terça-feira, 9 de abril de 2013

Tharcher, a dama de ferro do neoliberalismo

Por Sandro Alves de França - Facebook.
Não sou dado a colocações e atitudes panegíricas face a alguém que morreu e a qual eu discordava. Obviamente que não me alegro com o falecimento de ninguém, mas o fato da pessoa morrer não a redime ou a torna imune quanto aos seus atos. Em muitos casos são apenas pessoas comuns, que partem dessa vida sob a sombra de suas virtudes e seus defeitos, alguns mais eloquentes que outros.
Em se tratando de Margareth Thatcher, a dama de ferro britânica, não faleceu apenas uma pessoa ordinária, mais uma líder política que comandou por mais de uma década uma das maiores economias do mundo, sendo a primeira e única mulher a assumir esse papel no Reino Unido.
Tamanha é a importância a ela atribuída que seu período à frente do governo britânico é definido nos livros de história como a Era Thatcher. Ainda assim a grande reverência feita a essa figura história - e mesmo face à muito relativa comoção provocada por sua morte - não é capaz de produzir consenso quanto ao legado de Lady Thatcher no Reino Unido e na geopolítica mundial.
Para muitos ela foi uma líder firme e determinada que tirou a Inglaterra da recessão, modernizou a economia e foi uma das principais vitoriosas da Guerra Fria após ao fim da União Soviética. Para tantos outros foi uma governante inflexível, conservadora, que aplicou suas medidas à custa de muitos empregos da classe trabalhadora, que com suas privatizações praticamente extinguiu a indústria estatal britânica, que perseguiu os sindicatos e reduziu direitos trabalhistas. A mãe do modelo econômico neoliberal, do conceito de “Estado mínimo”, que junto com Ronald Reagan delineou os parâmetros da ação política da direita no mundo.
Eu estou entre os que veem com muitas reservas as chamadas “conquistas econômico-conjunturais” da Era Thatcher e cujo olhar crítico ao seu governo se direciona aos grandes golpes empreendidos por ela às classes mais pobres e nos trabalhadores e cujo modelo econômico por ela gestado é o principal elemento desencadeador da crise financeira no mundo e das desigualdades sociais.
Evocam ainda a relevância de Thatcher na afirmação da condição feminina e na ascensão de mulheres em postos de comando e destaque. Sob muitos aspectos, de fato há uma importância e uma certa influência na autonomia e na emancipação feminina, já que ao final dos anos 1970 a presença de mulheres em cargos de liderança ainda muito restrita, e Thatcher, pelo papel político que exerceu no Reino Unido e na dinâmica geopolítica mundial tornou-se uma espécie de referência para as mulheres.
Entretanto sua contribuição a causa das mulheres se restringe ao seu status político. Thatcher combateu o feminismo e várias das mobilizações pelos direitos das mulheres e por políticas de gênero integrativas. Sua perspectiva acerca das mulheres não diferia muito da dos homens. Pode-se, inclusive, afirmar, guardadas as devidas proporções, que ela era uma espécie de político homem travestido com vestidos de grife, maquiagem e joias. A definição descontraída do ex-presidente dos EUA e principal aliado no plano internacional, Ronald Reagan, que a chamou de “o melhor homem da Inglaterra” é, nesse contexto, muito coerente.
As incongruências das posições políticas de Lady Thatcher não param por aí. Ela apoiava abertamente a ditadura de Augusto de Pinochet no Chile (foi uma das pouquíssimas vozes a lamentar a morte do ditador em 2006; mesmo após a velhice e o fim da vida pública a dama de ferro jamais deixou de ostentar suas convicções direitistas) o Apartheid na África do Sul, chegou a chamar o líder da resistência Nelson Mandela de terrorista! A Dama de Ferro sempre foi uma figura política controversa e muito polêmica.
Entre os fatos que mais provocaram controvérsia e reações opositoras estão a Guerra das Malvinas e o caso da greve de fome dos líderes do IRA (Exército Revolucionário do Norte da Irlanda, em tradição literal da sigla). Em relação a campanha militar das Malvinas, ocorrida em 1982, houve uma forte mobilização para conquistar o êxito e um envolvimento da comunidade britânica, que após a o conflito ser vencido pelas forças do Reino Unido deu apoio decisivo a reeleição de Thatcher que estava politicamente enfraquecida antes do confronto devido a crises da economia e gargalos sociais mas conseguiu de modo muito eficiente capitalizar eleitoralmente em cima da guerra e projetar ainda mais sua imagem como líder de autoridade e convicções firmes.
