Revista Época: O ex-deputado diz que a chefe da Casa Civil é favorita em 2010 porque o país não quer mudar de rumo.
Sem mandato há quase quatro anos, desde que foi cassado por causa do mensalão, José Dirceu continua operante. Num escritório na Zona Sul de São Paulo, mantém agenda e contatos de político influente. Ao receber ÉPOCA, fazia três coisas ao mesmo tempo. Estava grudado no noticiário da TV sobre o câncer da ministra Dilma Rousseff, despachava com assessores assuntos de seu blog e se preparava para uma reunião com a arquiteta Hermínia Maricato, ex-secretária do Ministério das Cidades. Ao falar da CPI da Petrobras, disse que se informava de tudo com o presidente do Congresso, José Sarney. Atento aos bastidores de Brasília, procura mostrar entusiasmo com a candidatura de Dilma à Presidência, para a qual, diz ele, não há alternativas.
ÉPOCA – A doença da ministra Dilma Rousseff aumentou as incertezas em relação à sucessão presidencial. O PT deveria pensar em alternativas? José Dirceu – Não. O PT não piscou. Fez o certo. A Dilma é candidata. Não vejo nenhuma razão em mudar os planos por causa de um câncer, um linfoma. Eu mesmo convivi com vários amigos que tiveram esse câncer, continuaram trabalhando, superaram e estão aí em plenas condições. Não vejo da parte do PT, nem da parte do presidente Lula, nem dos aliados, essa expectativa de troca de pré-candidata.
ÉPOCA – O presidente Lula já disse várias vezes que não quer o terceiro mandato consecutivo, mas parlamentares da base do governo não deixam o assunto morrer. Por que o presidente não consegue convencer os próprios aliados? Dirceu – Isso é natural por causa da força popular do Lula. Também porque ele seria eleito para o terceiro mandato. A maioria dos eleitores não condena o terceiro mandato, porque o terceiro mandato, se aprovado pelo Congresso, não será inconstitucional. Se o terceiro mandato fosse inconstitucional, a reeleição do Fernando Henrique seria inconstitucional. O problema é outro: nós não devemos fazer isso.
ÉPOCA – Por quê? Dirceu – Porque não interessa para a democracia, não interessa para o país. Imagine se nós tivéssemos optado por uma campanha pelo terceiro mandato e em seguida viesse a crise internacional? Eu combati. Não com o argumento que o Diretório Nacional (do PT) adotou, dizendo que é inconstitucional e antidemocrático. Mas o terceiro mandato não é do interesse da democracia brasileira, nem do Brasil, nem do PT. Reeleição já está bom demais. Devemos exercitá-la por mais 20 anos.
ÉPOCA – Que tipo de impacto a doença de Dilma poderá ter no eleitorado? Dirceu – Não dá para saber hoje. Pelas pesquisas que fizemos, ela continua subindo. E 54% do eleitorado continua desconhecendo que ela é a candidata do Lula. Hoje, ela, o Aécio e o Ciro estão empatados. Antes do são-joão (24 de junho), ela vai estar na frente de todo mundo, menos do Serra. Eu acredito que quando começar a campanha eleitoral a Dilma e o Serra já estarão empatados. Na pesquisa espontânea, já estão. Será uma eleição, como todas as outras que nós disputamos, muito difícil. Mas não vejo o país entregando o governo para os tucanos, votando no Serra para presidente da República.
ÉPOCA – Por quê? Dirceu – Qual a razão que o eleitor tem para mudar o rumo do país? Por que não continuar com um governo em que o Lula é o fiador? Eu não vejo (razão). Principalmente se nós tivermos alianças, como já aconteceu no Rio, e se avançarmos em Minas e na Bahia. Não é uma eleição em que a tendência é a vitória do PSDB. A tendência é a vitória da Dilma.
