz e adesivos na porta do estabelecimento, pelos meios de comunicação e por sites na internet, por call center ou mensagens de celular, caberia aos governos do município, estado ou união, ou ao Ministério Público, informar o cidadão a lista dos locais onde a vida corre risco, pelo descumprimento da lei. E também receber denúncias de situações suspeitas, que igualmente podem causar mortes.
Vítimas da incomunicação... pense nisso. Os mortos de Santa Maria não podem ter sido em vão.

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