sábado, 22 de fevereiro de 2014

Escândalo no Banco do Nordeste envolvem Assessor de Ciro Gomes e apadriados do Dep. José Guimarães

Numa tarde movimentada no Congresso, em 2007, o então presidente do Banco do Nordeste, o BNB, Roberto Smith, subiu ao 14º andar do Senado para conversar com o senador Gim Argello, do PTB de Brasília. Smith estava acompanhado por um assessor e por um deputado federal. Ele estava lá para conversar com um convidado e amigo de Gim, o empresário Walter Torre, dono de uma das maiores construtoras do país, a WTorre. Gim atuara ali como intermediário entre um empresário com um problema e um burocrata com uma solução. A partir daquele instante, um banco estatal, com orçamento de aproximadamente R$ 10 bilhões por ano para gastar e juros camaradas a oferecer, estava à disposição de Walter Torre. O momento em que Torre abordou Smith – ou Smith abordou Torre – não poderia ter sido mais oportuno. Com dinheiro saindo pelo ladrão, o BNB acabara de criar uma diretoria para capitalizar empresas que nem mesmo precisavam se envolver em projetos de desenvolvimento da região, contrariando a ideia inicial do ex-presidente Getúlio Vargas ao criar o Banco do Nordeste, em 1952. Era o caso da WTorre, uma empreiteira de São Paulo. Após o encontro no Senado e negociações subsequentes, a WTorre conseguiu levantar R$ 110 milhões ao vender títulos no mercado, comprados principalmente pelo BNB.   O BNB é um velho conhecido dos brasileiros que acompanham o noticiário. Em 2005, ganhou fama quando um assessor de José Guimarães, irmão do mensaleiro condenado José Genoino e atualmente deputado federal pelo PT, foi preso no aeroporto de Congonhas com US$ 100 mil na cueca. Apurou-se que ele carregava a dinheirama para pagar propina a um executivo do BNB e, assim, acelerar um empréstimo para uma empresa do setor de energia elétrica. Dois anos depois, um aliado do ex-governador do Ceará Ciro Gomes foi afastado do banco por atuar na renegociação de uma dívida em condições para lá de vantajosas – não ao banco, claro. Em 2012, ÉPOCA publicou uma reportagem mostrando irregularidades na concessão de empréstimos pelo BNB. Parentes de executivos se esbaldaram ao conseguir financiamentos também para lá de vantajosos. Ao banco? Evidente que não. Para justificar despesas com o dinheiro recebido, as empresas beneficiadas apresentavam notas fiscais frias e recorriam a laranjas.
A mamata com dinheiro público era tamanha que os principais órgãos de fiscalização do país, além da Polícia Federal, foram acionados. Começaram uma devassa nos balanços do BNB. Os primeiros resultados dessa investigação, a que ÉPOCA teve acesso, revelam que a situação do banco é ainda mais grave do que se supunha. Esquadrinhando as operações do BNB, os investigadores comprovaram que, em grande parte delas, o banco acabou lesado. Auditorias internas descobriram que o BNB, estranhamente, não fazia esforço para cobrar as dívidas que haviam sido contraídas. Um relatório concluído pelo Tribunal de Contas da União recentemente calcula que esse descaso causou prejuízos ao BNB, apenas até 2008, de R$ 500 milhões (valor não corrigido), quantia suficiente para construir mais de 8 mil casas populares. Essas operações, de tão toscas, não permitem que o banco cobre as dívidas na Justiça. Por múltiplas razões. Entre elas, como perceberam os auditores do TCU, está um fato prosaico: o BNB emprestou dinheiro sem sequer recolher as assinaturas dos devedores.
Os auditores do TCU, a PF e o Ministério Público Federal avançam agora na investigação sobre o tipo de negócio firmado por Walter Torre, o empresário amigo de Gim Argello. É um tipo de negócio que, no BNB, estava numa diretoria ocupada por Luiz Henrique Mascarenhas, ou simplesmente Lula. Servidor de carreira do Banco do Brasil especializado em mercado de capitais, Lula não deixou a desejar. Em três anos, sua diretoria liberou quase R$ 900 milhões na compra de títulos de empresas privadas. Tudo estaria dentro dos conformes… se a liberação do dinheiro estivesse dentro dos conformes. Um relatório confidencial do banco, obtido por ÉPOCA, afirma que o BNB liberou o dinheiro sem que as empresas apresentassem garantias suficientes (leia o documento acima). Na prática, o BNB desembolsava recursos sem saber se a empresa tinha dívidas na praça ou se advogados do próprio banco estavam de acordo. Foi assim que o empresário Walter Torre obteve seus R$ 110 milhões no BNB. Num trecho do relatório, os técnicos do banco afirmam que a empresa de Walter Torre obteve o dinheiro sem apresentar uma certidão negativa de débitos. Seria como se um cidadão desse um cheque numa loja sem que o comerciante verificasse se ele tem nome sujo na praça. No relatório, os técnicos precisam frisar o óbvio: empresas com possíveis dívidas não “poderiam fechar contratos com o governo”. Em situações análogas à da WTorre, de acordo com o documento do banco, estão as empresas OAS, Moura Dubeux e a Concessionária Auto Raposo Tavares. Todas negam irregularidades e afirmam ter quitado as dívidas com o banco.
