sexta-feira, 20 de junho de 2014

Futebol Tupiniquim Origins Pt. II

Por Littbarski - Blog O Controle Remoto:
Coluna do Littboy de volta para continuar o papo da matéria anterior: uma visita aos primeiros passos do futebol no Brasil. E para compreender a história de qualquer esporte, é necessário que se entenda primeiramente os aspectos sócio-culturais existentes na sociedade em que ele se encontra. Como foi abordado na coluna anterior, a história do futebol no Brasil está intimamente ligada com o processo de modernização das cidades e com os valores de sua sociedade.
A modernidade tupiniquim explicitava-se na urbanização e na valorização da cultura europeia, mas ainda havia uma pesada herança da abolição tardia. A base da sociedade brasileira, ainda era o ideal de superioridade branca. As reformas que se fazia nas cidades, beneficiavam a burguesia e serviam para seu lazer. A modernização se fazia pela exclusão das camadas sociais menos abastadas.
Portanto, o esporte que surgisse nesse momento, teria uma relação direta com a modernidade e com o lazer dos jovens abastados. O futebol ganha impulso, principalmente através da fundação dos clubes, que vão surgindo na primeira década do século XX. A maioria impregnada dos ideais de cavalheirismo, elitismo e amadorismo. O grande exemplo de clube da elite nesse período foi o Fluminense Football Club, fundado em 1902. Outros clubes também vão sendo criados como o América –RJ e o Botafogo-RJ, em 1904. Os clubes, nesse início, constituíam-se como grupos fechados para a sociabilidade e o lazer da elite, afastando as demais camadas sociais. Os próprios instrumentos do esporte eram caros, como as bolas e as chuteiras, e estavam nas mãos dos clubes.
A partir dos clubes, o futebol ganha força como prática esportiva elitista e para assegurar essa posição vão sendo criadas ligas, como a Liga Metropolitana de Football, Rio de Janeiro, 1905 e a Liga Paulista de Football, 1902, as quais agrupam os clubes e passam a regular o futebol nesses espaços. A criação dessas ligas, para além da organização do esporte, tem um objetivo mais forte e profundo: o de dificultar a possibilidade de entrada dos clubes e camadas mais pobres em um restrito grupo de desportistas.
Entretanto, da mesma forma que a burguesia formava seus times e tentavam controlar o futebol, as camadas menos abastadas também se movimentavam na criação de clubes. Bangu em 1904, Juventus em 1924 e o Corinthians em 1910, são exemplos de clubes que representavam essas classes sociais, principalmente os operários. Para evitar a emergência desses clubes, as ligas vão estabelecendo restrições em seus campeonatos. Vejamos alguns pontos do estatuto para a admissão de cubes e atletas na Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (RJ) (AMEA):
Capítulo IX – DA INSCRIÇÃO DOS AMADORES, SUAS FORMALIDADES E REQUISITOS
Art 65 – Não poderão, porém, ser inscriptos:
ITEM 2 – Os que tirem os seus meios de subsistência de qualquer profissão braçal, considerando-se como tal a em que predomine o esforço physico;
ITEM 7 – Os que não saibam ler ou escrever corretamente;
ITEM 9 – Os que habitualmente não tenham profissão ou empregos certos;
A dessas regras, é explícita a discriminação da liga contra as classes sociais ditas subalternas. Trabalhadores que usavam o físico, analfabetos, uma grande parte da sociedade, e desempregados estavam excluídos da prática oficial do futebol. Além disso, os itens não tocam em questões raciais, mas é razoável inferir que a maioria dos negros ocupava os trabalhos braçais.
O caráter racista dessas instituições reguladoras do futebol é mais explícito em casos como o de Carlos Alberto, jogador negro do Fluminense, que passava pó-de-arroz para clarear a pele nos jogos, em 1914. Outra característica excludente que se nota através do documento, é a questão do amadorismo. Para se jogar futebol, exigia-se que o jogador possuísse uma profissão, o que impedia que pessoas de uma classe social baixa pudessem ascender através da prática do futebol.
Por outro lado, os clubes da classe operária reagem contra tais medidas. O caso mais conhecido é do Bangu Athletico Club, que em 1905, apresentava jogadores negros em seu time. E mais, em 1907 o clube chegou a desligar-se da Liga Metropolitana por ter sido proibido de escalar um jogador negro, Francisco Carregal, em sua equipe. Além do Bangu, o Clube de Regatas Vasco Da Gama também vai lutar pela ascensão do negro e dos trabalhadores braçais no futebol.
É graças às ações de clubes como esses e da progressiva inclusão de operários em clubes que pagavam o “bicho” por uma boa partida jogada, que o futebol vai se democratizando e caminhando rumo ao profissionalismo que só viria sob o Estado de Getúlio Vargas.

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