ÉPOCA – A crise econômica não atrapalha a candidatura da Dilma? Dirceu – Nós estamos saindo da crise econômica. O Brasil é o primeiro país do G20, fora a China, que cria emprego. Vamos criar 150 mil empregos a partir do mês que vem. A economia no último trimestre deverá estar crescendo bem. O impacto negativo nas manufaturas e nas exportações metálicas e de alimentos tende a minorar. O país não tem problema nas contas externas, a inflação está caindo, a taxa Selic vai cair para 9%, espero eu. Isso representará 50% a menos do que a gente pagava pelo serviço da dívida pública.
ÉPOCA – O senhor desconsidera a possibilidade de candidatura de Aécio Neves? Dirceu – Estou falando do Serra porque o Serra está na frente nas pesquisas e a cúpula do PSDB já optou por ele. Mas não desconsidero o Aécio, até porque o Aécio derrotou o Serra na bancada, né? Na escolha do líder na Câmara, o José Aníbal (deputado de São Paulo) foi eleito no lugar do Paulo Renato (atual secretário de Educação de São Paulo). O Serra tem vários problemas. Um deles é o Aécio. O Aécio vai querer disputar as prévias e tem um discurso que agrada mais que o do Serra. Outro problema dos tucanos é de proposta. Eles não têm uma alternativa ao que estamos fazendo. Em São Paulo, o governo Serra tem problemas graves nas áreas de segurança e educação.
ÉPOCA – Onde está então a força da candidatura do Serra? Dirceu – Ele tem o governo de São Paulo. O PSDB está no governo desde 1982 em São Paulo. O que era o PMDB, a direita em São Paulo, está hoje no PSDB. O Quércia está totalmente integrado (ao PSDB). É simbólico que o vice-governador seja o Alberto Goldman e que o candidato seja o Aloysio Nunes Ferreira, dois braços direitos do Quércia. É a oligarquia no poder, de outro tipo. O Serra tem outro benefício: não há com ele, na mídia em São Paulo, a mesma postura que há em relação ao governo do Lula.
ÉPOCA – Que postura? Dirceu – Postura de apoio a ele. Em São Paulo, a Marta Suplicy foi desconstruída em 2003 e 2004 para o Serra ganhar a eleição em 2004. Não estou dizendo que sem isso a Marta ganharia, mas que houve isso, houve.
ÉPOCA – Essa crítica à imprensa não é autoritária? Não é a demonstração de que o PT no poder não aceita críticas? Dirceu – A mídia brasileira precisa ser regulamentada, democratizada. No mundo inteiro foi assim, menos no Brasil. Quero que peguem a legislação mais moderada que existe no mundo e apliquem no Brasil. Como você pode ficar sem lei de imprensa? Sem direito de resposta para preservar sua imagem e a honra? Você não pode dar ao Estado poderes para intervir na imprensa e na liberdade de manifestação. Mas quero também minha liberdade de imprensa. Fui investigado, processado e julgado pela imprensa como o chefe da quadrilha do mensalão e corrupto. Até agora eu consegui ser absolvido em todos os inquéritos, investigações, processos, CPIs, inclusive em seis processos em primeira instância em Brasília. Só resta o processo no Supremo. E se eu for absolvido pelo Supremo em 2011? Como vão ficar esses seis anos?
ÉPOCA – O senhor não errou em nada? Dirceu – Eu não faria nada diferente. Quando fui deputado estadual, federal, não cometi grandes erros. Posso ter feito julgamento precipitado de um ou outro acusado. No governo, cometemos muitos erros. Um erro foi a aliança com o PMDB, que não fizemos no começo do governo.
ÉPOCA – O senhor pensa em voltar para a direção do PT? Dirceu – Não. Nem para cargo público, que eu posso, pois só tenho inelegibilidade. Mas não pretendo voltar enquanto não for julgado pelo Supremo. Não me sinto no direito nem em condições. Tenho de provar minha inocência primeiro. Depois pedir anistia na Câmara. Esse é meu roteiro. Eu preciso provar minha inocência. É um absurdo, mas não tem outra alternativa.
