sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Eles superaram a pobreza

No estreito sobrado de madeira na vila Grande Gala, em Novo Hamburgo (RS), Delci Lutz cria e costura figurinos para espetáculos de dança e teatro. No extremo oeste do Acre, a ribeirinha Luceildes Maciel planta mandioca para fazer farinha. Em Jacupiranga (SP), Regiane Silva dá aulas para crianças da pré-escola.
Essas brasileiras não se conhecem. São mulheres que ultrapassaram barreiras de exclusão e superaram a pobreza com o apoio dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família e as ações do Plano Brasil Sem Miséria, e de uma rede de proteção social que se amplia e se consolida a cada ano.
Mãe de dois filhos, Delci Lutz, 49 anos, teve o apoio desses programas para construir uma nova vida pra si e os dois filhos – Graziele e Daniel, de 18 e 17 anos. Há um ano, formalizou o próprio negócio, a “Delci Figurinos”, graças ao programa Microempreendedor Individual (MEI). Enfrentou a barreira invisível da exclusão e pôde esquecer as duras palavras do pai que repetia, a toda hora, que ela tinha que conseguir um emprego e esquecer essa “história de trabalhar por conta própria”.
“Sempre acreditei que ia fazer algo diferente, mas faltava um voto de confiança. Aí veio o Bolsa Família para me ajudar. Depois, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e o Sebrae me ajudaram no meu sucesso”. Em 2012, Delci fez dois cursos do Pronatec: o de desenho de moda pelo Senac e o de desenhista de calçados pelo Senai. Os filhos seguiram os passos dela. Fizeram o curso de auxiliar administrativo do Pronatec, voltado ao público do Brasil Sem Miséria. Hoje, ajudam na parte administrativa da “Delci Figurinos”.
A figurinista aumentou o ritmo de produção nos dois últimos anos, por conta das encomendas que só crescem. A agenda esteve lotada de pedidos até o final do ano. Delci conta que gosta de pesquisar figurinos e “fazer peças únicas”. “Fazer figurino é diferente, é descoberta, é desafiador para mim”.
No pequeno ateliê nos fundos do sobrado onde a família mora, são produzidos figurinos para espetáculos de teatro e dança, além de vestidos de festa, o que rende à empreendedora entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil por mês. Ela já comprou duas máquinas industriais para “melhorar a produção”. Antes, a renda da família era de apenas meio salário mínimo.
A época mais difícil coincidiu com o fim do casamento. Os compromissos pesaram sobre seus ombros. Sozinha, criou os dois filhos. Naquele tempo, já fazia roupas por encomendas, mas o que ganhava não era suficiente para sustentar as crianças.

Entrou para o Bolsa Família para conseguir um complemento para sua renda. Também teve a chance de voltar a estudar. Hoje, Delci tem ensino médio completo e quer fazer faculdade de moda no ano que vem.
“A gente passou por uma situação bem difícil. Criei os meus filhos sozinha. Há muito tempo, somos só nós três. O Bolsa Família me ajudou muito a pagar as contas e dar segurança para eles”, ressalta.
Em julho de 2014, devolveu o cartão do Bolsa Família em uma solenidade de formatura do Pronatec em Novo Hamburgo. Contou sua história em poucas palavras, mas com muita emoção. “É com muito orgulho que entrego o meu cartão”, disse na época. Assim como Delci, outras 2,8 milhões de famílias deixaram o Bolsa Família porque melhoram de vida.
Quando lhe perguntam sobre o futuro, ela sorri e diz: “Acho que estou chegando onde imaginei. Queria ter o reconhecimento desse meu trabalho. Estou muito realizada”.
O futuro na floresta - A beneficiária do Bolsa Família Luceildes Fernandes Maciel, 38 anos, nasceu e foi criada às margens do rio Moa, no Acre. Ela é exemplo de uma das principais características das políticas sociais brasileiras, a capilaridade, que possibilita alcançar os brasileiros mais pobres nos 5.570 municípios de um país de dimensão continental.
Para chegar até a comunidade onde a beneficiária vive com a família, leva-se quatro horas de barco a motor, partindo da cidade de Mâncio Lima, a mais ocidental do Brasil e mais distante em linha reta da capital federal. Casada, Luceildes é mãe de quatro filhos – entre 21 e 14 anos – e avó de dois netos. Ela e o marido plantam mandioca, milho, arroz e banana. Do rio, vem o peixe.
