sexta-feira, 11 de abril de 2014

Lula, blogs e mentiras do Zero Hora

Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:
O Tijolaço nos informa que o diário direitista gaúcho Zero Hora teve o seguinte a dizer sobre a entrevista do ex-presidente Lula a blogueiros: “O ex-presidente sentou-se à mesa com pessoas que não têm como oferecer a neutralidade reclamada. Seus ouvintes eram responsáveis por blogs assumidamente governistas, muitos dos quais sustentados por verbas oficiais.”
O Zero Hora, como se sabe, pertence à família Sirotsky, do Grupo RBS, parceiro comercial e ideológico das Organizações Globo (olhem na lista acima) no Sul do país.
Se tivesse feito o trabalho jornalístico que se requer de uma poderosa empresa jornalística, teria descoberto o óbvio: a grande maioria dos blogueiros que entrevistaram o ex-presidente Lula não recebe um tostão sequer de “verbas oficiais”. Basta consultar as informações divulgadas pela Secom, a Secretaria de Comunicação Social ligada à Presidência da República.
Da entrevista participaram Renato Rovai (Revista Fórum e Blog do Rovai), Altamiro Borges (Blog do Miro), Conceição Lemes (Viomundo), Fernando Brito (Tijolaço), Marco Weissheimer (Sul 21 e Carta Maior), Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania), Rodrigo Vianna (Escrevinhador), Kiko Nogueira (Diário do Centro do Mundo) e Miguel do Rosário (O Cafezinho).
Posso estar errado, mas dos veículos acima citados só a Carta Maior constava da listagem mais recente a que tive acesso, numa proporção absolutamente compatível com a importância que o site tem para a esquerda brasileira e para o público de esquerda existente no país.
Portanto, além de mentir neste ponto - “muitos dos quais sustentados por verbas oficiais” -, o Zero Hora sonegou de seus leitores outra informação fundamental, se realmente pretendia debater financiamento oficial da mídia e independência editorial.
Sonegou o fato de que o Grupo RBS certamente está na lista dos maiores receptores de dinheiro público dentre, digamos, os 50 maiores grupos de mídia do Brasil, pois recebe dinheiro do governo federal, de governos estaduais e de prefeituras. Se pretendia debater honestamente o assunto, o Zero Hora deveria contar aos leitores quanto exatamente a RBS recolhe em “verbas oficiais”.
O que levaria os leitores a concluir: se o Zero Hora, com todo o dinheiro oficial recebido pelo Grupo RBS, pode se declarar “independente”, por que blogueiros que não recebem um tostão em dinheiro oficial não podem ser independentes? Teriam sido abduzidos pelo lulismo? Hipnotizados pelo petismo?
Por que sonegar dos leitores que os entrevistadores de Lula representam blogues de esquerda, que se contrapõem ao jornalismo de direita do Zero Hora? Ah, sim, porque na cabeça dos editores do diário gaúcho o Zero Hora paira sobre a sociedade, “neutro”. Não é conservador, nem de direita.
Se eventualmente elogiamos medidas do governo, o que nos custa a pecha de “governistas”, sem receber nada em troca, isso deveria ser elogiável: é demonstração de que colocamos convicções políticas adiante de interesses comerciais, algo muito raro no jornalismo de hoje. As convicções políticas da família Sirotsky, aliás, ficam absolutamente explícitas na linha editorial dos órgãos midiáticos do grupo RBS. Por que, então, deveríamos esconder as nossas? Isso não nos dá, nem a eles, o direito de distorcer, manipular ou mentir. Na entrevista de Lula foram tratados todos os temas importantes da conjuntura política atual, da Petrobras ao caso do deputado André Vargas, de Lula candidato à Copa do Mundo. Sem antipetismo doentio, sem pré-julgamentos e dando ao ex-presidente o direito de se expressar.
O Viomundo, como vocês sabem, tem como política não receber “verbas oficiais”, de governos de todas as esferas ou de empresas públicas.
Por que o Zero Hora não adota a mesma diretriz, que contribuiria para cortar os gastos públicos? Quantas creches e hospitais poderiam ter sido construídos com o dinheiro que o Grupo RBS embolsou até hoje em “verbas oficiais”?
Taí um exercício que os editores do diário gaúcho ficam devendo a seus leitores, assim como aos ouvintes e telespectadores do Grupo RBS: um debate honesto sobre o financiamento da mídia.
É óbvio que sabemos exatamente o motivo da chiadeira da família Sirotsky.
Ela se revolta com a perda do monopólio da informação, que até recentemente permitia ao grupo selecionar as notícias “existentes” ou não, os ângulos e as frases pinçadas de uma longa entrevista que permitiam empacotar a sua “versão” dos fatos.
Desculpem, mas a internet acabou com isso: entrevistas longas, em tempo real, ficam imediatamente disponíveis, na íntegra, em rede, permitindo a leitores/ouvintes/telespectadores que fiscalizem eles próprios as distorções, omissões e manipulações tão comuns na mídia corporativa (na mesma tarde da entrevista a assessoria do ex-presidente denunciou que Folha e O Globo haviam adulterado a fala de Lula).
Desde muito antes de Assis Chateaubriand, empresas jornalísticas brasileiras cresceram explorando a capacidade de extorquir dinheiro sob a ameaça de investigar/denunciar/desconhecer autoridades ou empresários; para os que abriram o cofre, em compensação, ficou o benefício do “espaço controlado” para falar à opinião pública.
Quando um líder como o ex-presidente Lula decide falar sem tal intermediação corporativa, paira no ar forte ameaça ao monopólio da palavra que sustenta o jornalismo chantagista.
A ação de Lula ameaça o bolso dos Sirotsky. É disso que se trata.

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