Sobre as Malvinas, inclusive, existe algo que considero politicamente emblemático: o apoio da esquerda e da resistência às ditaduras latinas a campanha do governo ditatorial argentino na guerra pela ilha. Obvio que a causa da reconquista de um território eminentemente argentino e do fim do neocolonialismo é muito legítima, mas apoiar a ditadura mais sanguinária do continente, com mais 30 mil mortos e desaparecidos, é injustificável! Mesmo sendo algo contraditório, a derrota da Argentina na guerra foi o principal fator de aceleração da queda do regime, dado o impacto negativo do conflito na opinião pública e nas finanças argentinas. Fosse a campanha militar vitoriosa, daria sobrevida ao regime e este poderia capitalizar politicamente de modo semelhante ao que os conservadores fizeram na Inglaterra. Bom, mas é uma discussão muito densa e que fica pra outro texto.
O caso dos ativistas radicais do IRA presos pela justiça britânica e que queriam status de presos políticos e reivindicavam direitos simples como encontros privados com familiares, um ano antes da Guerra das Malvinas, foi uma mostra da inflexibilidade de Thatcher, que não cedeu minimante e permitiu que dez presos fizessem greve de fome e definhassem progressivamente até a morte. Alguns casos entraram na história da literatura médica pelo tempo em que resistiram a greve de fome antes do óbito, chegando a mais de 30 dias.
Com uma agenda econômica baseada em desregulamentação do sistema financeiro, privatizações, supressão de benefícios e programas sociais e de leis trabalhistas bem como austeridade tentou ainda desmantelar o sistema britânico de saúde pública - um dos maiores orgulhos da Inglaterra e considerado o melhor sistema de saúde pública do mundo – e também o de educação, só não conseguiu porque o Partido Conservador a impediu frente a gigantesca repercussão negativa dessa movimentação. Acabou com o salário mínimo (que só viria a ser reimplantando muitos anos depois no governo de Tony Blair), diminuiu impostos dos multimilionários e aumentou tributos das classes média e baixa, dentre outras medidas econômicas ultraliberais.
Tais medidas constituem a base do modelo econômico neoliberal que no Reino Unido e no mundo propiciou o surgimento de milionários em detrimento do estado de bem estar social. Houve desemprego e estagnação social e esse sistema é hoje o cerne da crise financeira internacional.
Isso ajuda, em parte, a explicar a reação efusiva de manifestantes contrários a Thatcher e que celebram sua morte. Dezenas de pessoas se Londres e em Glasgow na Escócia, saíram as ruas para comemorar o falecimento da estadista. No facebook a página “Evento Thatcher – Festa na George Square (tradução livre)” reunia quase 7 mil inscritos. A hastag “Now Thatcher is dead (agora que Thtacher morreu)” foi uma das comentados do twitter e era utilizada para ironizar e também festejar a morte da ex-primeira-ministra.
Polêmica, controversa, emblemática, amada e odiada, uma das líderes políticas e mulheres mais importantes do século XX. Margareth Thatcher em vida sempre despertou as mais intensas e diversas emoções de seus apoiadores e opositores. Agiu sempre muito fiel as suas ideias e convicções, mesmo quando essas entravam em confronto frontal com a população britânica ou mesmo com o seu partido.
É até hoje uma maiores referências para os liberais-conservadores, que a veem como uma “guru política” junto com Ronald Reagan. Ela é para eles o equivalente ao que Rosa Luxemburgo é pra esquerda progressista.
Independente de apoiá-la ou não, há de se reconhecer que ela sempre fora coerente consigo mesma tanto quanto (ou até muito mais) uma figura política da sua amplitude poderia ser. Não há, no entanto, de se tentar neutralizar seus muitos deméritos – nem os, a meu ver, poucos méritos, - simplesmente porque ela não está mais entre nós. Como bem colocou Mário Quintana “A morte não melhora ninguém”.

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