Antes de entrar para o Bolsa Família, vivia apenas da agricultura. “Tínhamos o alimento, mas precisávamos ir até a cidade tentar vender nossa farinha de mandioca”, conta ela. “A produção era para comprar o que faltava. Agora, podemos fazer compras na cidade sem preocupação”.
Aos poucos, o casal foi melhorando a casa de madeira. São três quartos, todos com cama, sem luxo. Só dois filhos moram com ela. Na sala, não faltam sofá e televisão; na cozinha, fogão, geladeira e freezer. Tudo novo. As panelas brilham; refletem até mesmo o olhar surpreso dos visitantes. São guardadas uma ao lado da outra, como se estivessem na vitrine de uma loja. “Um brinco!”, elogia a repórter. Ela timidamente abaixa a cabeça e sorri orgulhosa.
O que Luceildes compra de alimentos, ela divide com as duas filhas casadas. Parte do enxoval dos dois netos foi comprada com o dinheiro do programa. Destaca que não é só o Bolsa Família que ajuda. Beneficiária do Bolsa Verde, programa do Plano Brasil Sem Miséria que incentiva a conservação do meio ambiente e a melhoria das condições de vida de quem vive da floresta, ela recebe R$ 300 a cada três meses.
Planta apenas em áreas de capoeira, distantes duas horas a pé de sua casa. “Temos consciência de que, se desmatarmos, não teremos mais terra para cultivar nossas plantações”. A repórter pergunta se um dia ela pensa em sair da beira do rio Moa: “Nem pensar. Sou feliz aqui. Tenho tudo”.
Planos para o futuro - “Tenho esperança de crescer na minha profissão e uma vontade muito grande de trabalhar com palestras de motivação. Penso também em escrever um livro de como mudar de vida. Quero retribuir o que fizeram por mim”, diz, emocionada, Regiane Severo da Silva, 36 anos, moradora de Jacupiranga, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo.
Mãe de três filhos (15, 8 e 4 anos), ela e o marido Jeferson Kennedy Pereira, 41 anos, enfrentaram tempos difíceis. Ele trabalhou durante anos no cultivo da banana, atividade típica da região. Mas o que ganhava não era suficiente para sustentar a família. Depois, veio o desemprego.
Para sair da situação, em 2007, Regiane pediu ajuda no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da cidade. Lá, ficou sabendo que tinha direito a receber o Bolsa Família (R$ 166). Também conseguiu qualificação. Fez diversos cursos de artesanato (fuxico, patchwork, crochê e tricô). “O mais importante foi aprender que não era só receber o benefício. Eu tinha que continuar e ir mais longe. Procurei me qualificar e reinvesti o pouco que ganhava no meu artesanato”.
Jeferson relembra que não foi fácil manter a família como sempre sonhou. Não esquece o dia em que o filho – na época com dois anos pediu: “Pai, acende a televisão?”. A energia elétrica tinha sido cortada por falta de pagamento.
“Naquele dia, jurei que isso nunca mais ia acontecer. Essa foi a maior dor da minha vida. Energia elétrica dentro de casa eu não deixo faltar não”, garante ele.
Regiane também conseguiu emprego e devolveu o cartão do Bolsa Família. Formada em Magistério, ensina a crianças da pré-escola em uma instituição particular. Também voltou a estudar. Faz Pedagogia. Mas não abandonou o artesanato, que continua a complementar a renda.
Relata que sempre oferece ajuda às mães dos seus alunos para que elas tenham também a oportunidade de se qualificar e mudar de vida. Quer retribuir o apoio e a amizade que recebeu na fase mais dura de sua vida. “O ser humano precisa de uma oportunidade na vida, de alguém que acredite nele”, assegura.
Superação no semiárido - Dona Fafá, como é carinhosamente chamada a cearense Maria de Fátima dos Santos, 51 anos, é ex-beneficiária do Bolsa Família. Assim como Regiane e Delci, ela devolveu o cartão do programa. Tinha percebido que conseguiria sustentar os oito filhos com a produção de verduras, hortaliças e frutas nas proximidades da sua casa, na comunidade Jenipapo, em Itapipoca (CE), a 130 quilômetros de Fortaleza.