Lula – o diretor do BNB – é amigo e foi indicado para o cargo por Francisco Cláudio Duda, também servidor de carreira do Banco do Brasil. Nos últimos anos, Duda ficou conhecido por zanzar em bancos ligados a governos petistas, como o Banco de Brasília e o Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul. Por sua competência nas operações do BNB, pelo respaldo político de Duda e do PT e pela afinidade com empresários, entre eles Walter Torre, Lula tinha um futuro promissor – até que tentou uma jogada ousada demais. Uma empresa da área de energia eólica, da qual ele era presidente do Conselho de Administração – não como representante do banco –, pediu dinheiro emprestado ao BNB. Lula queria atuar nas duas pontas. Quando a tentativa foi descoberta, ele tentou negociar sua saída do BNB sem comprometer o pedido de empréstimo da empresa. Não adiantou. Diante do possível estrago à imagem do banco, Lula foi afastado, e o pedido da empresa de energia eólica foi derrubado rapidamente. Lula afirma ter saído do banco por motivos familiares. Diz, ainda, que todas as decisões passaram pela diretoria colegiada do banco e nega ter sido indicado pelo PT.
Num de seus primeiros atos quando assumiu a presidência do BNB em 2012, Ary Joel Lanzarin extinguiu a área que fora criada para abrigar Lula. Comentou com colegas que o BNB deveria se concentrar no que, afinal, sempre foi a vocação do banco: emprestar dinheiro a agricultores familiares e empresas que façam o Nordeste crescer. Também reforçou a análise de renegociações de dívidas com empresas, para evitar que continuasse como um dos principais buracos do banco. Uma operação em especial foi traumática para o BNB. Mesmo sem apresentar garantias suficientes de que a empresa honraria a dívida, o prazo de pagamento foi prolongado para a Rede Energia. Um relatório da Controladoria-Geral da União afirma que a renegociação com a Rede Energia expôs o banco a um “risco elevado sem o respaldo adequado de suas políticas de desenvolvimento regional”. Após a chegada de Lanzarin, a dívida foi finalmente renegociada em termos que a Rede Energia pudesse pagar. De acordo com a empresa, existe um débito de R$ 70 milhões com o BNB, mas as prestações para quitá-lo estão em dia.
Lanzarin imaginara que poria o banco no rumo certo. Com o aval do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ele começou a fazer mudanças no banco. Só não conseguia demitir diretores antigos, ligados a próceres do PT, como Paulo Ferraro, indicado pelo governador da Bahia, Jaques Wagner, e Luiz Carlos Everton de Farias, indicado pelo senador do Piauí Wellington Dias. Na metade do ano passado, Ferraro pediu à cúpula do Ministério da Fazenda para sair. Para não desagradar a Jaques Wagner, Mantega interveio e garantiu a permanência dele no cargo. Na metade de dezembro do ano passado, Lanzarin enxergou uma nova oportunidade para se ver livre dos diretores ligados aos petistas. Soube que Ferraro, Everton e outros nove dirigentes do banco – entre eles Lula – seriam denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) no Ceará por gestão fraudulenta. O entusiasmo de Lanzarin se dissipou pouco mais de um mês depois, quando o juiz responsável por acolher a denúncia excluiu o nome desses diretores. Agora, o MPF recorre da decisão. Os dois diretores indicados pelo PT negam quaisquer irregularidades.
O BNB afirma que o relatório obtido por ÉPOCA é preliminar, que as operações são regulares e que o banco lucrou com elas. O ex-presidente do BNB Roberto Smith respondeu por e-mail que a indicação de Luiz Henrique Mascarenhas “foi proveniente do Ministério da Fazenda e, assim como toda e qualquer indicação, foi aprovada pelo Conselho de Administração, no qual eu ocupava a posição de vice-presidente”. Smith disse ainda que pretende rebater as acusações de gestão fraudulenta “junto à Justiça, de forma afastada de qualquer sensacionalismo vão”. A WTorre informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “toda a operação de emissão de debêntures pelo BNB para a WTorre foi realizada estritamente dentro das normas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e do Banco Central, tendo sido as debêntures quitadas nos termos acordados com os tomadores dos títulos. A emissão de debêntures – não são empréstimos, portanto –, realizada em 2008, foi a única operação realizada pela WTorre com o BNB”. A OAS Empreendimentos informou, por meio de nota, que “o Banco do Nordeste adquiriu debêntures emitidas em 2010 pela empresa no valor total de R$ 60 milhões, sendo que quatro parcelas de R$ 12 milhões já foram liquidadas, ficando somente uma parcela remanescente, que será liquidada no seu vencimento em 15/7/2014”. A Concessionária Auto Raposo Tavares informou apenas que as operações com o BNB estão em dia. E a Moura Dubeux não respondeu aos questionamentos de ÉPOCA.
(Revista Época)

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