ÉPOCA – A Dilma na Presidência faria um governo mais à esquerda que o do Lula, como disse o presidente do PT, Ricardo Berzoini? Dirceu – Acho que ela faria um terceiro governo, que teria muito mais condições que o segundo, que teve mais condições que o primeiro. Vão se criando condições no país para outras mudanças.
ÉPOCA – O segundo governo Lula é melhor que o primeiro? Dirceu – Não digo que seja melhor. O primeiro cumpriu uma etapa e tarefas que eram adequadas a ele. Poderia ter tido uma política monetária mais heterodoxa antes de 2007. O Banco Central errou no final do ano passado. Deveria ter baixado os juros em 4 pontos quando começou a crise. Hoje, isso é quase unânime. Em parte, estamos pagando hoje por esse erro. Felizmente, o Brasil também estava preparado porque o Banco Central também tem qualidades: desdolarizou a dívida, alongou a dívida, fez as reservas, saneou o sistema financeiro.
ÉPOCA – O segundo governo Lula é melhor que o primeiro? Dirceu – Não digo que seja melhor. O primeiro cumpriu uma etapa e tarefas que eram adequadas a ele. Poderia ter tido uma política monetária mais heterodoxa antes de 2007. O Banco Central errou no final do ano passado. Deveria ter baixado os juros em 4 pontos quando começou a crise. Hoje, isso é quase unânime. Em parte, estamos pagando hoje por esse erro. Felizmente, o Brasil também estava preparado porque o Banco Central também tem qualidades: desdolarizou a dívida, alongou a dívida, fez as reservas, saneou o sistema financeiro.
ÉPOCA – O Brasil errou ao apoiar um egípcio acusado de antissemitismo e desprezar uma candidatura própria para a direção da Unesco? Dirceu – Eu preferia que (o candidato brasileiro) fosse o Cristóvam (Buarque). O Brasil tomou a decisão de apoiar o egípcio por questões políticas. Sou contra desqualificação política de certas personalidades. Se você tomar ao pé da letra o que estão fazendo com o presidente do Irã (Mahmoud Ahmadinejad), nós deveríamos fazer o mesmo com o Bush, né? Também com o primeiro-ministro de Israel (Benjamin Netanyahu), que defende coisas indefensáveis. Eu não posso deixar de ter relações ou votar indicações de certos países por causa disso. Se o presidente do Irã vier ao Brasil, nós temos de recebê-lo. Quem quiser fazer manifestação contra ele, que faça.
ÉPOCA – O Ahmadinejad defende a destruição do Estado de Israel. Dirceu – Não é bem assim. Então eu vou dizer que a direita de Israel, que está no poder, defende a destruição do Estado palestino. Por causa disso, não vamos ter relação com Israel? Não concordamos com as declarações do Irã em relação a Israel, mas temos de defender os direitos do Irã, que também queremos para o Brasil, como o enriquecimento do urânio.
ÉPOCA – Quando o senhor foi deputado, algum parente, correligionário ou amigo usou sua cota de passagens? Dirceu – Como o Lula disse, nós construímos o PT e fizemos a luta contra a ditadura. Sempre os parlamentares do PT apoiaram o partido. Então, pessoas do partido usaram bilhetes. Parente, não.
ÉPOCA – Dezessete anos depois da CPI do Collor, nós temos agora uma CPI da Petrobras com Renan Calheiros e Fernando Collor ajudando o governo Lula . Não é uma ironia? Dirceu – Não sei se o Collor vai ajudar o governo, não. O Brasil de 2009, em comparação com o de 1991, é melhor em todos os sentidos. O Collor é o Collor, um senador de Alagoas com peso de um em 81. Ele não tem influência. O Renan é diferente, porque ele tem o peso de um líder do PMDB.
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