“Fiz questão de pedir que eles passassem o benefício para uma pessoa mais carente aqui da comunidade”, revela.
Fafá não conhece outra rotina, apenas a da agricultura. Aos dez anos, já ajudava o pai na plantação. Casou adolescente e continuou cuidando da roça. Depois, com a viuvez, teve a ajuda dos filhos para cuidar da horta.
A agricultora conta que não teria saído do lugar se não fosse o Bolsa Família. A situação melhorou ainda mais depois de ter recebido cisternas, que lhe permitiram acesso à água.
Para Fafá, a cisterna é a “coisa mais maravilhosa que já fizeram”. Tem duas: uma para o consumo da família e outra para produção. “No tempo de estiagem, já até doei água para quem ainda não tinha cisterna”, relata. Antes da construção das cisternas, “puxava” água do cacimbão que fica a 300 metros da sua casa.
Hoje, ela produz sem agrotóxicos e colocou em prática as técnicas de agroecologia que aprendeu em um curso. Já ensinou os vizinhos a plantar mastruz do lado do pé de tomate e do pimentão, o que evita pragas.
Além do milho e do feijão, Fafá cultiva cheiro verde, tomate, pimentão, alface, manga, maracujá, banana, graviola e abacaxi. Na feira agroecológica da cidade, chega a faturar R$ 500 por mês, o que completa a pensão que recebe. Fala que, sempre que precisam, os seis filhos que já casaram passam lá no seu quintal para “pegar alguma fruta”.
Com o aumento da renda, a agricultora sonha em comprar um carro. “Cada dia a gente está melhorando e quero comprar um carrinho pra andar. Já estou fazendo minhas economias”.
O valor do quilombola - “O que está dando dinheiro mesmo é o mamão e a mandioca”. É assim, com palavras simples e voz acanhada, que Joaquim Fernandes de Castro, 54 anos, explica o que produz na comunidade quilombola Fazenda Ema, a 22 quilômetros de Teresina de Goiás (GO). Joaquim sempre viveu da roça, mas a renda era baixa e instável.
Hoje ele não precisa mais tentar vender a produção na cidade, como fazia em outros tempos. Há dois anos, comercializa tudo com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), estratégia que integra o Brasil Sem Miséria e possibilita a superação da pobreza no campo, com a inclusão de pequenos agricultores em uma rota produtiva.
Perseverante, Joaquim conseguiu vender, no ano passado, o limite do PAA para o produtor individual: R$ 4,5 mil. Com o dinheiro e mais o que lucrou com a venda de quase 200 quilos de sementes nativas de capim-andropogon, comprou seu primeiro carro – um Uno Mille, ano 1991. “Paguei R$ 5,5 mil e não me arrependo”, conta, orgulhoso.
O carro transporta, além do mamão e da mandioca, as hortaliças produzidas por ele. “Já teve tempo que carregava um saco de 20 quilos nas costas por dois quilômetros até a pista. Depois, pegava um ônibus ou uma carona até a cidade”, lembra o agricultor, que já planeja “comprar um carrinho melhor”. Mas antes quer aumentar a produção e, consequentemente, a renda da família.
Para ele, o quilombola “está sendo uma pessoa de valor para o governo”. Na comunidade, acredita o agricultor, a vida melhorou muito com o programa Luz Para Todos e o de habitação quilombola, do Ministério das Cidades, e outros benefícios sociais. Com a energia elétrica, por exemplo, as famílias da região passaram a armazenar os alimentos e utilizar eletrodomésticos.
Joaquim recebeu uma casa de alvenaria, graças a políticas públicas do governo federal. A esposa Cenira – que é merendeira em uma escola municipal – e os seis filhos são beneficiários do Bolsa Família. Com o benefício, comprou um fogão novo e aposentou de vez o à lenha. A família planta milho, feijão, arroz e batata para consumo próprio. Deixa para comprar na cidade apenas o óleo e a carne. “O Bolsa ajudou na educação dos meninos e a comprar comida, roupas, fogão e geladeira. Ajudou em tudo”, relata Joaquim.
Texto: Rejane Gomes
Reportagem: André Gomes, Cristiane Hidaka, Isadora Lionço e Pamela Santos, Luiz Cláudio Moreira e Márcio Leal - O Brasil Mudou.
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