domingo, 11 de janeiro de 2015

Bob Fernandes em Paris

Por Bob Fernandes - perfil no Facebook:
As palmas em ritmo sincopado rompem o silêncio, e ecoam dos Boulevards Richard Lenoir e Beaumarchais até a Place de la République. Em Paris, 2...3 milhões de pessoas (ninguém sabe ao certo, mas ao final da noite manchetarão em 3,7 milhões) estão nas ruas neste domingo, 10.
Em outdoors, placas, cartazes feitos à mão, nas sinalizações de transito desde a saída do aeroporto Charles De Gaulle, a mesma mensagem:
-Je Suis Charlie Hebdo.
Outra palavra se repete nos gritos esparsos, camisetas, charges e cartazes : "Liberté".
Parisienses dizem ser esta a maior manifestação na capital desde 2002, quando o líder Le Pen, do fascista Front National chegou ao segundo turno das eleições contra o candidato da direita, Jacques Chirac, e desbancando o socialista Lionel Jospin.
Capas do jornal satírico Charlie Hebdo e fotos de alguns dos seus 12 jornalistas assassinados por extremistas fanáticos na quarta-feira inundam os trajetos da mega manifestação. Na fachada da Prefeitura de Paris, duas enormes faixas negras, palavras em branco :
-Je Suis Charlie
-Nous Sommes Tous Charlie.
Em Lyon, Marselha, Bordéus, Estrasburgo… por toda a França outras centenas de milhares de franceses, e não apenas, em dezenas de manifestações.
Nos monumentos das praças de La Nation e République, em meio a bandeiras de países europeus, bandeiras do Brasil.
Quatro da tarde. Refluxo das multidões, que pelas avenidas e boulevards tentam chegar o mais próximo de La Nation. Oito graus no domingo que alternou céu claro, sol e garoa.
Muçulmanos, judeus, budistas, católicos, protestantes...todos, de qualquer fé, se identificam com as vitimas. Idosos, bebes de colo ou em carrinhos, portadores de deficiência física em suas cadeiras…as multidões se espremem nos boulevards...
...Sabem que não conseguirão todos chegar a Nation, onde se encontram os os chefes de Estado e representantes da França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Belgica, Holanda, Hungria, Republica Checa, Croácia, Romênia, Dinamarca, Grécia, Letônia, Bulgaria; Suíça, Rússia, Mônaco, Kosovo, Albânia, Ucrânia, Bósnia; Israel e Palestina, Jordânia, Tunisia, Turquia; Mali, Gabão, Benin, o ministro da Justiça dos EUA, o ministro canadense da segurança pública...
As multidões talvez não cheguem nem mesmo à Bastilha ou à Republica, no meio do caminho, mas todos fazem questão de tentar, de querer chegar, de querer ir, de estar e de pertencer.
O silêncio por quase todo o tempo é a evidência de que se sabe a dimensão dessa hora e do que está em jogo, não apenas em Paris, na França e na Europa.
O ataque, a estupidez dos fanáticos, destes fanáticos –sim, há outros, muitos outros, em todas latitudes e longitudes, mesmo entre grandes que hoje posam de vítimas em La Nation enquanto também ocupam e também massacram -a barbarie sacudiu não apenas Paris e a França.
A mesma barbarie que, distante do mundo, escondendo-se ou iludindo olhos e mentes, brutaliza recantos outros do mundo.
Em Londres, na Trafalgar Square, a exatos 55 passos da embaixada brasileira, milhares se manifestam, como em Sydnei, em Madrid, Jerusalém, no Cairo, em Ramallah, Atenas…
Não ha manifestação certamente no castelo onde mora Le Pen, o Chef do fascismo francês cuja filha, Marine, é candidata à presidência nas eleições de 2017.
Mortos os jornalistas e os policiais no ataque ao Hebdo, Le Pen disse:
-Eu não sou Charlie, eu sou Charlie Martel...
Martel… Clara alusão a Charles Martel, soberano francês que em 732 brecou a invasão moura (as tropas muçulmanas) na França.
Le Pen, criador do Front National, agora rebatizado Rassemblement Bleu marine; o fascismo com nova etiqueta, de linguaguem mais soft, mas nada além. Segue xenófobo, homofóbico, anti-semita, rascista…
A propósito destas características e do fascismo, é bom lembrar a origem de Le Pen. Militar, torturador na Guerra da Argélia, Le Pen foi um dos que, no início dos anos 60, tentaram um golpe para impedir a libertação da Argélia do jugo dessa mesma França.
Nesse domingo em Paris, em grande parte da França, em capitais europeias e mundo afora, as gigantescas manifestações não foram apenas em homenagem aos desenhistas assassinados do Charlie Hebdo ou aos 4 judeus assassinados no supermercado kosher da Porte de Vincennes dois dias depois.
Neste domingo, na Franca e mundo afora milhões foram às ruas dizer ¨NÃ0" ao fascismo, à estupidez e à barbarie. Esteja onde estiver, venha de onde vier.
Certamente há ilusões, muitas nesse desejo coletivo, mas talvez alguns dos Chefes de Estado, inclusive alguns dos que vieram a Paris, e mesmo que por pragmatismo, compreendam até onde podem levar a estupidez e a barbárie.
Talvez, diante da trágica magnitude dos eventos desta semana - em especial midiatica, por ser onde foi e como foi- dos seus efeitos, das suas motivações e causas, talvez percebam já ter passado da hora de parar. Pararem todos.
Antes que, novamente, seja tarde demais.
Link: https://www.facebook.com/bob.fernandes.3/posts/923133144372840

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